Doping: a suja verdade do esporte profissional

Para falar sobre esporte profissional, devemos sempre contextualizar tudo o que esse mercado milionário representa para quem vive dele.

Um competidor olímpico precisa de dinheiro para se sustentar por pelo menos quatro anos. O tempo entre dois eventos. Nessa conta, vamos colocar todos os gastos pessoais, treinadores e dietas de ponta. Adicione também viagens para eventos nacionais e internacionais, etapas classificatórias para esses eventos, hospedagem do atleta e da equipe apoiadora, que dependendo do esporte representam várias pessoas.

Atleta também paga conta. Atleta também leva os filhos ao cinema

O atleta é como um grande outdoor: quanto melhores os seus resultados e conquistas, mais marcas querem aparecer estampadas no seu uniforme e mais empresas usarão sua imagem como propaganda. Alguns atletas mantêm contratos com clubes, o que facilita em alguns pontos, mas por outro lado, são apenas funcionários que se os números não forem bons o emprego estará comprometido. Dentro de uma espiral viciosa onde, quanto melhor o competidor maior o fardo a ser carregado.

Custe o que custar

Em um mundo com tanta pressão, não é surpresa que todos farão de tudo para ser o melhor. Ganhar mais medalhas, aumentar sua exposição, garantir o sustento da família e recursos para manter o trabalho por mais quatro anos. Quando digo tudo, incluo um segredo: as substâncias banidas pela comissão atlética. Rebeca Gusmão que o diga.

Rebeca Gusmão é um exemplo clássico de punição pelo uso de doping e pela falta de informação do público. A nadadora foi punida com a inelegibilidade perpétua. Banida para sempre do esporte. Os brasileiros não sentiram a mínima compaixão pela representante nacional que, dias antes, gritavam o nome dela ao ver conquistar a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos.  Para todo mundo o veredito era único, ela tinha trapaceado.

Ben Johnson é um dos casos mais famosos de punição por doping que se tem notícia. Correndo os 100m rasos pelo Canadá nas olimpíadas de Seul, em 1988, Johnson teve a medalha de ouro suspensa pelo uso de Estanozolol, uma substância conhecida por aumentar os músculos com um mínimo acréscimo de gordura. Sua medalha de ouro foi transferida para o atleta americano que estava em segundo lugar, Carl Lewis.

O responsável pelo controle de drogas do Comitê Olímpico americano entregou à revista Sports Illustrated, em 2003, documentos com o nome de 100 atletas americanos que foram encobertos pelo órgão ao falhar no antidoping, entre eles, o agora medalhista de ouro olímpico, Carl Lewis.

Todos os atletas que caíram no teste vão dizer a mesma coisa: todo mundo usa.

Mas se todos usam, e o antidoping?

Os números são assustadores. A diferença entre os recordes num intervalo de 30 anos é gritante. Atletas, antes esguios, agora exibem grandes músculos. As marcas que antes eram recordes mundiais, hoje não representam números de atletas amadores.

O alemão (à frente) Armin Hary foi o primeiro a correr os 100m em 10 segundos, em 1960. Mas ram outros tempos

O teste normalmente é feito logo após a exibição.  Ao término da competição, o atleta segue imediatamente para uma sala onde fornece material para o exame.  Dessa forma, é fácil descobrir se o competidor participou do evento sob o efeito de drogas.

Entretanto, no mesmo passo que as agências avançam em técnicas para identificação do uso, novas drogas ainda não detectáveis são desenvolvidas, formas de controlar a administração para que a droga não seja detectada são aplicadas eficientemente.

Então, porque pessoas caem no antidoping?

Quando uma substância é administrada, o médico responsável sabe exatamente o tempo que a droga ficará presente no organismo.  A maior parte das substâncias são detectáveis por um ano, o que garante pelo menos três anos de treino dopado.  Normalmente o erro no cálculo da meia vida de uma droga são responsáveis por atletas pegos no exame.  Também existem testes fora de temporada feitos por amostragem ou em casos de denúncia.

Então todo mundo trapaceia?

Existem inúmeras formas de conseguir resultados parecidos, algumas legais, outras ilegais.

Para aumentar o desempenho em esportes que exigem um maior esforço cardiorrespiratório, como o ciclismo, a substância mais popular é a EPO (Eritropoietina), responsável pelo aumento de células vermelhas no sangue. Você pode adquirir esse mesmo resultado treinando muito mais, vivendo e treinando em regiões bastante elevadas, ou dormindo em uma câmara hiperbárica.

Câmaras Hiperbáricas produzem um grande resultado apenas por dormir nelas. Michael Phelps está usando uma no seu preparo para os jogos olímpicos de 2012,  Floyd Landis, o vencedor do Tour de France, admitiu dormir 8 horas por dia na câmara construída no quintal de sua casa e afirmou nunca ter usado nenhuma droga para vencer a competição.

Enquanto eu pesquisava para este artigo, descobri que ele foi flagrado no antidoping pelo uso de testosterona. Floyd foi preso por contratar um hacker para modificar os resultados dos exames nos computadores do laboratório. O título de vencedor da volta da França ficou com o espanhol Óscar Pereiro.

Mas o uso de drogas para melhorar o desempenho não é uma característica dos esportes em que o físico é um diferencial. Esportes como xadrez e o pôquer também possuem seus segredos. Em uma pesquisa feita com 198 jogadores de pôquer nos Estados Unidos, entre pessoas que jogam presencialmente e online: 73% fazem uso de alguma substância para aumentar a concentração, 11% para manter a calma, 11% para ficar acordado, e 2% para melhorar sua memória.

"Poderes especiais" sendo usados até no xadrez

Na maior competição mundial de jogos eletrônicos, a World Cyber Games, também existem casos de competidores que usam anfetamina horas antes da competição para melhorar seus reflexos.

A realidade é suja

Todos têm seu lado obscuro, aquilo que fizemos e não queremos que ninguém descubra. Toda profissão existe aquela verdade velada, que todos sabem, mas ninguém comenta. Acontece o mesmo com as nossas vidas.

Todo cenário se torna mais obscuro com a falta de estatísticas, uma vez que ninguém quer falar sobre o assunto. Em uma pesquisa de 1984, 61% dos atletas confirmaram que haviam utilizado esteroides anabolizantes nos últimos seis meses (infelizmente não consegui encontrar números atuais sobre o assunto).

Alistair Overeem disputará o cinturão do UFC em maio contra Junior Cigano. Afirma nunca ter usado anabolisantes e diz que seu desenvolvimento acelerado é fruto do consumo de carne de cavalo.

O que podemos enxergar com tudo isso é uma grande hipocrisia. Os órgãos que regulamentam os esportes dando seu jeito de esconder a verdade, atletas buscando formas de burlar o controle, e o público que não sabe como as coisas funcionam e acusam os flagrados como trapaceiros. Mas a suja realidade é que esporte de elite não existe sem o doping.

Não tenho dúvidas que existam atletas limpos, os que já usaram e não usam mais e atletas que usam frequentemente. Tudo depende muito do esporte, do percentual de vantagem entre força e técnica que a atividade exige. Usar doping faz um atleta desonesto? Não podemos afirmar sem saber quantos usam.

Em toda profissão existe um recurso para melhorar o rendimento, ou você acha que a máquina de café no escritório tem um papel diferente?

 


publicado em 04 de Abril de 2012, 21:12
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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