Eu amo o futebol e não quero vê-lo morrer

O esporte mais popular do Brasil precisa de um novo calendário, do fair play financeiro e da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte

Não me recordo qual foi a primeira vez em que pisei nas arquibancadas de um estádio de futebol, mas sei exatamente quando foi que percebi que uma ida ao campo não seria a última. Foi em 22 de junho de 1997, Cruzeiro 1 x 0 Villa Nova, pela final do campeonato mineiro.

Naquela tarde de domingo, o Mineirão registrou seu recorde de público – eram 132.834 pessoas apinhadas no cimento – e eu me apaixonei pela primeira vez. Não foi pelo time azul celeste (pelo qual já torcia), nem pela festa da torcida, tampouco pelo Marcelo Ramos, atacante que marcou o gol do título.

Foi pelo futebol que caí de amores.

Pela bola, eu já fiz um pouco de tudo. Gritei muito. Chorei bastante. Ri várias vezes. Briguei outras tantas, e viajei sempre que pude. Participei de um reality show e percorri a África do Sul de van durante a Copa de 2010. Rodei mais de 7 mil quilômetros de carro pelo Brasil no Mundial desse ano. Fui a Liverpool e a Londres, cronometrando as horas para ver meu outro time jogar. Tentei entrar, sem conseguir comprar ingresso, num Nacional e Penãrol (em que a polícia foi recebida com um assento sanitário jogado das arquibancadas). Fiz os 700 quilômetros que separam São Paulo e Belo Horizonte dezenas de vezes, só para me vestir de azul enquanto via meu time jogar.

Eu tinha 10 anos de idade quando me apaixonei. E sofro, aos 27, por que sinto que estão conseguindo matar o meu amor.

Naquele jogo de 1997, eu era uma das 52.950 mulheres e crianças que entraram sem pagar ingressos e ajudaram a criar uma atmosfera ensurdecedora. Mesmo com mais de 70 mil pagantes, a renda do jogo foi de “apenas” R$ 664.087,50. Em novembro deste ano, fui um dos 40 mil torcedores que pagaram entre R$ 140 e R$ 700 para assistir ao clássico contra o Atlético-MG válido pela final da Copa do Brasil. A arrecadação do jogo foi de R$ 7.855.510,00, 3ª maior da história do futebol brasileiro. A torcida e o jogo, inversamente proporcionais: espaços vazios, pessoas caladas, cânticos sem vibração, time cansado e com o freio de mão puxado. As arenas da Copa sanitizaram os estádios que aprendi a amar e, no caminho para se ganhar dinheiro e conquistar a profissionalização, o futebol brasileiro conseguiu mesmo foi perder a alma.

Ônibus a caminho do estádio do Mineirão, em 1993

E o pior: nem o dinheiro nem a tal profissionalização vieram. Com mais dinheiro das cotas de TV em caixa, os clubes passaram a gastar mais, pagando salários estratosféricos e fazendo negociações danosas que só ampliaram o volume de dívidas. Os clubes estão todos endividados e agremiações tradicionais, como Guarani, Portuguesa e Botafogo, estão quebrando. Os jogadores são divididos como pizza, e pertencem mais aos investidores do que aos clubes. A qualidade das partidas e dos atletas está minguando. Algumas partidas são decididas no tribunal, e não em campo. A seleção não desperta empatia nos brasileiros. O Clube dos 13, entidade que defendia e unia clubes sempre briguentos entre si, acabou. E, enquanto o produto futebol definha, a CBF ficou mais forte – com ou sem 7 a 1.

E se a coisa está ruim, pode piorar. Os patrocinadores sumiram em praticamente todos os clubes, e um grupo de 17 grandes empresas fez um pacto para manter a verba distante enquanto a desorganização imperar. A Presidenta Dilma nomeou o pastor George Hilton, cujo ponto alto da carreira foi ter sido pego com R$ 600 milhões de reais em “doações”, como novo Ministro dos Esportes. O aumento das receitas de televisão previsto para 1º de janeiro de 2016 promete aumentar a diferença de competitividade entre os clubes, com Flamengo e Corinthians recebendo R$ 170 milhões enquanto clubes como Coritiba, Internacional, Sport, Grêmio, Fluminense e Bahia receberão entre R$ 35 e 60 milhões.

Sim, eu sei que o meu time é o atual bicampeão brasileiro e isso deveria ser o suficiente para me deixar rindo à toa. Não é. Entre o Cruzeiro e a bola, eu escolho o futebol.

***

Nesse cenário de desesperança, eu deposito a fé que me resta em iniciativas como a do Bom Senso Futebol Clube.

O movimento ainda não toca em todos os anseios que tenho para viver um futebol diferente, mas é, a meu ver, um excelente começo. Enquanto a bancada da bola em Brasília contrabandeou nesse mês de dezembro uma medida provisória que refinancia as dívidas dos clubes brasileiros sem nenhum tipo de contrapartida, os ativistas defendem uma Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte que garanta democracia, responsabilidade e transparência na gestão das entidades esportivas.

Para entender mais sobre os problemas e as possíveis soluções para o futebol brasileiro, fui conversar com o Ricardo Borges Martins, autor já publicado no Papo de Homem e Diretor executivo do Bom Senso F.C.. O papo foi longo, mas separamos alguns trechos para mostrar a vocês antes que o vídeo completo seja publicado aqui no PDH, no início do ano que vem.



publicado em 28 de Dezembro de 2014, 09:00
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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no Instagram.


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