O lixo como não-lixo e como parar de jogar coisas fora

Apesar de a maioria saber de dados alarmantes sobre a geração de resíduos em nosso país, existe uma resistência em nos envolvermos com o tema. Falar de lixo traz um mal estar e, por isso, é mais fácil idealizar que ele simplesmente suma, desapareça. A intenção do “jogar fora” prevalece.

Produzimos 1.2 kg dele (por dia e por habitante) no Brasil. A cidade de São Paulo é o terceiro maior polo gerador de resíduos do mundo, apesar de ser a 11ª ou 12ª economia, como mostra esse documento do Lixo Zero 2013 , do Instituto Ethos:

Link Documento

Entrei na área ambiental em 2013, depois de oito anos trabalhando com diversos projetos sociais. Se minhas ações nunca seriam suficientes para “ajudar” em algo tão complexo como o ser humano, melhorar o ambiente em que ele está inserido fez todo sentido. Minha contribuição seria deixá-lo se desenvolver (em todos seus aspectos) em um ambiente melhor, mais propício para manifestações positivas.

Depois de um ano dedicado exclusivamente a este fim, percebi que estava -- novamente -- lidando com o complexo ser humano. Afinal, lidar com resíduos nada mais é que trabalhar com conforto, desperdício, preguiça, criatividade, incômodo, ciclos, usos, consumismo.

Percebi que não bastava criar modelos. Era necessário mudar também pensamentos e atitudes.

Uma nova visão do lixo

Lixo só é lixo quando tratado como tal. Temos um conceito criado de que “aquilo que não tem utilidade, não serve mais para mim”.

Teria, esse material, serventia para outra pessoa? Não funciona para mais ninguém de alguma outra forma?

A primeira ideia, ao iniciar o processo de olhar para os detritos de outro ângulo, foi a de entender como são desenhados os produtos que usamos. Por que eles são tão difíceis de serem reutilizados ou reciclados? Por que a preocupação é com o descarte e não na elaboração, escolha da compra ou o uso desta matéria?

Nessa pesquisa, encontrei fontes muito interessantes, como o documento escrito pelo Abramovay (acima, em parceria com o Instituto Ethos), o movimento Zero Waste e, por fim, o Cradle to Cradle, uma metodologia de desenvolver produtos que não contenham elementos tóxicos e que beneficiem a natureza ao serem descartados.

Link TED | Palestra com o arquiteto William McDonough sobre cradle to cradle design

Algumas soluções já acontecem e são acessíveis, outras nem tanto. Mas muitas delas são viáveis.

Botando as mãos e a cabeça no nosso lixo

Aqui no Brasil, podemos tomar como norte o documento Lixo Zero (que fala sobre as dificuldades e estratégias do setor), marcos da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e acordos setoriais da logística reversa que já vigoram e que estão sendo criados.

Além de informações, é necessário envolvimento com o tema para se ter mais consciência e lidar melhor com seus resíduos:

1. Separar o lixo para quem tem serviço de coleta seletiva em casa;

2. Levar os detritos segregados para os Pontos de Entrega Voluntários (PEVs) que existem em locais fixos da cidade (para saber qual deles fica mais perto da sua casa, basta entrar no site da Prefeitura de São Paulo);

3. Há também ecopontos onde, além de descartar recicláveis domésticos, também podemos levar entulhos de reformas de pequeno porte (até 1 m³) e grandes objetos (móveis, podas de árvore etc). Para saber os locais mais próximos de onde você vive, o site da prefeitura também disponibiliza uma lista com endereços.

Mas é possível pensar além do simples descarte correto.

O movimento Zero Waste mostra (no documento abaixo) que existe por volta de 20% de resíduos que não podem ser reutilizados, reciclados ou compostados. Os outros 80% deveriam passar por esses processos. Eles também defendem que o passo seguinte seria abolir produtos híbridos, isto é, que misturam materiais e são mais difíceis de serem reciclados.

Link Documento

O interessante é que eles encorajam iniciativas civis e propõem que a solução seja evidenciar os resíduos e procurar solução, e não fazerem com que desapareçam em aterros ou incineradores.

Nesse vídeo do TEDx, Joan Marc Simon, coordenador do Zero Waste na Europa, comenta mais sobre o movimento e fala da experiência de Capannori, uma pequena cidade na Itália que conseguiu resultados expressivos mudando alguns hábitos:

Link YouTube

E se o nosso lixo não fosse mais lixo?

E nessa esteira, existem também casos de famílias que levaram a experiência para seu mundo e praticamente pararam de gerar resíduos:

Link YouTube | Família Johnson

Tem também o pessoal do The Clean Project, que trabalha igualmente com a ideia de tentar viver de "lixo zero".

Existe quem fale que reduzir ao máximo os gastos e as emissões de carbono não é o único caminho, que não façamos “menos mal”, mas sim “mais bem”. Que podemos desenhar produtos que beneficiem a natureza e não contenham substâncias tóxicas.

Nesse processo, haveriam artigos de ciclo biológico (depois de utilizados, seriam biodegradáveis em nutrientes e reutilizados no sistema natural) e outros de ciclo técnico (depois de usados, são quebrados em pedacinhos e também podem ser reciclados diversas vezes).

Os precursores deste pensamento foram Michael Braungart e William McDonough com o livro Cradle to Cradle® – Remaking The Way We Make Things, lançado em 2002. Nele, os dois apoiam artefatos desenvolvidos para girarem do berço ao berço (em economia circular) e não do berço ao túmulo (economia linear) que é a maneira convencional de operar ainda hoje.

Link YouTube | TEDx Amazônia Michael Braungart fala sobre os grandes erros dos ambientalistas

Existem aproximadamente 350 produtos certificados, ilhas e construções já feitas sob esta metodologia (inclusive, com um representante no Brasil), logo, sabemos de uma boa gama de itens que não possuem elementos tóxicos e tem destino certo disponíveis para nós.

Duas pessoas interessantes que também apoiam, performam e pesquisam sobre economia circular são Dame Ellen MacArthur, da Ellen MacArthur Foundation e Richard Swannell da Wrap. Eles citam os ciclos biológicos e técnicos para inovar na maneira de desenhar os produtos, além de modos inovadores de relacionamento com o cliente e empresa.

Por exemplo, o caso da máquina de lavar que, ao invés de o consumidor ter posse do eletrodoméstico e descartá-lo quando não for mais usar, ele escolhe um número de lavagens comprados da empresa e, quando esse período acabar, a máquina é devolvida. Se quiser, o usuário pode comprar com desconto mais lavagens de um equipamento da nova geração:

1. O cliente ganha, pois sempre está com uma máquina de tecnologia avançada;

2. A empresa ganha ao reutilizar as partes da máquina antiga para produzir novas;

3. O relacionamento entre os dois é estreitado.

Link YouTube | Dame Ellen MacArthur e a necessidade da economia circular

Link YouTube | Challenges of Resource Efficiency for Companies and Supply Chains, Dr Richard Swannell, WRAP

O que quero abordar com tantas informações diferentes é que não adianta mais pensar no descarte dos produtos. Cogitar materiais, planejar como vou desenhá-los, por quanto tempo eles vão durar e como escolherei qual comprar é mais importante, hoje, do que caminhar até um ponto de reciclagem.


publicado em 21 de Março de 2014, 21:00
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Mariana Roquette

Acupunturista e gestora de resíduos. Atua há 09 anos com projetos socioambientais e concluiu Master em Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA, em 2011. Após vasta experiência no terceiro setor, hoje é sócia da Bakuara, consultoria de gestão de resíduos sólidos.


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