O primeiro último desejo do menino Otávio

Um dos grandes clichês da intolerância tem ligação direta com o sentimento mais difícil de ser explicado: paixão. É extremamente difícil para o ser humano compreender algumas reações alheias - especialmente aquelas motivadas por ações consideradas, de modo preconceituoso e infantil, tolas.

O futebol é o maior deles. Essa briga dos indiferentes com torcedores é eterna. Não cabe a ninguém tentar explicar. Mas é meu dever, como parte da segunda classificação de humano citado no parágrafo acima, exemplificar.

Afinal, não é uma questão de símbolos.

Não é uma questão de time.

Não é uma questão de torcer.

Mas é uma questão desejo. A inocente expectativa - consciente ou não - de saciar uma fonte de satisfação. Torcer transforma o futebol em algo muito superior ao vencer ou perder. É uma questão de prazer.

Muitas vezes, uma questão de vida.

João Victor reagia ao ser estimulado com o hino do Grêmio

O primeiro e mais considerável exemplo que costumo utilizar é o seguinte:

Menino que se recuperou de doença grave emociona técnico e jogadores
O grupo gremista foi surpreendido por uma história emocionante na manhã desta quinta. João Victor visitou o Estádio Olímpico e realizou o sonho de conhecer pessoalmente os jogadores e o técnico Renato. Há cerca de seis meses, foi diagnosticada uma infecção muito forte, e o pequeno torcedor teve que ir para o hospital. Ficou na CTI, sedado, durante 15 dias. Só reagia quando ouvia o Hino do Grêmio. Em junho, ele conseguiu sair dos aparelhos e recebeu alta.
– Sempre falávamos coisas positivas para ele. Fizemos um CD com versões do Hino do Grêmio, e mesmo sedado, quando ele escutava o hino, mostrava reação – contou o pai Marcus Medeiros.

Entre todos os sentimentos explicáveis, do amor ao ódio, a importância que damos ao clube é o mais complicado de transcrever – quiçá impossível. Basta reler a noticia do João Victor, o garoto que reagia após ouvir o hino do seu time. A medicina não vai explicar isso sem apelar para um fator surpresa. A religião muito menos.

Há coisas, senhores, que só o futebol explica. E há momentos em que você decide fazer para o seu time tudo o que ele já fez por você.

Aí você age.

Trabalho de voluntários é essencial para a sequência do projeto

Outro exemplo, agora de atitude de um grupo comum, também está Porto Alegre. O Desejo Azul é um instituto criado por um grupo de torcedores e conselheiros que tem a proposta de ajudar crianças doentes e redirecionar a paixão pelo clube em uma ação solidária. A inspiração vem da Make-A-Wish, ONG norte-americana que está presente em 36 países e se dispõe a realizar sonhos de crianças que convivem com doenças graves.

O Desejo Azul atua de forma semelhante. Só adaptou a ideia ao Grêmio.

As experiências que envolvem jogadores, dirigentes e torcedores com os pacientes são tocantes. A proposta é transformar a paixão de milhões de torcedores em esperança, proporcionado e estimulando a solidariedade entre os associados do Clube. Tem funcionado, uma vez que a procura de voluntários tem crescido gradualmente com a popularidade do projeto.

Um dos casos mais emblemáticos é do menino Otávio. Em agosto de 2011, o volante Adilson conheceu o jovem paciente no Hospital de Clínicas. Na época, o garoto recebeu uma camiseta oficial do Grêmio, o que provocou uma grande melhora do seu estado de saúde, diminuindo, inclusive, o uso de remédios para dor.

Conforme publicado pelo Blog Clube da Bolinha na época, esse fator foi determinante para o menino conseguir sair do hospital e realizar outro sonho: entrar em campo com os jogadores antes de uma partida. Otávio entrou no gramado no colo do goleiro Victor e depois pode vibrar com os pais e os médicos que o acompanharam no Olímpico.

Link YouTube | A visita de Otávio ao Estádio Olímpico

Esse era Otávio antes de ser recebido pelo projeto: sem prazeres, planos futuros e metas. Sem reações, pressa pelo amanhã e qualquer tipo de ânsia por conquistas. Apenas querendo sobreviver. Mantendo-se aos olhares tristes e melancólicos da família.

E qual foi seu primeiro último desejo?

Ir ao estádio.

Primeiro último porque Otávio morreu seis meses depois. Mas não antes de nos provar que se emocionar com o esporte tem esse importante significado: o da sobrevida.

Nenhuma paixão, o sentimento que nutre desde a emoção do receptor da atitude até o ânimo do incentivador voluntário, é em vão. Especialmente quando estamos tratando de algo tão importante como o futebol.

Isso se chama fidelidade. Portanto, deixamos as paixões clubísticas de lado. Que o exemplo do Desejo Azul vire Desejo Vermelho, Desejo Verde, Desejo Rubro-Negro, Desejo Alvi-Negro, Desejo Tricolor etc.

E quando alguém falar que futebol é bobagem, apenas sorria. Sorte a nossa saber chorar com aquilo que eles chamam de apenas cores.


publicado em 02 de Agosto de 2012, 15:07
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Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


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