O cara que sempre vence e a derrota boa | Cotidiano #13

Manja aquele cara que aparece no seu Facebook comemorando a desgraça só porque ele disse que ia dar ruim? Pois é...

O cara não quer perder. Nunca. O filme a ser visto é sempre o que ele escolheu e provavelmente ele dita a moda para os filhos, pontua as conversas na mesa do bar, enfadonha qualquer ambiente com seu imperativo humor. Não confunda o amigo empolgado com esse tipinho, o que não perde. Nunca.

O vencedor nato sabe de tudo, leu antes de todo mundo, "cantou a bola lá atrás", feito Mãe Dináh de nariz em pé. Ele nunca perde, ao contrário, vence a qualquer custo desde que, em sua cabeça, ele permaneça ganhando.

E que belo momento para se estar certo o tempo todo. A água está acabando mesmo, a energia vai mal mesmo, a gasolina subiu mesmo, os ministros são os piores mesmos. Mas o cara que sempre acerta e nunca erra (nunquinha) está pouco preocupado com banho, combustível ou o Kassab nas Cidades. Ele abre o jornal, os olhinhos brilham com cada notícia pesada e ele corre com sorriso de orelha a orelha, quase comemorando o fato de a agenda ser negativa. "Foda-se se! Vou gastar mais Mesmo! Era tudo o que eu queria! Ver, agora, a cara de vocês que fizeram campanha pra esse governo!".

Ele quer ver o circo pegar fogo para poder se sagrar certo ou acertivo ou o dono da razão. Não lhe interessa a melhoria, só a galhofa. Vá lá, é o pouco que resta. 

Ganhar entre os perdedores.

Mal sabem esses das derrotas gostosas da vida. Dia desses fui caminhar e cheguei a um cruzamento dentro do bairro. Na rua, uma SUV branca imperava aumentando seu tamanho exagerado de grande em minha direção. Ora, um utilitário colossal em uma cidade apinhada como São Paulo. Dizem que as pessoas compram esse tipo de veículo para dar sensação de segurança, estarem mais protegidos da violência no espaço público. 

Tá em cima da faixa, fera

Começo a botar na cabeça que a pessoa proprietária desse tipo de locomoção é mesquinha e arrogante e desrespeitosa. Ela vem e eu quero que ela não pare, que ela cumpra o dever dela de ser intransigente, apressada, mal educada, superiora. Aperto os lábios, preparo palavrões, seguro a mochila contra as costas.

Ela freia, rua vazia, e me dá passagem. Uma mulher tranquila. Outro carro está atrás e tem que parar também. Atravesso e ela não joga o carrão em cima de mim, não sai acelerando pra demonstrar sua pressa, não reclama. Sorri e me deixa passar.

Desmoralizado, fui trabalhar feliz.


publicado em 13 de Fevereiro de 2015, 00:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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