Elementar, meu caro

O hábito de assistir a séries de TV pode ser bem cruel, ao te fazer esperar por cerca de um ano pra assistir a continuação daquele final de temporada filhadaputamente extasiante que te deixou de queixo caído. Recentemente, a série Sherlock, uma produção original exibida pela BBC britânica, encerrou sua segunda temporada, exibida em ciclos de três episódios com uma hora e meia de duração. E foi cruel.

Essa série da BBC é um exemplo do que deveria ser considerado um programa de família. Entretenimento da melhor qualidade, divertida, engraçada, intrigante, extremamente refinada e, acima de tudo, inteligente. Infelizmente, a cultura de fora que importamos é composta quase que só de seriados americanos que apelam ao mínimo denominador comum.

Séries como The Big Bang Theory ou Friends possuem quase tanta intimidade com o povo brasileiro quanto as novelas da Globo, mas infelizmente acabamos deixando passar batido tudo aquilo produzido por outros países – e uma coisa eu lhes digo: o povo da terra da rainha sabe produzir séries como ninguém.

Sherlock e Watson em suas versões século 21

Quem não conhece Sherlock Holmes?

Provavelmente um dos personagens mais famosos do mundo da literatura, o senhor Holmes atingiu uma fama grande a ponto de engolir o seu criador, Sir Conan Doyle, que pra muitos se tornou apenas “o escritor de Sherlock”. Em tempos de alta do personagem, com o filme hollywoodiano dirigido por Guy Ritchie e estrelado por Robert Downey Jr. sendo sucesso de bilheteria, a BBC resolveu por em prática releituras fiéis das clássicas histórias de Doyle, mas com um twist: ambientadas nos dias de hoje, na Londres da década em que estamos.

Para não virar apenas mais uma série de investigações caricata como tantas outras que já temos por aí – o que ela definitivamente não se tornou –, muito cuidado foi necessário. Cada sutil detalhe foi repassado e repaginado, transposto mais de um século para o futuro em relação às histórias originais.

Todos os personagens centrais, todos elementos essenciais foram preparados de forma minuciosa, com destaques para a ambientação do famoso apartamento na 221B Baker Street e a caracterização tanto dos personagens principais quanto de coadjuvantes como Mycroft, Lestrade, Irene e Moriarty – que ficou particularmente incrível.

Seria uma tarefa um tanto quanto difícil estragar uma série tão bem produzida, com cada detalhe técnico bem arranjado. O roteiro foi magistralmente bem adaptado dos contos originais de Doyle; nem mesmo os fãs mais puristas têm por onde reclamar. Dando suporte a tudo isso, temos uma excelente direção, com sacadas brilhantes e planos-sequências bem construídos.

Sem falar da ideia genial de, nos momentos de concentração de Sherlock, surgir em evidência na tela o que está acontecendo em seu palácio mental – detalhes por ele captados no ambiente, caminhos de raciocínio, seja em palavras, sinais ou até mesmo mapas, como na sequência da perseguição de taxi logo no primeiro episódio.

Link YouTube | A perseguição ao taxi (infelizmente, o audio não é o original da série)

Mas, para mim, a melhor parte sem sombra de dúvidas é o trio Benedict Cumberbatch, Martin Freeman e Andrew Scott, que interpretam, respectivamente, Sherlock, Watson e Jim Moriarty.

Benedict incorpora o personagem de forma como eu jamais havia visto em qualquer outra adaptação. Sistemático, cheio de TOCs, com sua super inteligência e percepção fora do comum, dono de uma voz mansa e aveludada que esconde temporariamente o quanto é chato, intransigente e de difícil convivência, mas ainda assim tão cativante quanto Hugh Laurie interpretando o Dr. House – que pra quem não sabe, foi inspirado no detetive inglês.

Martin Freeman fica responsável por equilibrar e dar certa leveza as cenas, fazendo o contraponto à aura ranzinza de Sherlock. Ora meio bobo, como quando fica preocupado se as pessoas imaginam que ele e seu melhor amigo são na verdade um casal gay, ora como um valente cavaleiro a proteger seu fiel e irritante amigo.

E Jim Moriarty... que vilão! Adaptado das páginas dos livros, Moriarty toma forma de um excêntrico milionário e completo psicopata, daqueles que dá gosto de ver, em atuação soberba por parte de Andrew Scott. Mesmo com sua baixa estatura pouco intimidante, consegue transformar o personagem em um gigante imponente, completamente louco e imprevisível, cheio de caras e bocas e falas impactantes.

Sem mais enrolação, fica a minha forte recomendação desse seriado a todos que se interessem por Sherlock, investigações e aventura. Entretenimento de qualidade, sem mistério.


publicado em 22 de Fevereiro de 2012, 12:00
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Gustavo Bertassoli

Estudante de Direito meio errado, não sabe dizer se é viciado, aficcionado ou apenas apaixonado por música, mas tenta manter isso num nível saudável (apesar de falhar constantemente). Cresceu junto com a internet, porém, não sabe se evoluiu tanto quanto ela. Não gosta de café, o que não lhe permite ter uma biografia pseudo-cult no Twitter.


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