Do desemprego ao topo do vulcão | Na Estrada #2

Quatro anos se passaram e a faculdade terminou. Grandes amigos e bons momentos fizeram parte dessa caminhada, mas em geral a maioria das pessoas entram em um curso superior com um objetivo: sair dali com um emprego.

Sem muitos desvios digo-lhes que minhas perspectivas são melhores do que já foram, mas a realidade era um tanto incerta no momento que concluí a graduação. As possibilidades eram muitas. A minha realidade era de me dedicar à iniciativa privada ou então encarar os livros e partir para um mestrado. Minha decisão? Viajar um mês para Patagônia.

Há um ano, quatro amigos e eu estávamos zarpando para gélida terra de nossos hermanos argentinos, de "férias" ou como – um de meus amigos dizia – "desempregados na Patagônia". A primeira cidade a nos receber foi Ushuaia, a cidade mais austral do mundo.

A viagem me deu a oportunidade de conhecer pessoas do mundo inteiro que estavam passeando ou a trabalho e a partir disso começava a ver diversas realidades muito diferentes da minha. Tudo era novo. A comida, clima até mesmo o cheiro dos lugares. As coisas aconteciam numa velocidade incrível, os dias voavam e Ushuaia já ficava pra trás. Estávamos chegando em El Calafate no coração da Patagônia, cidadezinha pequena mas aconchegante.

Foi em Calafate que conheci Fede um argentino, pessoa boníssima e de espírito livre, nascido em Buenos Aires. Artista de rua, faz shows de malabares pelas cidades que passa e em cada novo lugar que chega arruma um novo emprego, geralmente em albergues e continua se apresentando, junta dinheiro e parte para outro lugar.

Fede já havia conhecido diversos países da América do Sul quando o encontrei e, no momento em que escrevo, Fede está em alguma cidade praiana da Ásia. Durante uma noite, em um bar típico de El Calafate, Zapata, conversando com Fede perguntei se por causa de seu estilo de vida ele não sentia saudades de casa, de seus pais ou de um emprego fixo. Ele me responde o seguinte:

"Sinto falta de minha família, até mesmo de ter uma namorada, já o emprego na minha vida sempre foi uma consequência, mas apesar disso a vida que eu levo é minha. Ficar em dúvida ou mesmo deixar de viver viajando seria renunciar minha vida, abrir mão de algo muito importante para mim. Viver assim é um sonho, conheço pessoas de todo o mundo, cada mês ou semana estou em um lugar diferente, mas o mais importante é poder viver do jeito que quero e em paz comigo."

Parti de Calafate na manhã seguinte e segui para El Chaltén. As coisas começavam a clarear na minha cabeça. Chaltén é um povoado bem pequeno, menor cidade até então visitada. No inverno de agosto a cidade ainda estava vazia devido às recentes nevascas e bloqueios de estradas. Conseguimos chegar graças a uma janela de bom tempo. As ideias começaram a ficar mais organizadas e também conseguia ruminar os fatos mais recentes, buscava entender e encaixar cada coisa que era aprendida no dia-a-dia.

A viagem caminhava para o trecho final e a última cidade, praticamente fora dos limites da Patagônia, é Pucón no Chile. Decido aprender um pouco mais nesse fim de jornada e me proponho a escalar o vulcão Villarica de quase 3 mil metros de altura. Ainda ativo.

A subida começa as 08:00 da manhã sem que o dia clareasse. Nosso grupo é composto por nove pessoas: dois guias chilenos, eu e mais dois de meus amigos, um outro brasileiro, uma russa, uma grega e uma canadense. O início da subida é relativamente tranquilo e o grupo está todo junto num mesmo ritmo buscando um mesmo objetivo e segue desta forma até a segunda hora e meia de caminhada.

Às 10:30 da manhã, três integrantes do nosso grupo ficam pra trás e assim um dos guias se responsabiliza por essas pessoas. A subida começa a ficar mais íngreme e a cada parada para descanso a mordida no chocolate e o gole d'água já se tornam extremamente necessários. Quando olho no relógio já estamos andando há cinco horas e meia.

O grupo nesse momento já estava dividido em dois há algum tempo e somente um de meus amigos, a russa, a canadense e nosso guia continuavam comigo buscando o cume – seleção natural. O vulcão dita as regras e não são todos que passam, cada um tem seu limite.

Segundo o guia, faltam aproximadamente duas horas para chegarmos ao topo. Os pés seguem no automático. Os cinco integrantes andam na mesma passada, se comportando como um só corpo. Pela cabeça passa um turbilhão de pensamentos: família que não vejo há quase um mês, assimilação dos novos aprendizados, certezas ficando pra trás a cada passo e o objetivo de chegar aos 2.843 metros de altitude do Villarica cada vez mais perto.

Nosso Guia Juán grita e dá o último aviso: “Cinco minutos, chicos”. Foram os passos mais duros de uma caminhada que eu já havia feito em minha vida. Chegamos, cravamos os pés no cume do vulcão depois de sete horas e meia andando ininterruptamente.

O objetivo fora cumprido, superei meus limites. Percebi que chegar ao topo não era meu principal objetivo. A caminhada me mostrou e apurou alguns de meus valores, me ensinou várias lições que mudaram meu jeito de ver muitas coisas na vida. Percebi que não precisava do emprego dos sonhos e voltei a algo que sempre acreditei: fazer o que gosto. Era o que Fede defendia e por isso vivia daquela forma. Era o que muitas das pessoas que encontrei pela minha viagem estavam fazendo enquanto viajavam ou trabalhavam.

A melhor sensação de ter chegado ao cume foi olhar para trás, dar um belo sorriso para o caminho percorrido e poder voltar realizado e com novas visões sobre várias perspectivas.

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Até breve!


publicado em 21 de Setembro de 2012, 15:11
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Vinicius Orsini

Biólogo por profissão, amante da natureza e nas horas vagas fotografa por diversão. Pode ser encontrado no Facebook.


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