A prisão de Marin e o futuro do futebol brasileiro

A bola da vez foi a prisão de dirigentes da FIFA. Será que mais um escândalo pode ajudar a tirar o futebol da lama?

"Caguei. Caguei de montão… Só vou ficar preocupado quando as acusações saírem no Jornal Nacional."

A afirmação acima é de Ricardo Teixeira, presidente da CBF por 23 anos (1989 - 2012). Ontem, a prisão de José Maria Marin, ex-presidente e atual vice da entidade máxima de nosso futebol, saiu no Jornal Nacional. Talvez Teixeira volte a se cagar, mas agora por outro motivo. O cerco parece estar fechando.

Jamil Chade, repórter do Estadão, que na semana passada expôs o contrato que a CBF assinou com uma empresa de sede fantasma nas Ilhas Cayman mostrando ao mundo a maneira pela qual a CBF negocia a seleção brasileira, acha que a prisão de Marin é a ponta do iceberg. Tudo indica que Jamil está certo.

Do lado de cá, porém, o recém empossado presidente da CBF, Marco Polo Del Nero – vice-presidente à época do Marin –, tenta nos convencer de que a sua gestão é altamente comprometida com a verdade e a transparência, como se o detento Marin não fizesse parte da atual cúpula que está no poder (Marin era o primeiro na linha sucessória, mas por definição da FIFA acatada pela CBF, acaba de ser afastado do cargo).

Simbólico: Marin dá nome à sede da CBF

A CBF e tantas outras entidades de administração do futebol pelo mundo se tornaram células podres, desvirtuadas de sua missão de promover o esporte no mundo.

É verdade que esse esquema de corrupção está mais ligado ao futebol internacional e mais especificamente à escolha de sedes para as Copas do Mundo. Que se diga que as investigações foram conduzidas pelo FBI muito provavelmente em função de os EUA terem sido preteridos pelo Qatar para a Copa de 2022. Todavia, o escândalo lá fora tem muito a dizer sobre a estrutura do nosso futebol por aqui. Não apenas porque mexe com a alta cúpula da CBF, mas porque expõe de maneira flagrante a natureza dos interesses que administram o futebol.

Não é de hoje que a evolução do futebol tem se dado quase unicamente pelo caminho do mercado, salvas raras e honrosas exceções. A questão delicada e que deve ser observada é quando esses interesses econômicos se sobrepõem à finalidade esportiva.

Claro que o esporte moderno também é negócio. Mas não é só negócio, a razão-de-ser do esporte não pode ser o lucro. E para gente não se perder em falsos dilemas, adianto que é possível conciliar desenvolvimento esportivo e gestão eficiente de recursos, fortalecendo o mercado e protegendo o esporte, mas é impossível fazê-lo sem apertar o calo de alguns.

A economia do esporte requer basicamente duas coisas: regulamentação e democracia

Olhemos para o caso brasileiro. A CBF de Marin, que só se importa com a Seleção – sua galinha de ovos de ouro e fonte de quase todos os seus patrocínios – e não está nem aí para o futebol jogado no Brasil, acumulou um lucro de R$ 318 milhões nos últimos 5 anos enquanto os 20 maiores clubes brasileiros – os verdadeiros fomentadores do futebol – estão quebrados, com um déficit acumulado de R$ 1,27 bilhão nesse mesmo período.

Preocupante, sim, mas o que isso tem a ver com a corrupção do Marin? Tudo.

Simbólico. Hoje, pela manhã, CBF tira o nome de Marin do prédio da entidade (Foto: TV Globo)

Marin, assim como seu antecessor Teixeira, se acostumou a esse ambiente libertino, em uma entidade que se vale da bandeira brasileira, do nosso hino e do nosso nome, sem jamais prestar contas a quem quer que seja (não me refiro apenas a balanços financeiros). Nas cuidadosas palavras de Teixeira: 

"Que porra as pessoas têm a ver com as contas da CBF? É entidade privada. Não tem dinheiro público. Por que merda todo mundo enche o saco?” 

A CBF pinta e borda, e a única coisa que importa é o seu resultado financeiro.

Que os principais clubes do Brasil sejam deficitários, devendo cerca de R$ 4 bilhões apenas à União, muitos em situação pré-falimentar, sem fortalecer as categorias de base e o futebol feminino, não é problema para a CBF.

Que mais de 80% dos clubes de futebol no país joguem apenas por 3 ou 4 meses ao longo do ano, desempregando sistematicamente 20 mil trabalhadores, não é problema para a CBF.

Se ela não recebe recursos públicos e tem sua autonomia de funcionamento garantida pela Constituição, quem vai cobrá-la?

Aí entraria a democracia. O próprio colégio eleitoral daria conta de eleger alguém que se preocupasse com a estrutura do futebol, certo?

Errado. A mera existência de eleições regulares infelizmente não é uma garantia de democracia. A qualidade da democracia depende de uma série de outros fatores, como tempo de mandato, reeleição, governança, cláusulas de barreiras e principalmente a composição do colégio eleitoral.

Mas veja, aqui no país do futebol, a CBF permite reconduções infinitas de mandato (basta ver o estatuto da entidade, claro se você o encontrar), possui uma assembleia geral composta exclusivamente por presidentes de federação (entidades sem função que pouco ou nada fazem para o futebol além de organizar os decadentes campeonatos estaduais) e não prevê a participação de atletas ou quaisquer outros profissionais da área técnica em seus órgãos decisórios.

Sim, o diagnóstico é desolador, mas dá para fazer alguma coisa?

O início de uma reforma profunda no futebol brasileiro começa pela MP do Futebol.

Esta Medida Provisória, resultado da luta que o Bom Senso FC trava há quase dois anos em defesa de reformas no futebol, cria o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT, para promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiro das entidades desportivas profissionais de futebol.

Neste momento, a MP está no Congresso enfrentando os ferozes ataques da Bancada da Bola, grupo de parlamentares ligados a dirigentes de futebol, e da CBF, entidade cujo único receio é se ver livre de qualquer legislação federal que busque democratizá-la.

Nessa tentativa de desfigurar a MP, a CBF contratou dois dos 26 parlamentares que compõem a Comissão como diretores. E não, isso não é brincadeira, e segundo os contratados isso não representa falta de decoro ou conflito de interesses.

A MP do Futebol não é a salvação de todos os males do futebol, mas é certamente um passo decisivo para que saíamos do atoleiro.

Quer ajudar? 

1. Entre no Votenaweb, vote sim ao projeto;

2. entre no site do Bom Senso, interaja com a gente nas redes sociais e ajude a pressionar os políticos pelas mudanças no nosso futebol.

Obs.: as opiniões aqui expressas não representam as posições oficiais do movimento Bom Senso Futebol Clube.


publicado em 28 de Maio de 2015, 11:01
File

Ricardo Borges Martins

Cientista Político e ativista apostando em construções coletivas em lugares como o Pacto pela Democracia, a Virada Política e o Advocacy Hub. Pode ser encontrado no Facebook.


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