As vidas no caminho para o trabalho

Furtaram minha bicicleta.

Esse é o meio de uma história que começou quando minha mulher e eu decidimos morar juntos. Simultaneamente a esta, veio outra decisão: comprar um carro para nos auxiliar durante o dia-a-dia, ir ao trabalho, mercado, viajar etc. Até então, não havia a menor necessidade de ter um.

Descobri a diferença que faz ter alguns minutos a mais para dormir antes de ir ao trabalho, chegar sem esforço e estar protegido em dias de chuva e frio.

Com o tempo, comecei a perceber que estava chegando estressado ao trabalho. Parei de notar detalhes do trajeto, fiquei agressivo e uma barriguinha começou a aparecer. Aquela mudança sutil da forma como me locomovia estava desencadeando efeitos colaterais na minha vida – mas acordar um pouco mais tarde era tão bom!

A história seguiu assim por mais alguns meses até vendermos nosso apartamento, minha mulher perder o emprego e, logo depois, ser chamada para trabalhar em outra cidade.

Apoiei sua ida mas tive que abrir mão dos meus minutos a mais de sono. Cedi o carro para a nova empreitada.

Como quem lembra da ex ao tomar um pé na bunda, resolvi me reconciliar com minha magrela, que me serviu tão bem por tanto tempo. Enchi os pneus, engraxei a corrente e estava pronta para uso.

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Instantaneamente, comecei a acordar 20 minutos mais cedo. Quando morávamos em nosso apartamento o trajeto total era em torno de 20km ida e volta, hoje, em um novo endereço, está em torno de 10km.

Em uma semana pedalando, percebi que meu humor mudou, chego mais leve ao trabalho, mais vívido, e com um pequeno sorriso no rosto. Deve ser por não ter pego aquele congestionamento às 8:00 da manhã ou por ter visto um casal de passarinhos se xavecando em cima de um poste. Descobri coisas novas na cidade, lugares que eu não imaginava que existiam e comecei a me alimentar melhor. E quando dava aquelas chuvas de final de dia no verão, era uma alegria. Sério. Pedalar me deixou menos preguiçoso, me deu mais ânimo, fez enxergar a cidade.

Por mim, o texto acabaria aqui, mas a impermanência agiu. Acordei, comi, me vesti e quando cheguei na garagem com a chave do cadeado na mão, cadê ela? Tinha desaparecido, não estava mais lá. Furtaram a bike!

Sem carro e sem bicicleta, como vou trabalhar?

Pois bem, comecei a acordar 40 minutos mais cedo em relação a quando acordava quando ia de carro. Ou seja, 15 minutos mais cedo do que quando ia de bicicleta. O motivo: comecei a ir a pé para o trabalho.

O trajeto de ida dá mais ou menos 30 a 40 minutos caminhando. No começo foi difícil, chegava cansado, suado, não estava acostumado a andar tanto assim.

No entanto, como quase tudo nesta vida tem um lado positivo, me acostumei com o trajeto. Percorrer meu caminho lentamente elevou ainda mais as possibilidades, comecei a conhecer não apenas os detalhes da arquitetura, mas também as pessoas que sempre estavam por ali.

The+Beatles+on+yer+bikes

Tudo é motivo para você conhecer alguém, descobrir uma história. Alguns dias atrás, em uma faixa de pedestres uma mãe começou a conversar comigo de como os carros não respeitam a faixa e, após atravessarmos a rua, fomos conversando até seu trabalho. Ela me falou de seu filho, seu marido do ambiente de trabalho, o que fazia. É incrível como certas pessoas têm facilidade para se abrir com estranhos.

Quando chove, vivo uma outra experiência que é andar de ônibus.

Pela manhã, vejo pessoas sonolentas indo ao trabalho, meninas indo para o colégio conversando entre si sobre o que aquele carinha tinha postado no Facebook, velhinhas aguardando em pé um lugar para se sentar.

Apesar do transporte público em minha cidade ser eficiente, prefiro caminhar. Sinto-me mais livre.

Um convite: que tal trocar de transporte por uma semana?

Gostaria de convidá-los a tentar deixar de lado durante uma semana seus meios de transporte tradicionais para ir ao trabalho.

Sabemos que caminhar e pedalar fazem bem à saúde, mas prefiro levar o convite em outra direção. Tentem perceber mudanças em seu comportamento, o brotar de um sorriso espontâneo enquanto caminha, aquele lugar que você nunca imaginou que existia, uma árvore que parece ter crescido da noite para o dia e, principalmente, a sensação de estar mais leve, relaxado.

Gostaria bastante de ouvir seus relatos por aqui. Acham que conseguem encarar o experimento de mudar de transporte por uma semana e ver o que acontece?


publicado em 17 de Outubro de 2013, 05:51
File

Daniel Scola

Trabalha com administração, mas não gosta muito. Tem uma pequena marca de roupas ecológicas MONTVERD. Surfista de alma e dos finais de semana, aprendiz de marcenaria e culinária, aspirante a shaper e ceramista.


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