Atirador da Noruega, Adolf Hitler e a banalização do mal

Como podemos pensar, ainda nos dias de hoje, no ressurgimento histórico de um movimentos de intolerância? O horror, chamado pela filósofa Hannah Arendt de “banalização do mal”, encontra-se, em nosso tempo, sob uma forma submergida de alteração de práticas de terror e violência.

Nossa memória persiste sob o signo da necessidade de fazer-se jamais esquecer, no imaginário coletivo, a experiência trágica a que grupos humanos foram submetidos.

Never forget

Como isso foi possível? Eis a questão que se coloca àqueles que buscaram e buscam ainda hoje compreender o fenômeno fascista na Alemanha do início do século XX. Ao final da guerra, ninguém jamais foi nazista. Aos fazendeiros, habitantes próximos de campos de concentração e extermínio, a pergunta sobre o cheiro da carne humana que exalava de fornos crematórios não obtinha nenhuma resposta afirmativa. De que maneira o pensamento coletivo se une sob a forma da intolerância? Quais mecanismos permitem e permeiam a formação de uma ideologia extrema?

A intolerância que culminou no nazismo

Durante o século XVI, o termo tolerância surge como uma busca de estabelecimento de padrões que possam estabilizar a convivência entre os grupos religiosos, e por conseqüência, surge seu correlativo: intolerância. Assim sendo, a ideia de reconhecimento da alteridade leva a uma posição ética que resiste à xenofobia, ao racismo, antissemitismo e outras possibilidades de intolerância em relação ao outro.

Sobre do Nazismo, advertia a mesma Hannah Arendt:

“Não há história mais difícil de narrar em toda História da humanidade. Dentro dela há apenas aflição e desespero”.

O chamado "mito da eleição", ou seja, aquele que determina a formação de uma chamada “pureza” e fornece a base da ideologia de “raça”, concretiza-se no Estado legítimo extremista, que encontra a necessidade de caracterizar os “não-iguais” e, assim, justificar sua própria existência.

Em 1938, Adolf Hitler foi escolhido homem do ano pela revista norte-americana TIME. Era o momento em que a estrutura do Partido Nacional-Socialista Alemão (Nationalsozialistishe Deutsche Arbeiterpartei), de abreviação Nazi, tomava proporções internacionais e as ambições totalitárias do Führer (condutor, líder, chefe) eram cada vez mais temidas e o início da guerra eminente.

Algum tempo antes, em 1923, após a organização da SA, primeiro destacamento militar do Partido Nazista, uma tentativa de golpe de Estado em Munique, comandado por Adolf Hitler e o general Erich Luderndorff acabou de maneira frustrada. A tentativa de obrigar o comando do exército a proclamar uma revolução nacional não funcionou e Hitler acabou preso e levado a julgamento.

A prisão, em vez de minar Adolf Hitler, foi o primeiro degrau de sua ascensão. Naquele momento, ninguém imaginava isso

O futuro Führer não se permitiu abalar, ao contrário, talvez esse momento tenha sido de vital importância para a difusão da imagem de Hitler na Alemanha, a propaganda daqueles que atentaram contra o governo acabou por ser extremamente vantajosa. Por outro lado, observaram que a chegada ao poder precisava ser feita por meios legais. Hitler fora condenado a cinco anos de prisão, tendo cumprido somente alguns meses. Nesse período se dedicou à produção de seu manifesto, Mein Kampf (Minha Luta).

Da história para os dias de hoje

Anders Behring Breivik. Nascido em 1979, na Noruega.

Oslo, capital do país, 22 de Julho de 2011. Primeiro Ato: 15h20min, uma forte explosão na zona de edifícios governamentais ocorre na área onde fica o gabinete do primeiro ministro da Noruega, Jens Stoltenberg. Cerca de 8 mortos. Segundo Ato: poucas horas depois, na Ilha de Uttoya, Breivik, armado, abriu fogo contra estudantes que faziam um acampamento organizado pela juventude do Partido Trabalhista Norueguês, partido este atualmente no poder. Cerca de 69 mortos. O julgamento de Anders Breivik teve início na última segunda-feira, 16 de Março.

Após ter as algemas retiradas na primeira sessão do julgamento, Breivik colocou a mão sobre o peito, fechou o punho e ergueu o braço. Começa assim uma série de relações que podemos estabelecer entre o fenômeno Nazista e a figura de Adolf Hitler e aquilo que podemos chamar de pretensões, conscientes ou não, de Anders Breivik. Segundo Martin Winkler, “A saudação romana”, o registro mais antigo acerca do gesto seria o identificado no “Juramento dos Horácios”, de Jacques – Louis David, datado de 1784.

Séculos mais tarde, o sinal foi adotado por diferentes grupos, nazistas, comunistas, puristas arianos, panteras negras, feminismo, grupos de defesa da liberdade civil e etc. Porém, o termo saudação romana foi atribuído aos fascistas durante a década de 1920. É notório, dessa forma, observar que o gesto é carregado de intensidade política e ideológica.

Link YouTube | Um gesto dos mais simples, carregado com todos os sentimentos do mundo. Os romanos inspiraram Hitler, que agora inspira o atirador da Noruega

Nas Olimpíadas de 1968, Tommie Smith e John Carlos foram suspensos pelo Comitê dos Estados Unidos da Amércia após protestarem com o gesto durante a cerimônia de entrega de medalhas. O gesto marcou os Panteras Negras, grupo que ficou famoso nos Estados Unidos e no mundo pela defesa dos direitos dos negros e contra a segregação racial. Para Breivik, a saudação com o punho cerrado significa “força, honra e desafio contra os tiranos marxistas da Europa”.

Mais relações entre Breivik e Hitler

O rapaz apresentou-se ao tribunal como escritor. Assim como Hitler na prisão, ele redigiu um manifesto com mais de 1.500 páginas, onde expõe detalhadamente sua visão de mundo e as justificativas que permeiam seu pensamento: Ultranacionalismo de extrema Direita, Contrário ao Multiculturalismo em que a Europa se encontra e contra o Islamismo, que por sua vez estaria cada vez mais invadindo o território europeu. Seus princípios: “Ideologia da Esperança” (força, honra, sacrifício e martírio).

Nos regimes totalitários, sobretudo no Nazismo alemão, encontramos o forte sentimento de grupo, que caracteriza a ideia de nação forte e superior, um projeto de base para a juventude, no sentido de moldar as gerações futuras e uma máquina ideológica da propaganda capaz de unir o grupo em torno do culto ao chefe. Fazendo uma leitura própria de John Stuart Mill (filósofo e economista inglês), Breivik citou:

“Uma pessoa com uma crença equivale à força de 100 mil que só têm interesses”.

É possível ainda observar a forma com que o extremista modificou o corte de cabelo, dos tempos em que mantinha uma página em uma globalizada rede social (no início do artigo) e a forma como se apresentou ao julgamento durante a semana, algo que sem dúvida se assemelha ao visual mantido pelo líder nazista no passado. Quais seriam suas intenções? Difícil conclusão. Breivik afirma, citando desta vez Winston Churchill: “Os fascistas do futuro dirão que não são fascistas”, e ele estava certo, diz o acusado: “It´s not fascism when we do it, é contra a submissão, o multiculturalismo e o Islã”.

Só faltou plagiar o bigode característico do ditador alemão. Mas aí ele seria chamado de hipster, não Hitler

Anders Breivik se diz parte de um grupo maior formado por células independentes, os “Cavaleiros Templários”, que estariam agindo em diferentes regiões da Europa entre reuniões e manifestos, segundo ele: “Sou uma célula autônoma e independente, e estou em contato com outras duas”. O número usado por ele, 2083, representaria o ano do fim de uma guerra civil onde a Europa triunfaria e seria feita a “Declaração de Independência Européia”.

Este argumento acabou por gerar algum desconforto, quando o acusado se disse ridicularizado no tribunal, fato ocorrido por acreditarem que possa tratar-se somente de um delírio ou estratégia do acusado no sentido de tentar afirmar a existência de um grupo e, por conseqüência, de um pensamento coletivo semelhante ao seu.

Segundo o Diário Liberal Holandês, “o julgamento do suposto assassino em massa, Anders Breivik, não deve se tornar uma plataforma para difundir suas ideias. Acima de tudo, a questão será se se Breivik pode usar o tribunal como palco político e de mídia. O culpado vai usar o julgamento para erodir ainda mais o sistema jurídico, não mais com armas, mas com palavras”.

Buscando evitar essa exposição, os depoimentos tomados de Breivik não foram abertos ao público. A discussão acerca do Estado de Direito e a forma como deve proceder a justiça norueguesa acabaram por tomar proporções grandiosas em todo o mundo. O Checo Liberal Diário afirmou que é “fundamental para um sistema legal civilizado que ao acusado deve ser concedido o direito de se defender”, e conclui afirmando que a “democracia deve ser forte o suficiente para lidar até mesmo com tais horrores de forma imparcial”.

Qual será o desfecho?

O veredicto é aguardado para julho e, caso seja responsabilizado, Breivik cumprirá 21 anos de prisão, podendo essa ser prolongada enquanto for considerado perigoso. Há ainda a possibilidade de um tratamento psiquiátrico sem tempo determinado.

Historicamente, não podemos imaginar que o tratamento deferido a Adolf Hitler, quando da ocasião de seu julgamento, possa servir como parâmetro para o episódio contemporâneo que envolve Anders Breivik. O antropólogo, também norueguês, Fredrik Barth, afirmou que “a etnicidade não é um conjunto intemporal, imutável de traços culturais (crenças, valores, símbolos, ritos, regras de conduta, llíngua, código de polidez, práticas de vestuário ou culinárias etc.), transmitidos da mesma forma de geração para geração na história do grupo, ela provoca ações e reações entre este grupo e os outros em uma organização social que não cessa de evoluir”.

A história do mundo anda em espiral e o passado nos faz analisar o futuro

*Tradução do pôster: "A Grécia está em colapso, iranianos estão ficando agressivos e Roma está toda em desordem. Bem vindos de volta a 430 A.C.

A permanência de ideologias de extrema direita está presente nas sociedades modernas assim como diversos modelos de pensamento que alimentam a singularidade e a coletividade humanas. A ideia de estranhamento caracteriza os grupos enquanto determinantes étnicos e, em momentos peculiares, revela facetas ignoradas ou mascaradas pela sociedade. A questão do ódio e, sobretudo, da violência, é real.

Hannah Arendt que iniciou o artigo, também o termina:

“O inferno não é mais uma crença religiosa nem um delírio da imaginação, porém, algo tão real quanto as casas, as pedras e as árvores que nos rodeiam”.

Portanto, que não nos seja estranho aquilo que nos é realidade.


publicado em 22 de Abril de 2012, 21:00
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Valdir Pimenta

Historiador, tem especialização em História Social e Ensino de História. Mestre em História Social com ênfase em Religiosidades, Judaísmo e Intolerância. Professor no Ensino Superior e na Rede Pública de Educação. Interesse nas Artes, literatura, poesia e \r\ncinema. Ainda escreverá um romance.


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