A Nova Revista da Velha Mulher: por que mulheres peladas são capa de publicações femininas?

Quando entrei pela primeira vez no Papo de Homem, a primeira coisa que pensei foi: “Por que não existem revistas femininas assim? Que falem a verdade? Que sejam bem humoradas e irreverentes?”.

Logo comecei a pensar nas revistas femininas, sempre com uma gostosa na capa e com milhares de receitas para tornar as mulheres “melhores”, afinal a melhor mulher é sempre aquela que você pode tornar a ser. Se você se satisfizer com a mulher que você é, não vai precisar comprar a próxima revista com novas receitas infalíveis da mesma coisa: a nova dieta, a nova ginástica, as novas posições sexuais.

A revista feminina é, portanto, a sequência de planos infalíveis do Cebolinha: aqueles planos feitos para não dar certo, para que assim ele possa apanhar da Mônica (já foi provado aqui neste mesmo espaço que não há nada mais sexual que um tapinha – ou uma coelhada, de repente). E assim a mulher fica sempre na expectativa do que ela pode se tornar.

Mas por que tantas mulheres caem nessa? Será que tem algo do feminino relacionada à mesmice das revistas – uhm, deixa eu ver – femininas?

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O lacre sempre permanece lacrado

Sexo lacrado: leitura periódica

A boa nova é: sempre a próxima.

Pensem: se uma mulher é bem resolvida quanto ao sexo, por que ela leria um manual de sexo lacrado? Todos os meses? A contradição já está no nome: se é para abrir, para que lacrar? A proposta é naturalizar o sexo, mas desde que seja algo lacrado, fechado a vácuo – e com aquela conotação de proibido.

Ou seja, a nova mulher é, na verdade, a velha mulher, disfarçada, que continua vendo o sexo como tabu.

A nova mulher e o novo homem: existem?

Trailer do filme Down with love

No filme Abaixo ao amor (Down with love), que se passa em Nova York, 1962, os protagonistas Catcher Block (Ewan McGregor) e Bárbara Novak (Renée Zellweger) são escritores: ele, um jornalista brilhante e mulherengo que consegue todos os furos (em todos os sentidos); ela, uma escritora de um best-seller, intitulado “Abaixo ao Amor”, que ensina as mulheres, em três passos, como nunca mais amarem.

O argumento é de que o amor é uma distração e o livro propõe que as mulheres não associem mais o amor ao sexo; assim, elas poderiam fazer sexo casual, como os homens (e a la carte, segundo o filme). Deste jeito, liberariam a energia antes dispendida no amor para conseguirem os objetivos profissionais. Assim, funcionariam, segundo a autora, como os homens.

No final do filme, ambos descobrem que o amor é um dispêndio de energia muito bom, que tanto extremo de viver sem amor quanto o das mulheres que vivem só para o amor e para o casamento são ruins; e que o bom é o meio termo.

O mais engraçado é que ao descobrirem isto, eles se intitulam como o “novo homem e a nova mulher”. E o mais engraçado ainda é que o filme, apesar de novo, se passa em 1962! E as pessoas continuam reinventando a roda...

O enigma da mulher

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Já imaginou se toda mulher mudasse a famosa frase? "Para me devorar, decifra-me antes"...

Freud começa seu texto “Feminilidade” (de 1933, vejam bem...)  falando sobre o enigma da natureza da feminilidade. Sim, ele chama de enigma e diz que a própria psicologia não tinha respostas sobre a mulher. O texto dele fala, então, do desenvolvimento sexual da mulher, desde a infância até a maturidade, sempre em comparação com o desenvolvimento do menino.

O desenvolvimento inicial dos dois é igual: ambos inicialmente desejam a mãe, que é a provedora de cuidados. A diferença básica é a de que, enquanto o homem é definido pelo seu pênis, a mulher é definida pela ausência dele; a mulher, portanto, é definida pelo negativo. E aí, enquanto o desenvolvimento normal do menino implica que ele se identifique com o pai porque ele é o objeto de amor da mãe e possuidor do falo, a menina tem de renunciar ao amor pela mãe e passar a desejar o pai, pois faz parte do desenvolvimento sexual da mulher ter de atrair o falo.

Assim, não é a toa que as revistas femininas se encham de mulheres que atraiam o olhar: o papel da mulher, portanto seria o de fazer-se passiva, no intuito de atrair o falo. Mas notem: fazer-se implica numa atividade. Feminismos à parte, é algo que faz parte das consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos, já diria Freud.

Não é à toa que tanto as revistas femininas quanto as masculinas tenham mulheres nuas na capa. É isto que atrai o olhar, de ambos os sexos: a mulher, por querer ser como aquela que atrai o olhar; o homem, por desejar aquela mulher, que atrai o olhar de todos.

Mas e aí, isso justifica tudo? As mulheres então devem ficar numa vitrine e as revistas devem tratar de assuntos medíocres, já que só a imagem satisfaz?

É claro que não. Esta é a escolha fácil, a das revistas que não se preocupam de fato em formar mulheres novas de verdade e apenas repaginar a velha ideia de que a mulher deve sim, ser independente, bonita, sarada, bem resolvida, ter uma carreira e ser simpática para... conseguir um bom casamento, é claro!

"A mulher" não existe

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"Querido, te mandei meu texto final. Pode publicar em seu nome."

Freud fala que a mulher existe por um negativo: aquela que não possui o pênis. Assim, não existe um elemento “unificador” entre as mulheres: cada uma é única. Sim, Martinho da Vila e Chico Buarque estavam certos em ver as mulheres em suas diferenças. E realmente, as mulheres podem parecer, aparentar serem iguais, mas são únicas.

E embora digam por aí, Freud (1933) não explica tudo. Ele próprio fecha sua conferência com a seguinte afirmação:

“Isso é tudo o que tinha a dizer-lhe a respeito da feminilidade. Certamente está incompleto e fragmentário, e nem sempre parece agradável. (...) Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas, ou aguardem até que a ciência possa dar-lhes informações mais profundas e mais coerentes” (p. 165)

Deste jeito, ao meu ver, o caminho para novas revistas femininas seria o de valorizar esta diferença. E não o contrario, que é o que se faz por aí, uma tentativa de padronização: "a nova mulher deve ser assim, deve ser assado". Essa tentativa sempre vai gerar a frustração em todas as mulheres – claro, a venda deste tipo de revista é alavancada por esta frustração!

Assim, não se pode ter bom humor ou irreverência para tratar dos assuntos do universo feminino, já que o bom humor implica numa capacidade de rir de si mesmo, de estar confortável na própria pele. E, de fato, implica em estar bem resolvida, coisa que a velha mulher da nova revista não está, senão não precisaria das novas fórmulas...

E aí sim, podemos aproveitar o fato de que cada uma de nós somos únicas e especiais, no que isto tem de bom – sorry, guys, mas ser única é realmente uma característica do feminino. Coisa que, na verdade, os homens já sabem, caso contrário eles não gostariam tanto de provar um pouquinho de todas nós...

Referências:

Freud, S. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. (1933) In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. 1980. vol XXII.


publicado em 05 de Outubro de 2009, 12:56
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Marina Graminha Cury

Marina Graminha Cury é psicóloga e especialista em Psicologia Hospitalar pela USP. É psicanalista em formação. Atua como psicóloga clínica em instituições e consultório particular e acredita que os livros de auto-ajuda deveriam ser queimados em praça pública.


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