O que aprendi quando saltei do avião

"Que Deus abençoe essa bagunça."

Essa foi a última frase que meu instrutor de paraquedismo disse antes do avião decolar. Quando achei que já estávamos bem alto, olhei o altímetro: estávamos a 2 mil pés (cerca de 610 metros do chão). Levou quase meia hora para alcançarmos os 10 mil pés do salto (3.040 metros do solo), embora eu achasse que tínhamos subido em cinco minutos. 

Eu estava quieto por fora, mas não por dentro.

O homem foi feito para voar

Lembro bem daquela sensação enquanto ganhávamos altitude. Minha respiração estava intensa, meu coração batia forte e minhas mãos estavam suadas. Eu nunca tinha sentido um medo daqueles. E logo descobri que aquele medo não era nada comparado ao que senti quando a porta do avião abriu e o momento de saltar chegou. Já não era mais medo. Era terror.

Existem dois tipos de cursos de paraquedismo: o ASL (Accelerated Static Line) e o AFF (Accelerated Free Fall). Explicando de forma simples, o ASL é composto por 16 níveis, e nos primeiros saltos o paraquedas é acionado sozinho, por uma fita presa ao avião. Já o AFF é composto por sete níveis, e desde o primeiro salto o aluno tem queda livre, acompanhado por dois instrutores que o seguram pelo macacão até o momento da abertura do paraquedas. Em ambos os cursos é preciso passar por uma aula teórica de 10 horas e durante toda a navegação até o pouso o aluno é orientado por rádio.

Escolhi o AFF. Confesso que os primeiros saltos foram tensos. Mas já no primeiro salto aprendi muita coisa. E não apenas sobre o paraquedismo em si, mas sobre coisas que fazem sentido em muitas das áreas importantes da vida. A começar pelo medo.

O medo que senti nos primeiros saltos foi grande. Foi crescendo conforme o avião subia. Foram vários tipos de medo misturados: do desconhecido, da insegurança, da possibilidade de falhar, do avião barulhento, da porta do avião, do confiar minha vida numas cordinhas e até da altura. E, para minha surpresa, todo esse medo ficou no avião no momento em que eu soltei o montante da asa. Simplesmente passou, de um segundo para outro. Parece que o medo não teve coragem de me seguir. Ficou apenas a deliciosa sensação de queda livre.

É difícil descrever a queda livre, e ela é bem diferente do que eu imaginava. Percebi que nunca estive nem perto de uma queda livre, assim como a maioria das pessoas nunca vivenciará esta sensação. Você não vê o chão se aproximando. Só sabe que está descendo porque o ponteiro do altímetro está se mexendo. E você está descendo rápido, a mais de 200 km/h. A sensação é ótima, de liberdade. O vento... Tudo passa a ser uma mistura do alívio por ter se livrado do medo com uma bela dose de adrenalina.

Depois de realizar as tarefas do salto e acionar o paraquedas, quando ele finalmente abre (três segundos demoram bastante nessa hora), a sensação é de conquista. Recebendo orientação pelo rádio, a navegação e o pouso são tranquilos. O pior e o melhor já passou. Ao pousar, independente se você conseguiu ficar em pé ou caiu de bunda no chão, você já pode comemorar. O instrutor do rádio diz "Matheus, parabéns pelo salto" e essas palavras selam uma das mais inesquecíveis experiências da vida. Sensação de vitória, de conquista.

Não consigo pensar em termo melhor para descrever a experiência que "leap of faith".

Link YouTube | "Leap of faith" pode ser traduzido como "acreditar em algo que não seja imediato ou empiricamente provado. É o ato de "se jogar"

O medo e a insegurança são sentimentos normais e saudáveis. Mas quando você se prepara para algo e vai lá e faz, esses sentimentos vão sumir como um passe de mágica. A tensão vai aliviar e você vai estar livre para colocar em prática o que aprendeu. Ao final deste "salto de fé", o melhor sentimento o aguarda: o sucesso.

Meu "leap of faith" no paraquedismo já passou. E ficou registrado.

Link YouTube |

Sei que muitos saltos ainda virão em outras atividades da minha vida. No empreendedorismo, por exemplo, é exatamente a mesma coisa. Recebo centenas de e-mails de pessoas que querem empreender, mas têm medo. Este medo não vai passar, por mais preparados que estiverem. O medo não vai embora com preparação, e sim com atitude.

Quer algo? Prepare-se e salte!


publicado em 01 de Novembro de 2011, 11:01
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Matheus Zeuch

Gaúcho. Também é paraquedista, surfista, goleiro e mochileiro. Escreve sobre empreendedorismo no matheuszeuch.com. É um cara diferente, assim como todo mundo, e também um amante do improviso. Siga Matheus no Twitter: @matheuszeuch.


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