Do que vive o futebol?

Se tivesse de escolher, você pagaria seu ingresso para ir a um estádio ver seu time dar show, mas não ganhar, ou jogar feio e levar o caneco?

A guerra histórica de quatro batalhas entre Real Madrid e Barcelona, iniciada em há duas semanas e que acaba na próxima semana, traz mais do que um caneco e uma vaga na final da competição mais importante da Europa. O embate épico marca também o confronto de dois estilos completamente opostos: o sonho encantado dos catalães contra o sonho endinheirado dos madrilenhos.

Dois mundos completamente diferentes, tão opostos quanto a rivalidade entre Catalunha e a Espanha. Dois times que são talhados à imagem de seus principais símbolos. De um lado o talento surpreendente e imprevisível de Lionel Messi. Do outro, todo o jogo estudado, calculado e pragmático de José Mourinho.

A disputa que já teve um empate e uma vitória para cada lado pode acabar na próxima semana. Mas tudo que ela representa, uma espécie de luta do bem contra o mal para muitos, ainda vai ter muitos outros capítulos. Na Europa, no Brasil, em Copa do Mundo ou, se duvidarmos, até na pelada na escola.

A época de ouro do espetáculo

Holanda x Argentina na Copa de 1974

Grande parte do que é hoje esse confronto de ideologia nasce, na verdade, do saudosismo dos formadores de opinião. No geral, uma série de senhores que cresceram vendo Pelé jogar, com 230 mil pessoas no Maracanã e as crônicas deliciosamente engrandecedoras de Nelson Rodrigues, Mário Filho e Armando Nogueira.

A época dourada das crônicas esportivas é também o período mais doce e lúdico do futebol, no qual a inocência encontrava a fantasia para bailes cheios de gols, suor, lágrimas e muitas histórias.

Um tempo em que as formações táticas acabavam de deixar o WM para trás (com dois zagueiros, três meias ofensivos e cinco atacantes) e começavam a ver o histórico Carrossel Holandês encantar o mundo. Algo bem distante do 3-6-1 tão comum atualmente, com até sete jogadores com características primordialmente defensivas.

Times que não voltam mais e foram responsáveis por tornar o futebol o que ele é hoje, o esporte mais popular do mundo. Desta época resistiram ao tempo os times mais fantásticos, independente dos seus feitos em campo. Curiosamente, apenas o Brasil de 58 e 70 conquistou a Copa e o mundo jogando o fino. Mas para o “hall da fama” do futebol-espetáculo entraram outros grandes escretes do período.

O primeiro talvez tenha sido a Hungria de Puskas. O time que assombrou todo o mundo com gols, muitos gols. Precisamente, 31 gols em 5 jogos. Inclusive um 8 a 3 na Alemanha Ocidental na fase de classificação. O time acabou vice-campeão, perdendo por 3 a 2 para a própria Alemanha, depois de fazer os primeiros dois gols do jogo no conhecido “milagre de Berna”.

Após o furacão brasileiro, tricampeão do mundo, foi a vez da Laranja Mecânica assumir o posto de “time espetacular mais injustiçado da história”, que também deixou o caneco escapar em uma final para a Alemanha. Mas se poucos lembram quem foi o time campeão da Copa de 74, todo o mundo sabe muito bem o que representou o esquema tático “giratório” inventado por Rinus Michels e comandado por Cruijff.

Times que, vencendo ou perdendo, entraram para a história por sua capacidade de conquistar corações e arrancar sorrisos.

O fim de uma era

Exatamente oito anos depois de a Laranja Mecânica ser quebrada na Final da Copa aconteceu o momento mais marcante e talvez final da idolatria unânime do futebol-poesia.

Em 1982 o futebol brasileiro e mundial sofreu com a Tragédia de Sarriá, em que a Seleção Brasileira de Zico, Falcão, Sócrates e Telê Santana sucumbiu ao futebol pragmático e eficiente de Paolo Rossi e Dino Zoff e a sempre tradicional Itália.

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A partida dá calafrios em todo e qualquer homem com mais de 35 anos e representa um verdadeiro câncer na história do nosso futebol. Depois de 82, aos olhos de quem viveu a época, nenhum outro time teve o mesmo encanto e toda uma era teve fim.

O time, como todas as histórias já contaram, perdeu jogando bonito. Mas a dor da derrota, por mais que alguns digam que talvez nunca tenha havido uma seleção como aquela, ficou marcada e iniciou um período em que vencer era questão de honra.

A partir de então, vimos surgir times reconhecidamente medíocres tecnicamente, mas vencedores. Ainda mais quando a segunda tentativa, em 86, corroborou com a decepção. A vitória da Itália está intimamente ligada ao futebol praticado pelo Brasil em 94. Pobre, calculista, chato e campeão. Uma filosofia para saciar nossa sede por conquistas e recolocar o país no mapa como um time vencedor e não apenas o celeiro de grandes craques.

A década de 90 foi marcante na ascenção de times como o Real Madrid de Mourinho. Equipes cheias de craques, em que o talento estava sempre à serviço do tático.

A profissionalização do esporte

José Mourinho

O sucesso destes times aconteceram justamente na época em que o esporte ganhou contornos de negócio. A evolução da mídia começou a colocar os resultados da audiência em igual valor aos resultados no campo.

Como vencer dá audiência, audiência dá dinheiro e dinheiro é bom para todo mundo, negócio fechado.

Assim, criar times vencedores é a melhor estratégia de marketing para fechar o ano com as contas no azul. Aos montes vimos surgir equipes talhadas para não perder e anular o talento. Com sorte (na verdade uma dose enorme de treinamentos e eficiência), marcar um golzinho e levar vitórias e mais vitórias para casa.

Mourinho é “apenas” o expoente de uma tendência evidente. Melhor, é a melhor e mais bem sucedida representação dessa filosofia, em que vencer está acima de qualquer encanto.

O técnico, que se considera o “Special One”, conseguiu vencer campeonatos por onde passou. Levou o modesto Porto ao título da Europa e do Mundo. Seu sucesso foi comprado pelos bilhões de Libras do Chelsea. Na sequência, fez a Inter de Milão derrotar o mesmo fantástico Barcelona em 2010 e conquistar a Liga dos Campeões.

Uma receita utilizada a exaustão e que só foi rompida está semana por um coice do intempestivo zagueiro e volante luso-brasileiro Pepe.

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O uso de uma fórmula para vencer é exatamente o que faz uma parte da torcida sãopaulina amar Muricy Ramalho e a outra não querer vê-lo nem pintado de ouro. O técnico brasileiro foi tricampeão brasileiro pelo Tricolor Paulista fazendo o time jogar extamente da mesma forma. Entediante ou não, vencedora. Um estilo de jogo em que o talento ficou escanteado, tanto que foi regularmente eliminado nos mata-matas, estilo de campeonato em que o imprevisível (como o coice de Pepe) está sempre mais sujeito a dar as caras de maneira decisiva.

Se a necessidade de ganhar títulos e produzir ídolos é fundamental para o negócio não há dúvidas. Resta prestar atenção aos próximos capítulos torcendo para que, assim como o Barcelona mostrou ser possível há dois anos, o espetáculo possa trazer, também, bons resultados.

Mas se mais uma vez o futebol pragmático perdurar, só nos resta voltar para a pergunta do início: se você tivesse de escolher, pagaria seu ingresso para ir a um estádio ver seu time dar show e não ganhar, ou jogar feio e levar o caneco?

O asterisco

Vale a ressalva: para toda a regra existe uma exceção. Nesta caso, a exceção serve tanto para o futebol-arte quanto o futebol-resultado e atende pelo nome de Corinthians. Afinal, para o “bando de loucos” parece não importar que o time jogue bonito ou ganhe títulos. Para o corintiano, o importante é sofrer.

Sobre esse tema tão polêmico deixo o texto do comparsa Rodolfo Borges, que traçou tão bem o perfil do torcedor doente do Timão.


publicado em 01 de Maio de 2011, 08:57
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Rodrigo Ferreira

Rodrigo Ferreira (@rferreira_) é jornalista ou publicitário, depende da ocasião. Criador e editor do OsGeraldinos.com.br. Adora escrever sobre esportes e não foge de um bom papo com cerveja gelada na mesa.


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