O primeiro telemarketing

—  Senhor?

—  Oi?

—  Estou tentando ligar para o Adão, como o Senhor pediu, mas acho que estou com o número errado.

—  Como assim?

—  Eu já liguei três vezes e caiu numa empresa.

—  Numa empresa?

—  Sim, Senhor.

— Bom, deixe que Eu resolvo. Tente novamente e Me passe a ligação.

— Sim, Senhor. Só um minuto.

— Obrigado.

— Senhor?

— Oi.

— Estou passando. Linha três.

— Obrigado. Alô?

— Paraíso na Terra, Maricleide, bom dia. Em que posso ajudar?

— Desculpe, de onde...

— Paraíso na Terra. Em que posso ajudar?

— Eu quero falar com o Adã...

— Qual o CPF do Senhor?

— O quê?

— Preciso do CPF do Senhor para estar iniciando o atendimento.

— Olhe, Eu preciso apenas falar com o Adão.

— Senhor, sem o seu CPF não vou poder estar ajudando.

— Certo. Meu CPF é Um.

— Um?

— Um.

— Qual o nome do titular da conta?

— Deus.

— Senhor, no meu cadastro está constando outro nome como titular.

— Olhe. Eu só preciso falar com o A...

— Senhor, não posso estar continuando o atendimento sem acessar sua conta. O nome do titular que tenho aqui não é o que o senhor informou.

— Certo. Deixe Eu ver. Talvez o nome do cadastro seja Jeová.

— Agora confere, Senhor. O Senhor quer estar alterando o nome do titular para Deus?

— Não. Eu quero falar com o Adão.

— Senhor, este número é do atendimento ao cliente. Não tenho como estar transferindo a ligação.

— Mas até dois dias atrás este número era do Adão!

— Sinto muito, senhor. Não tenho como estar transferindo. O senhor vai estar precisando ligar novamente, em outro número.

— Não. Eu não vou ligar de novo. O Adão está aí por perto?

— Não tenho essa informação, senhor.

— Certo. Vamos tentar de outro modo. Você sabe em qual número eu encontro o Adão?

— Para providenciar esta informação, vou precisar estar acessando seu cadastro, Senhor. Só um minuto.

— Certo.

— O Senhor pode informar seu CPF novamente?

— Um.

— E o nome do titular?

— Deu... Não. Desculpe. Jeová.

— Certo. Senhor, meu sistema informa que a conta do senhor é nível Prata. Para conseguir o telefone do Adão, é preciso fazer um upgrade para Ouro ou Platina.

— Como?

— A conta Prata é a mais básica, e não oferece acesso a todo o suporte técnico. Para isso, é preciso uma conta Ouro ou Platina.

— Olhe, Eu vou ser sincero, com você... é... Qual seu nome mesmo?

— Maricleide.

— Isso, Maricleide. Eu posso descer até aí e falar com o Adão. Mas Eu estou realmente atrapalhado aqui, então seria mais fácil para todo mundo se você apenas Me passasse o número do telefone dele.

— Eu não posso estar fazendo isso com o atual cadastro do senhor. Somente para contas Ouro ou Platina. Agora, se o senhor desejar, posso estar fazendo a atualização.

— Bom, tudo bem. Pode fazer.

— Para Ouro ou Platina?

— Tanto faz. Eu quero apenas o número do telefone do Adão. Pode ser Platina.

— O Senhor pode confirmar seu CPF novamente?

— De novo?! Um.

— E o nome do titular da conta?

— Jeová.

— Endereço para correspondência?

— Céu.

— Certo. Eu vou estar lendo agora os benefícios da conta Platina agora, e preciso que o Senhor diga “concordo” depois, para eu estar ativando seu novo cadastro.

— Certo.

— Com a conta Platina, o Senhor terá acesso a todo o suporte técnico, o que inclui visitas do técnico sempre que necessário, novos recursos e opções no atendimento telefônico, que será totalmente personalizado.

— Certo. Eu concor...

— A conta Platina oferece também promoções exclusivas, acesso prioritário a novos serviços e ao novo pacote, que possibilita acessar diferentes departamentos do atendimento ao consumidor na mesma ligação.

— Então, eu concordo com tud....

— A conta Platina também oferece aos clientes uma mensagem padrão no dia do aniversário e demais datas comemorativas.

— Concordo! Eu Concordo! Qual o telefone do Adão?

—  O senhor está de acordo com as mudanças?

— Sim!

— Então posso estar efetuando a migração para conta Platina?

— Sim!

— Só um minuto, Senhor.

—  Certo.

—  …

— …

— …

— Alô?

— Só mais um minuto, senhor.

— Certo.

— …

— …

— …

— …

— Senhor Jeová?

— Pois não?

— Obrigado por ter aguardado.

— Certo.

— Não consegui efetuar a mudança. Meu sistema está fora do ar.

— Olhe, Marinalva...

— Meu nome é Maricleide.

— Maricleide. Desculpe. Vamos deixar tudo para lá. Eu não quero mais fazer upgrade nenhum. Eu quero apenas falar com o Adão.

— Sinto muito, senhor, mas somente a Conta Ouro ou a Conta Platina...

— Eu sei disso. Olhe, vamos fazer o seguinte? Eu quero cancelar a minha conta.

— Cancelar?

— Sim.

— Por qual motivo?

— Porque Eu preciso falar com o Adão e não estou conseguindo. Aliás, Eu mudei de ideia. Não quero mais nada. Nem cancelar. Eu quero falar com o seu supervisor.

— Senhor, isso é...

— Olhe, deixe Eu explicar uma coisa. Sabe aqueles clientes que perdem a paciência e ameaçam processar a empresa? Você já deve ter falado com alguns assim.

— Sim, senhor.

— Eu não sou assim. Eu não vou processar ninguém. Ao invés disso, Eu posso transformar todos vocês em estátuas de sal e fazer com que a sua espécie seja extinta. Então, me diga... Você não prefere que Eu fale com o seu supervisor?

— Bem...

— Maricleide, vai ser melhor. Acredite.

— Certo. Só um minuto. Vou estar transferindo para ele.

— Obrigado.

— Paraíso na Terra, bom dia.

— Com quem estou falando?

— Com Adão. Em que posso lhe ajudar?

— Adão? É você?

— Deus?

— Sim. Sou Eu.

— Era o Senhor na linha o tempo todo?

— Isso.

— Me desculpe. Os funcionários ainda estão em treinamento, eles ainda não sabem lidar direito com os clientes. Tem um pelicano aqui que é bem eficiente, mas o Senhor acabou sendo atendido pela Maricleide. Ela é uma lontra e começou ontem, então ainda está sem experiência.

— Adão, o que está acontecendo aí embaixo?

— Bem... Sabe o número do telefone que eu uso para falar com o Senhor? Vazou. Os macacos descobriram.

— Como?

— Não faço ideia. Faz uns dias já. Aí eles construíram um aparelho telefônico e começaram a ligar para mim o dia inteiro, passando trotes.

— Trotes?

— Isso. Tem um macaco aqui que imita a Sua voz direitinho. Ele liga aqui, finge que é o Senhor e fala que o lago se transformou em sangue. Eu corro para lá, e o lago está normal. Quando eu volto para a caverna, ele liga de novo e fala que mexeram na macieira. Eu corro até lá e a macieira está no lugar de sempre. Aí, volto para cá, o telefone toca é ele, falando com a voz do Senhor, dizendo que eu precisava levar um saco de banana para os macacos. Era isso o tempo inteiro, e eu não conseguia mais trabalhar.

— Certo.

— E, pior, eles passaram meu telefone para todos os outros animais. Outro dia mesmo um bicho-preguiça ligou aqui, dando risadinhas e pedindo meia atum, meia quatro queijos. O Senhor sabe o que é isso? Atum não é um peixe?

— Adão...

— Bem, estava impossível trabalhar. Aí eu decidi criar esta central telefônica, para atender somente os telefonemas importantes. Contratei alguns animais e eles ficam atendendo o telefone para mim, filtrando as ligações, enquanto eu faço meu trabalho.

— Sei. E quando Eu quiser falar com você...

— Olhe, desculpe por hoje. Isso não vai acontecer novamente. Eu deixei claro que o Senhor era cliente Platina. Eu devia ter passado esta tarefa para o Osvaldo.

— Para quem?

— O Osvaldo, aquele pelicano que eu falei. Ele é competente demais.

— Adão, desde quando os animais têm esses nomes?

— Ah, eu inventei esses nomes para evitar que os animais tenham problemas fora daqui. Mas, enfim, eu pedi para a Maricleide cadastrar o Senhor como cliente Platina, mas ela deve ter se atrapalhado. Mas não se preocupe, eu posso fazer isso aqui agora. Só um minuto.

— Não, Adão, Eu...

— É rapidinho. Só um minuto.

— Adão?

— Puxa, parece que o sistema está fora do ar. Vou tentar mais uma vez.

— Adão, Eu...

— Só um minuto.

— Certo, Adão. Eu desisto.

— Não vai demorar.

— Não Me importa mais.

— É. Está fora do ar mesmo. Bom, mas eu também posso Lhe passar o ramal direto da minha mes...hã... Deus?

— Oi.

— Acabaram de entrar quatro anjos com espadas de fogo aqui na minha sala.

— Quatro? Conte direito.

— Tem razão. Cinco. Cinco anjos com espadas de fogo. Deixe eu adivinhar. Por acaso...

— Gostou? É o Meu atendimento ao cliente. Eles são bastante atenciosos. Se você tiver alguma dúvida, pode falar direto com eles. E nem precisa confirmar seus dados, eles estão aí para esclarecer todas as suas dúvidas.

— Eles estão arrasando meu equipamento! Eu demorei dias para conseguir montar tudo isso!

— Sim. E você faz ideia do tempo que eu demorei até conseguir falar com você? E de quantas vezes eu precisei confirmar o meu CPF? E o meu nome?

— Olhe, se o Senhor me der mais um pouco de tempo, eu vou treinar melhor os funcionários...

— Adão?

— Oi?

— Enquanto você montava esse equipamento e treinava funcionários, quem ficou cuidando do paraíso?

— Bem...

— Sim. Foi o que pensei. Bem, pelo que estou vendo daqui de cima, sua central telefônica desapareceu e os animais estão de volta aos seus lares.

— Sim...

— Acho que com isso podemos encerrar por hoje.

— Bom... certo.

— Ótimo.

— Agora, essas ligações dos macacos...

— Eu já resolvi o problema dos macacos. Outra equipe da minha central de atendimento desceu até onde eles moram e destruíram o telefone deles.

— Obrigado.

— Adão, o que você vai fazer agora?

— Cuidar do paraíso.

— Isso. Obrigado. E, antes que você pergunte, não, você não pode Me ajudar em mais nada. E eu sei que você agradece a Minha ligação e deseja que Eu tenha um bom dia. Adeus.

— Tchau.

Depois de desligar o telefone, Deus ficou pensando por alguns instantes. Subitamente, pegou seu telefone e ligou para o Departamento de Novos Projetos.

— Dá para inventar o telefone antes das Pragas do Egito?

— Não, Senhor. O telefone vai estar sendo inventado milhares de anos depois disso.

— Sério? Eu tinha uma ideia boa aqui para completarmos as dez pragas. Mas precisaríamos do telefone funcionando.

— Está muito em cima da hora, Senhor. Não posso estar garantindo...

— Bom... Deixe para lá. Usaremos esse negócio do telefone em outra hora. Vamos com os gafanhotos mesmo.

— Certo.

— Com isso completamos dez pragas?

— Isso.

— Ok. Pode mandar bala. Ah, mais uma coisa. Tem um macaco lá embaixo que sabe imitar vozes. Dá para mexer nisso?

— Bem, senhor... Estou vendo a programação aqui, e para mudar este animal, seria preciso mudar a espécie dele. Posso estar transformando num comediante, e guardamos o espécime para quando a televisão for inventada.

— Não sei... Eu nunca vi muita graça nisso. Não tem outra opção?

— Bem, acho que posso estar transformando o macaco num pássaro verde.

— Certo. Faça isso. Mas não se esqueça de colocar uma voz bem ridícula.

— Sim, Senhor.

— E uma última coisa.

— Pois não?

— Pare, por favor, com essa mania de usar o gerúndio o tempo inteiro, Lúcifer. Isso é irritante demais.


publicado em 05 de Abril de 2013, 21:00
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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