Como agir ao ser chamado de machista, racista, homofóbico – um guia para nós todos

O PapodeHomem viveu uma pequena crise por esses dias. Lá em 2010, alguém da equipe usou o nosso Twitter para retuitar um texto do site do Silvio Koerich, aquele site racista, misógino, nojento. Quando os donos do site foram justamente presos, algumas pessoas começaram a levantar a bola de que o PapodeHomem havia retuitado um texto deles e, portanto, apoiado um criminoso.

A princípio, a gente não deu muita importância. A Letícia veio me falar e eu confesso que não dei muita atenção. Tuitamos falando que era um texto de música, só por causa do título. Depois um membro da equipe disse que estávamos bêbados no QG, num churrasco, e que não iríamos responder. A coisa foi crescendo, tristemente.

Quem lê o PapodeHomem sabe que não temos nenhuma relação, amizade, diálogo, nem similaridade alguma com o site do Silvio Koerich. O tweet foi um evento isolado, sem contexto. Assumimos o erro, pedimos desculpa a todos e nos comprometemos a tentar melhorar.

Existem muitas lições a aprender nessa história; uma delas é como responder a críticas de forma construtiva. Assim que tomamos conhecimento da crise, nos mobilizamos. Anteontem de madrugada, Felipe, Rodolfo, Gitti e Guilherme se juntaram para soltar os primeiros tweets de diálogo. Ontem, o alerta foi emitido por Felipe – nosso diretor de negócios com faro atento – para o Guilherme, que está fora do Brasil e, por sua vez, ativou Gitti, Rodolfo e eu na sequência. Após papo intenso no Gtalk, soltamos novos tweets:

Enviamos e-mail para a equipe de conteúdo e para todos do QG, compartilhando o acontecido e o processo de diálogo em curso. Ninguém ficou de fora. Guilherme enviou e-mail direto para Letícia, Srta. Bia e Elisa, juntando-se ao papo Gitti e eu.

Recebemos mais respostas pelo Twitter e seguimos o alinhamento interno com a equipe madrugada adentro.

E aí, isso dá conta do recado?

Depende do ângulo. Empresas tradicionais enxergam crises como situações a serem encerradas tão logo quanto possível, com mínimo dano de imagem. Afinal, negócios são negócios.

Nós enxergamos crises como situações excelentes, com potencial de aprendizado sem tamanho. Portanto, quando surgem, jogamos fora nosso kit de primeiros socorros e chamamos logo o açougueiro pra aprofundar o corte. Quanto mais tripas surgirem, melhor. Jogamos a conversa na esfera pública, como estamos fazendo agora. O PdH surgiu pra isso.

Abrindo a ferida

Então, para nossa própria equipe, e para os leitores também, criamos um pequeno guia sobre como encarar críticas de racismo ou machismo. Foi adaptado do texto "How not to be a doofus when accused of racism (a guide for white people)", em português: "Como não ser um idiota quando acusado de racismo (um guia para pessoas brancas)".

Que fique claro: escrevemos esse texto basicamente para nós mesmos, time do PapodeHomem. Não escrevemos de cima para baixo, como um mestre que sabe tudo explicando o mundo aos discípulos burrinhos. Escrevemos como um homem falho, que fala e faz muita merda, e que deseja, desesperadamente, conseguir aplicar esses ensinamentos em sua própria vida.

Estamos todos no mesmo barco.

1. Não tente resolver logo e se sair bem

A pior motivação é agir com foco em ganhar, se sair bem, reduzir vexames, manter alguma imagem, jogar o problema para debaixo do tapete, tentar se livrar logo da confusão ou chegar em alguma conclusão. Não. Melhor se debruçar sobre o problema, olhar bem para a porra toda, ouvir, ouvir, ouvir, admitir a derrota e crescer. Em vez de tentar acabar logo com a discussão, podemos abrir mil outros diálogos. Não temos pressa em nos levantar e seguir. Queremos mesmo é nos levantar sabendo onde caímos e seguir numa direção ainda melhor. A confusão não tem fim, a transformação também não.

Nesse caso, por exemplo, além de falar no Twitter, abrimos um e-mail para todos os envolvidos e convidamos todas as mulheres para um almoço ou jantar aqui no QG, de modo que possamos ouvir suas andanças, entender mais como podemos deixar de reproduzir discursos machistas, aprender, crescer, trabalhar juntos e usar o PdH para mais esse movimento.

2. Respire fundo e não enlouqueça

Seja educado. Não fale a primeira coisa que lhe passar pela cabeça. Nem a décima. Observe sua raiva e indignação por não ter sido contemplado em sua inteireza, por estarem metralhando uma única palavra mal falada como se representasse 100% do seu ser. Essas primeiras respostas são provavelmente reflexos automáticos de autopreservação e vão tender a ser rudes e grosseiras. Não as deixem passar por sua auto-censura. Na dúvida, escolha o silêncio e a boa escuta.

Não fale nada que possa terminar uma relação. Não fale nada que não tenha volta. Respire fundo de novo. Se você está se sentindo atacado, espere. Escute mais um pouco antes de falar. Lembre-se: enquanto você está calado ouvindo e não falando, no mínimo você não está piorando a situação. Por mais que pareça, ninguém está tentando nos atacar. Estão todos tentando nos ajudar, mas sem saber como. Todos estão fazendo seu melhor, acredite. Se soubesse fazer outra coisa melhor, estariam fazendo.

Não leve a coisa ao extremo. Se alguém disse que você soou racista, ou que foi machista, isso não quer dizer que disseram que você é membro da KuKluxKlan, ou que você espanca mulheres indefesas ou vota no Bolsonaro etc.

Tirinha do grande André Dahmer (www.malvados.com.br)

3. Não exclua

Não cultive ainda mais separação, exclusão, distanciamento do outro. É uma reação comum: "Olhem só o perfil do cara, ele é um perdedor, deixe ele lá, ele não é da nossa panelinha".

Pelo contrário: reconheça qualidades no outro, aproxime-se, ombro a ombro. Pense na pessoa que está atacando como um futuro parceiro, amigo, colaborador, sócio até.

4. Valide tudo, leve a crítica a sério

Uma de suas primeiras reações será dizer ou pensar que isso é besteira: "Que bobagem, meu deus. Isso não tem importância! Como é que alguém pode se importar com isso?". Talvez você até pense que esses negros se fazem muito de vítima, que as mulheres veem machismo em todo lugar, que coisa chata!

Você só pode se dar ao luxo de achar que esses problemas são bobos porque não sofre na pele.

Então, se uma pessoa que de fato sofre esse problema na pele se dá ao trabalho de falar sobre o assunto com você.... escute!

5. Não se culpe, não tome como uma questão pessoal

Todos nós já fizemos comentários, tivemos pensamentos ou tomamos atitudes racistas (mesmo os negros) ou machistas (mesmo as mulheres). Vivemos todos imersos numa cultura machista e racista e ela fala através de nós, mesmo contra nossa a vontade. Se fizéssemos uma caça às bruxas, ninguém seria totalmente inocente. Só o que podemos fazer é estar vigilantes.

Então, mesmo que você tenha feito um comentário machista, ok. Não é o fim do mundo. Você não merece queimar no inferno por isso. Ninguém está falando de você: as questões são maiores. Peça desculpas e pronto.

Não cite a sua biografia ilibada, o seu amigo negro, o post feminista lindo que você fez. Nada disso importa. Pega até mal. Queria fazer um adesivo de parachoque assim: "Seu amigo negro não prova nada".

Pense assim: se alguém apontar que você está com um pedaço de espinafre no dente, o normal é simplesmente agradecer, tirar o espinafre do dente e pronto. Você não precisa se justificar dizendo que isso nunca aconteceu, que você sempre tem os dentes limpos, que todo mundo que anda com você sabe que isso não é comum etc. Tira a porra do espinafre e pronto.

6. Não aponte falhas

Pode ser que o outro cometa vários deslizes e falácias enquanto tenta encurralá-lo. Pode ser que não dê créditos, que interprete tudo errado, que não abra espaço algum de redenção, que tente arrumar briga mesmo quando você já entregou os pontos, que seja maldoso e vingativo de mil modos. Ainda assim, não aponte nenhuma falha, não critique, não levante o dedo: "Ah, você me critica, mas também é preconceituosa ao dizer que...". Isso só aumenta o ciclo de ataques.

Compreenda que o outro apenas adicionou uma camada de maldade desnecessária na tentativa genuína de apontar um erro seu. Depois, quando houver comunicação, abertura, disposição, você pode ajudar o outro à vontade, apontar deslizes, encorajá-lo a dialogar de modo mais amplo e potente, sem tantas falácias e aflições.

Mas agora o momento é de completa aceitação. Conceda a vitória totalmente, desista de se opor, sem nenhuma ressalva. Ignore todos os erros do outro e se relacione apenas com a riqueza que ele oferecer. Eleve o outro, dê créditos, ouça, mesmo que ele não seja perfeito.

E não espere nem exija que ele faça o mesmo – não nesse ponto da relação.

O Kramer sabia lidar com críticas, mas o Michael Richards teve bastante dificuldade

7. Não se explique (assuma o erro sem "mas" algum)

Você é o dono do seu erro. Não passe ele adiante. Não abrace o erro mais ou menos. Não compartilhe o erro com outra pessoa que "também errou". Tenha a dignidade que dizer "Errei" sem um "mas" depois. Não diga "Errei, mas sou bonzinho, veja meus acertos passados" ou "Errei, mas foi sem querer, foi a primeira vez". Diga: "Errei". Não diga "Desculpe-me, mas você sabe que sou gente boa": diga "Desculpe-me". Não diga "Prometo mudar, mas vocês sabem que é difícil": diga "Prometo mudar".

Erramos. Ponto.

Tome cuidado com a palavra "mas" e afins: "entretanto", "contudo", "porém"... Tais palavras, ao sairem da sua boca, já deveriam acionar mil alarmes. Se você fez merda, sabe disso e está pedindo desculpas, seu discurso não pode conter nenhuma dessas palavras. Cada uma delas só faz minar a sua mensagem, aprofundar a confusão.

Todos os instintos do seu corpo te levam a querer se explicar, se justificar. Puxa, você sabe que você é gente boa! Se apenas conseguisse mostrar isso pra eles, eles veriam que isso foi tudo uma grande bobagem, um enorme mal entendido. Resista com todas as forças. Sério. É mico. É feio. Não dá certo. Mina todos os seus outros esforços. Parece que você não admitiu realmente o erro. Parece que você está torcendo pra, depois de tudo, alguém dizer: "Puxa, é verdade, então nem foi erro!".

Explicar sem se justificar é quase impossível. Não tente.

8. Peça desculpas

Palavras têm poder. Não adianta admitir o erro e parar por aí, como se as desculpas fossem automáticas ou subentendidas.

Pelo contrário, se você não articula explicitamente o seu pedido de desculpas logo depois de assumir o erro, pode piorar ainda mais as coisas. Fica parecendo que você está admitindo o erro ao mesmo tempo em que bate no peito: "Errei. Errei e ponto. É isso aí. Sou assim mesmo. Esse é o meu jeito. Eu cometo erros. E aí? Por quê? Vai encarar?".

Então, diga assim: "Errei. E peço desculpas."

9. Entenda a reclamação

Estratégia comum: quando somos criticados, além de não dar importância à crítica, pedimos desculpas por algo não relacionado, com o intuito de cortar a conversa.

Por exemplo, você conta uma piada racista, é acusado e responde: "Ok. Assumo o erro. Peço desculpas. Não vou mais... contar piadas!".

Ora, o problema não é contar piadas. Contar piadas é lindo. Contar piadas todo mundo conta. O problema foi aquela piada específica e o raciocínio por atrás. Se a pessoa rapidamente assume o erro, pede desculpas mas não entendeu qual foi a crítica, isso não quer dizer nada. É pior a emenda que o soneto. Claramente é uma daquelas pessoas que pede desculpas por qualquer coisa pra fugir da discussão.

Faça o seu melhor esforço pra entender qual foi a reclamação. Para garantir que entendeu e para demonstrar sua disposição para o diálogo, repita de volta para o seu interlocutor. E, no final, pergunte: "Então, é essa a questão? É esse o problema?". Quando o outro concordar, beleza. Você entendeu. Você sabe qual foi seu erro e, só agora, pode tomar o próximo passo.

10. Se prometer mudar, mude

Auto explicativa. Lembre-se do que dizia Napoleão: a melhor maneira de manter sua palavra é não dá-la. Então, não prometa o que não pretende cumprir.

11. Peça ajuda

Exponha seus obstáculos, sem maquiagem ou vergonha. E peça ajuda a todos, de coração.

Muitas vezes o outro está só esperando você chegar com o peito aberto, com disposição para mudar, para lhe encher de ideias e possibilidades de transformação.

...

* Escrito em parceria com Gustavo Gitti e Guilherme Valadares, após longas conversas notívagas envolvendo Rodolfo Viana, Felipe Ramos e demais membros do time.

Reiteramos que esse texto não foi escrito para quem nos criticou, não é uma explicação ou justificativa; foi escrito como parte do nosso treinamento interno, para que aprendamos a crescer com críticas. Ficaremos felizes se algo daqui servir aos leitores e leitoras PdH, por isso publicamos na capa.


publicado em 24 de Março de 2012, 21:58
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Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha vídeo-biografia, me siga no facebook, assine minha newsletter.


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