A primeira eleição

— Senhor?

— Pois não?

— Adão está retornando sua ligação. Ele está na linha dois.

— Pode transferir.

— Sim, Senhor.

— Alô?

— Adão? Sou Eu.

— Tudo bem? O Senhor me ligou?

— Liguei. Quero saber que ligação foi essa que eu recebi hoje de manhã, pedindo para eu votar em você.

— Ah, o Senhor recebeu a ligação? Que ótimo! Começamos com isso hoje.

— Isso? Isso o quê?

— As ligações para os eleitores. Gravei ontem, e foram ativadas hoje.

— Adão, o que está acontecendo?

— Como assim?

— Que ligações são essas?

— É por causa da eleição aqui embaixo.

— Eleição? Que eleição?

— Aqui no Paraíso. Teremos eleições daqui a duas semanas, para elegermos o Prefeito do Éden.

— Adão, o Jardim do Éden já tem um encarregado. E é você. Por sinal, você deveria estar cuidando disso.

— Eu tive que abrir mão dos meus afazeres por causa das eleições. Mas o trabalho está todo em dia. Eu nomeei um gorila como meu sucessor. Ele tem cuidado de tudo.

— Um gorila? Adão, você enlouqueceu?

— Não, ele está indo bem. Nos primeiros dias, ele se atrapalhou um pouco com as tarefas mais delicadas, como cuidar das orquídeas e alimentar os beija-flores, mas agora já pegou o jeito.

— Adão, você vai dispensar esse gorila e voltar a cuidar do Paraíso.

— Não posso. A eleição é em alguns dias, por isso pedi licença do cargo.

— Quem começou com essa história da eleição?

— Bem, alguns animais começaram a reclamar que eu não cuidava bem do Paraíso e que eu não agia em nome de todos.

— Você não age em nome de todos. Você age no Meu nome.

— Sim, eu expliquei isso a eles. Mas eles não se convenceram, disseram que era hora de instalarmos uma democracia aqui embaixo e, que os animais deveriam eleger seu representante. Eu me candidatei, claro. Eu e os macacos nos unimos e formamos o Partido dos Primeiros Primatas. Sou candidato a prefeito. Meu vice é um macaco-aranha.

— Sei.

— Mas o pessoal daquele brejo, ali perto da floresta, lançou a candidatura de um sapo.

— Certo. Então você está disputando a prefeitura do Éden.

— Isso.

— Contra um sapo.

— Isso mesmo. O problema é que o vice deles é um hipopótamo, e isso pode atrair o apoio de outros mamíferos.

— Adão, você deve estar brincando Comigo.

— Não, Senhor, não é brincadeira. Nós tentamos convencer o hipopótamo a nos apoiar, mas ele...

— Eu não estou falando disso! Eu não me importo quem o hipopótamo vai apoiar! Eu estou falando dessa história de eleição! Isso não vai acontecer!

— Mas o Senhor não pode impedir. É a democracia.

— Isso ainda não existe! Eu não quero ouvir você falar em democracia!

— Mas, por quê? Olhe, eu sei que a palavra começa com “demo”, mas ela não tem nada a ver com o que o Senhor está pensando. Aquela serpente que fica perto da macieira nem está concorrendo a nada. Na verdade, democracia significa...

— Eu sei o que é democracia!

— Certo. Desculpe. Enfim, a campanha está a todo vapor. Aliás, eu Já havia pensado em ligar para o Senhor, para Lhe convidar a participar da minha campanha.

— Oi?

— Isso. Eu precisava de um depoimento do Senhor. Iria ter muito peso.

— Depoimento?

— Sim. Nada muito extenso. Só dizer que eu sou o melhor candidato, o mais experiente. E que farei muitas obras aqui.

— Obras? Que obras? O que você vai fazer no meu Jardim?

— Ah, não pensei ainda. Mas isso não importa. O que os animais querem ouvir é que obras vão ser feitas. O sapo, por exemplo, já falou que todos os animais vão ter as mesmas oportunidades e que vai melhorar o transporte.

— Que transporte? Não tem transporte aí embaixo! Eu não criei transporte nenhum!

— Eu sei. Mas parece que alguns animais gostaram disso, mesmo assim. Agora, eu preciso apresentar algo. Algum projeto, qualquer coisa.

— Adão, Eu...

— Eu já falei que vou construir uma ponte ali naquele rio que fica perto da montanha, mas preciso de algo mais forte. E o pior é que hoje tem um debate.

— Tem o quê?

— Um debate. Eu e o sapo vamos nos reunir e apresentar nossos projetos para o Paraíso. E eu só tenho a história da ponte para falar. O que é ruim, porque além de não ser grande coisa, eu não faço ideia de como se constrói uma ponte. Fui perguntar para o castor, mas ele disse que só sabe fazer represas.

— Sabe, Adão... Às vezes Eu sinto um cansaço tão grande...

— Eu também. Não imaginava que campanha política fosse algo tão corrido. Faz dias que estou rodando pelo paraíso, distribuindo folhas de bananeira com meu retrato e meu slogan.

— Slogan?

— Isso. “Para o crescimento da nação, o negócio é votar Adão”. Não é dos melhores, eu sei. Mas foram os macacos que bolaram, e eles me disseram que “Éden” não rima com nada legal. Então eu distribuo as folhas de bananeira e converso com os eleitores. Faço passeatas com os macacos, abraços os outros animais e beijo filhotes. Mas eu e o sapo estamos empatados em todas as pesquisas. Então, se o Senhor puder me ajudar...

— Com o depoimento.

— Isso. Imagine. Uma mensagem do Senhor, assinada, dizendo algo como “Sou Adão desde o Começo dos Tempos!”, ou “Eu criei o mundo, mas é Adão quem vai fazê-lo crescer!”. Com o apoio do Senhor, essa eleição está no papo. Se bobear, não tem nem segundo turno!

— Adão...

— Alguns macacos podem passar aí e conversar com o Senhor ainda hoje. Eu não posso ir pessoalmente, porque vou visitar uma montanha. Parece que as lhamas ainda estão indecisas, então vou fazer campanha lá em cima. Aliás, com o apoio do Senhor, eu posso...

— Eu não vou apoiar você.

— Como assim? O Senhor vai votar num sapo?

— Eu não vou votar em ninguém!

— O Senhor vai anular seu voto? Isso não é exemplo que se dê!

— Adão, eu não vou votar em ninguém porque não vai haver eleição nenhuma!

— Como não?

— Você vai interromper esta campanha agora e vai continuar a cuidar do Paraíso.

— Mas...

— Este assunto está encerrado. Não haverá eleição nenhuma. O Paraíso vai continuar conforme Eu ordenei. Você cuidando de tudo e os animais em paz, sem formar partido, sem disputar cargos, sem prometer obras.

— Certo. Posso falar uma coisa?

— Não. Isso não é um debate. Você não tem o direito a uma réplica aqui.

— Mas acontece que os animais...

— Adão, você já ouviu falar no PAEF?

— PAEF? O que é isso?

— É o Partido dos Anjos com Espadas de Fogo. Eu acabei de fundar. Se esta história de eleição continuar, eu vou fazer os meus cabos eleitorais descerem aí e acabarem com essa brincadeira. Fui claro?

— Bem...

— Fui claro?

— Sim.

— E não quero mais ouvir falar em eleição, em democracia, em campanha política.

— Sim, Senhor.

— Chega de eleição. Certo?

— Sim, senhor.

— O que você vai fazer depois que desligarmos?

— Cuidar do Paraíso.

— Certo. Bom trabalho. Até logo.

— Tchau.

...

Assim, a primeira eleição foi cancelada antes mesmo de acontecer. Os animais acabaram não gostando muito da notícia, mas logo se acostumaram, pois no fim sabiam que “Adão ou Sapo, é tudo a mesma coisa”, como disse um tigre. E, alguns dias depois, ninguém nem lembrava mais do assunto – o fato de alguns anjos terem descido sorrateiramente até o Paraíso e sumido com as folhas de bananeira usadas na campanha ajudou bastante com isso.

A única criatura que ainda pensava no assunto era a serpente, que, deitada ali perto da macieira, às vezes se colocava a pensar sobre esta ideia de eleições e partidos políticos. Algo dizia a ela que, no futuro, isso poderia se tornar uma grande oportunidade de negócios.

Mas quem também não esqueceu foi Deus.

Logo depois de desligar o telefone com Adão, ficou em silêncio por alguns instantes, até que tomou uma decisão. Pegou o telefone e ligou para Sua secretária e pediu a ela que procurasse, para Ele, uma pasta no arquivo, e cancelasse todos os seus compromissos, pois passaria o dia revisando um projeto.

— Qual a pasta, Senhor?

— “Estado Laico”.


publicado em 27 de Outubro de 2012, 22:00
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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