O que é melhor: comprar ou alugar?

Dos dilemas da vida adulta moderna, talvez o maior.

"Meu tio não gostava de balbúrdia. Casou-se com a namorada da escola, teve um filho e uma filha, foi fiel à esposa, à marca de desodorante, ao nó da gravata, à sopa no jantar e, claro, aos sapatos. Descobriu-os numa viagem à Franca, a trabalho, em 1952.
Muitos anos atrás, num Natal, contou-me que bastou calçá-los para saber que 'aquela questão, pelo menos, estava resolvida'. Lembro que achei graça em sua postura, como se a vida consistisse numa série de questões a serem resolvidas, uma lista na qual fôssemos ticando as colunas. Casamento: risca. Carreira: risca. Filhos: risca. Sapatos: risca."
Antonio Prata

Li o trecho acima há um bom tempo, e também achei curioso o jeito com que o Estevão, tio do cronista Antonio Prata, encarou a vida. Um extenso checklist. Itens cuidadosamente escolhidos para que ele pudesse, já velho, partir tranquilo.

Era um senhor metódico e organizado. Escolheu, aos 24, o modelo de sapato que o acompanharia até o final da vida. Não mudou de ideia até o dia derradeiro. Os tempos, porém, são outros. Os sapatos duram menos, bem como a maioria das nossas convicções. Mudamos mais. Não é mais deselegante pular de emprego em emprego.

Se a gente quer escrever, criamos um blog. Se a gente quer mostrar nossas habilidades ao mundo, criamos um canal no YouTube. Se a gente quer casar com homem, a gente casa com homem. Se a gente quer casar com mulher, a gente casa com mulher. Pode trabalhar de bermuda. Pode não querer ter filho. Pode não gostar de copa do mundo. Pode tudo.

Só não pode morar de aluguel.

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Se tem dinheiro, por que não compra um imóvel?

Se anda bem vestido e tem um bom emprego, por que não compra um imóvel?

Se vai casar, por que não compra um imóvel?

Se respira, por que não compra um imóvel?

Possuir um imóvel próprio é o crivo que separa quem já se estabeleceu e quem ainda está pelejando pela vida.

Mais do que o grande objeto de desejo do brasileiro, a casa própria funciona como uma grande armadura feita de tijolos, cimento e bom gosto, que nos blinda de um sentimento de pobreza, incompletude e fracasso.

Afinal, qual dos dois vale a pena?

Se essa fosse uma questão financeira, a discussão seria mais curta. Por mais que os cenários possíveis sejam diversos, não é difícil provar que, por conta dos juros, na maioria dos casos o aluguel é uma opção mais interessante.

Há quase três anos propus uma roda de papo que reunia basicamente casais na iminência do casamento, quase todos em dúvida sobre entrar num financiamento ou alugar um teto para ser feliz.

No começo do papo, perguntei quem estava propenso a compra. Praticamente todos levantaram a mão. Passamos uma manhã simulando cenários, fazendo cálculos, reproduzindo as propostas que eles haviam recebido, e a grande maioria dos cálculos apontava que o aluguel era vantajoso. No fim do papo, perguntei quem, após tanta matemática, ainda permanecia propenso à compra. Praticamente todos levantaram a mão.

A decisão de comprar um imóvel é estritamente emocional. É um fato tão presente, tão incrustado, que atropela qualquer linha de raciocínio e dá risada do mundinho numérico e racional desenhado pelas planilhas e simuladores.

Não há problema em nenhuma das opções

O tema é polêmico porque não aceita resposta absoluta. Se considerarmos apenas a perspectiva financeira, o “vale a pena comprar ou alugar?” vai resultar em um “depende” bem sonoro, escrito em letras garrafais.

São muitos os cenários possíveis. Depende do quanto possuímos para dar de entrada, da parcela que podemos assumir (ela não pode ultrapassar 30% da renda familiar comprovada) e do prazo do financiamento. Depende também de uma série de questões sobre as quais não temos o mínimo controle: por quanto tempo teremos essa renda assegurada? Por quanto tempo fará sentido morar neste local?

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Comprar um imóvel não é necessariamente rasgar dinheiro sob a forma de juros, uma vez que, por mais que analistas e economistas especulem a tal da bolha, a verdade é que ainda caminhamos numa toada de valorização — mais lenta, é verdade, porém ainda presente.

Alugar um imóvel não é necessariamente jogar dinheiro no ralo, já que não, o valor do aluguel não vai ser igual ao valor de uma parcela, e o aluguel conta, sim, com uma série de benefícios (flexibilidade de mudança em tempos de mercado de trabalho aquecido, por exemplo).

Inseridos numa cultura de extremos, que julga por critérios rasos, o grande problema dessa discussão não é sonharmos com a casa própria, é acharmos que esse é a única possibilidade de uma vida feliz e financeiramente bem sucedida.

De onde vem o desejo?

A gente vai se escorando em argumentos que vão dos mais funcionais e frágeis (“quero ter uma casa própria para poder deixá-la do meu jeito”), até os mais sinceros e viscerais (“tenho medo de morrer na sarjeta”).

Perdidos no meio do caos, a casa própria nos remete ao útero. É como se precisássemos de uma certeza de que, se tudo der errado, teremos um lugar para ficar. Nessa posição desamparada, é fácil antever que nos agarraríamos à primeira promessa de segurança que surgisse.

Além desse ponto, mais primordial, a casa própria é algo extremamente desejável porque ela reúne as características que todo bom objeto de desejo (ou jogo de videogame) precisa ter:

  • é desafiador, exige tempo e estratégia, nos mantém ocupados;
  • é realizável, somos lembrados disso a todo momento, em todos os outdoors que mostram atores sorridentes segurando molhos de chaves;
  • é recompensador, a casa será nossa e, quando morrermos, ficará para alguém querido (ou não).

O caos vai operar

Muito da opção pela compra vem de não conseguirmos encontrar essa segurança de outra forma. Enquanto investimento e provedor de segurança, o imóvel peca por conta da liquidez. Manipular um imóvel é algo complexo, estamos sempre dependendo da disponibilidade do mercado.

Se a vida dá uma guinada (ou uma porrada), se surge uma oportunidade, se a gente muda de ideia, enfim, se algo ocorre, ter nosso patrimônio inteiro imobilizado limita nossas possibilidades.

A gente sempre deseja que as coisas continuem no prumo, que sigam de maneira natural, que tudo dê certo, mas, sejamos francos e realistas, o caos vai operar. E tudo bem.

Daqui a cinco anos é muitíssimo provável que você não esteja onde imaginou que estaria. Daqui a 10, então, nem se fala. Mais prudente e sábio então questionar cada desejo, encarar cada escolha como escolha — e não como pressuposto.

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Existem diversas formas de construir uma vida financeira tranquila e próspera, que apoie todo o resto. Diversas modalidades de investimento. Ter uma casa não é a única maneira de garantir que o fim da vida não seja na sarjeta.

Só que dá medo. E com ele surgem duas opções: ou a gente fica assustado e opta por seguir cegamente uma estratégia já traçada, ou dá atenção e um pouco de foco para essas questões, ao que estamos construindo, ao percurso e às opções que temos para que a caminhada ganhe potência.

Mais do que refúgio, o dinheiro — mais livre, mais líquido — é um provedor de oportunidades, um corrimão, que pode permitir que a gente estruture nossa vida de modo que, enfim, ser ou não ser o dono do teto sob o qual dormimos não seja uma questão tão crucial.


publicado em 10 de Julho de 2014, 07:21
Eduardoamuri

Eduardo Amuri

Autor do livro Dinheiro Sem Medo. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças, cuida também da gestão dO lugar.


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