En El Cuero: um tipo raro de churrasco

Mas bah tchê, desde priscas eras que não vejo e aprecio um asadoen el cuero (churrasco no couro).

Esse tipo de assado é cada vez mais raro, até porque dá perceber e entender a trabalheira toda, do preparo um dia antes, com o abate e degola, até deixar o bicho para orear no sereno da madrugada. Para então desossar com maestria todo o bicho e ainda cuidar da preparação da tralha, grelha e correntes, arames e alicates. Não é para quarquera índio, tem de ser gaudério de fato e de alma.

O documentário é ótimo e autêntico, filmado por quem entende. A fala do gaucho é bem editada. Tudo muito didático!

Link YouTube (versão HD aqui) | Assista antes de seguir lendo.

A raça do filme é Hereford, que faz parceria, aqui no sul do sul, com a raça Aberdeen Angus, oriundas das inglesas ilhas. São as melhores carnes para prática do churrasco. Os novilhos têm a gordura no ponto e ainda entremeda. Creiam, o sabor está também relacionado com os campos salitrados da fronteira do Brasil com o Uruguai.

Quem anda pagando caro para comer esse tal de "Kobe Beef made in Japan" é porque nunca comeu uma costela da janela dessas raças, assada a campo, em fogo de chão.

Vale a visita ao site www.asadoenelcuero.com pelo visual típico dos pampas.

Leva 10 horas para assar | Foto: Bruno Maestrini

Ma já que estamos charlando sobre carne e assado, conto um causo que comigo ocorreu. Lembro que era novo aqui nos pagos, recém chegado de sumpa, mas já arriscava um churrasquito bagual, pois além de observador e apreciador, tive a sorte de ter ótimo os professores assadores.

Convidado fui para uma pescaria nas margens do arroio Pelotas aqui nas cercanias.

Chegamos na tardinha, camionetes esvaziadas, barracas armadas, num lugar com a alguma infra, pertinho do rio. Aprontou-se um carreteiro, só que levaram poucos pratos... comi o meu na tampa da chaleira.

Dia seguinte o povo se foi para o pesqueiro. Como não sou chegado em dar banho em minhocas e assemelhados, fui deixado solito pra fazer o assado do almoço.

Necas de cortes vistosos, churrasqueira, grelha e carvão... Era meio o borrego dividido em paleta costela e quarto, acho que era um Corriedale de quatro dentes, os espetos aqueles de ferro de construção, com um T em cima para fogo de chão. A lenha não era dessa cortadinha empilhada do lado cozinha, mas sim uns 3 troncos de bom tamanho, tive de juntar gravetos secos para iniciar o fogo e suar para produzir um braseiro decente.

Espetei a carne sem muita convicção, coloquei na frente do fogo e o bicho se vem escorregando despacito para o chão, sujando a carne... balburdia. Alguns cabeludos palavrões de assustar pombinhas e tico-ticos... Prende daqui, inclina ali, ajusta acolá, até fazer uma feição e iniciar oficialmente o assado. Ainda bem que tive toda a manhã para preparar o dito cujo.

Foto desse dia

A parceria foi se aprochegando com os peixes e as piadas infames e repetidas de pescador. Percebi de relancina uns olhares famintos e ameaçadores para o fogo:

"E aí, paulista, vai dar para comer essa carne?"

Buenas, resumindo, a gurizada se atirou à moda bicho, com as facas diretas na carne ainda nos espetos, se atracando em uns nacos suculentos de engordurar o bigode. “Sem modos”, como diria a Vó Marieta.

O silêncio inicial foi quebrado pela abertura de alguma ou outra cerveja, por algum grunhido a guisa de elogio, e dos cuscos brigando pelos ossos. Não lembro se alguém levou “tijolinho” para adoçar o bico. Mas carne pouca sobrou...

Considero esse churrasco, em especial, como meu rito de passagem para o mundo abagualado e balaqueiro dos assadores. É aí que me refiro!

nota: o vídeo nos foi enviado pelo excelente blog Cozinha Pequena. Visita recomendada.


publicado em 22 de Fevereiro de 2011, 10:55
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Luiz Minduim

Luiz Minduim é artista gráfico, professor, cozinheiro, assador bagual e balaqueiro dos bons! Mora em Pelotas, região do grande Pampa há mais de 30 anos, gaúcho por opção e coração.


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