Saquê, bebida de homem por excelência

Saquê é como o nihonshyu ficou conhecido no ocidente. Em japonês, saquê é um termo abrangente que  quer dizer bebidas alcóolicas no geral.

Nihonshyu é uma palavra de três ideogramas.Os dois primeiros significam Japão, ou terra do Sol nascente, e o último é o mesmo de saquê, ou seja bebida alcóolica do Japão.

Bom, os japoneses simpificam tantas coisas e complicam muitas outras...

É a bebida alcóolica de maior tradição e, como a maioria das coisas na cultura japonesa, é repleta de misticismos e lendas. Basicamente, é, junto com a cerveja e o vinho, da familia das bebidas fermentadas. A fermentação do arroz branco e a utilização da água de qualidade são tintas básicas na aquarela dessa arte oriental.

Diferentemente do vinho, os anos de boas safras de arroz não são lembrados. Obviamente, arroz de melhor qualidade produz saquê de melhor qualidade, geralmente nas áreas frias do norte do Japão. São os anos de más colheitas os memoráveis, devido ao maior trabalho em transformar o arroz em produto de tão boa qualidade quanto nos anos anteriores.

Tipos de saquê

A forma de produção, o quanto o arroz é polido e a adição ou não de álcool etílico na fermentação são algumas das diferenças entre os tipos de saquê.

Junmai - É o saquê puro, sem acréscimo alcóolico. Encorpado e com sabor característico. Em termos de ingredientes, trata-se do produto mais próximo ao que era produzido no Japão feudal e meu favorito, quando acompanhado de um bife ou alguma comida mais oleosa.

Honjo - Esse é o tipo de saquê feito com o consumidor regular em mente. Tem sabor suave devido ao acréscimo de álcool etílico destilado.

Ginjo e Junmai ginjo - É basicamente um tipo especial de junmai ou honjo. O arroz é mais polido que nas categorias anteriores, resultando em sabor refinado e preço elevado. A partir da classe ginjo (que falo logo abaixo), os produtores visam sofisticados sabores e/ou aromas específicos, o que gerou as duas subcategorias kaori ginjo e aji ginjo (kaori quer dizer "aroma" e, aji, "sabor").

Dai ginjo e Junmai dai ginjo - Chegamos ao topo da pirâmide do saquê. Claro que tudo depende de preferências pessoais, mas cada parte do processo de produção dessa categoria de saque é uma arte extremamente trabalhosa e minuciosa. Tudo para atingir o máximo de sofisticação e delicadeza no sabor e aromas elegantes para combinar.

Tem um tipo de saquê diferente pra cada doido japonês nesse mundo. Ou seja, tem variedade de saquê pra caralho

Existem milhares de categorias menores de saquê, e cada região do Japão produz a bebida com peculiaridades distintas. Algumas têm algum destaque:


  • Namazake – Saquê não pasteurizado;

  • Nigarizake – Saquê não filtrado;

  • Taruzake – Saquê envelhecido;

  • Genshu – Contém alta porcentagem alcóolica;

  • Kimoto e Yamahai – Fermentados de forma diferenciada.

Existem também os Jizakes, saquês disponíveis somente nas áreas que são produzidos.

Seco ou doce

No rótulo do saquê, além da concentração alcóolica, de quanto o arroz foi polido (em percentual) e do lugar de produção, indicam em números o quão doce ou seco o saquê é.

Os valores vão de -10  à +10, sendo +10 consideravelmente seco e -10 consideravelmente doce.

Como se bebe?

Acho essa pergunta extremamente perturbadora. Soa, para mim, algo como "mas como se lê um livro?" ou "como viver a vida?"

A primeira vez que bebi saquê, achei que era água como gosto de mofado. Assim como a primeira que bebi a maioria das coisas que hoje idolatro, achei amargo ou forte demais.

O saquê é produto de uma cultura exótica, muitas vezes vezes incompreensíveis a olhares ocidentais-latinos-malandros.

Japoneses têm uma visão diferente do mundo, e outra forma de encarar a vida, o que tendemos a julgar com a mente simplória de um jornalista que acredita entender de um assunto por ter pesquisado por uma semana na internet e entrevistado meia dúzia de "especialistas", julgando suas conclusões de forma precipitada e colocando no papel um resumo de uma vasta área de conhecimento, em palavras que adolescentes punheteiros repetirão como um mantra.

Existem milhares de rituais para bebê-lo "corretamente". O copo certo, com argolas azuis no fundo para se analisar a transparência e  várias outras frescuras. Mas vou assumir o papel do jornalista e resumir uma arte milenar em minhas conclusões pessoais, tentando soar imparcial.

Claro que há maneiras de se beber o saquê de um jeito tradicional. Mas pera lá, sem exageros

Dois fatores fazem a diferença ao se apreciar um bom saquê: a companhia certa e a temperatura ideal. Como companhia é subjetivo demais, vou me ater à temperatura:

On the rocks: Três pedras de gelo, blues na vitrola e um genshu não diluído, ou até mesmo um honjo. Meu ritual para o fim de um dia de serviço.

Reishu (saquê resfriado, 5-10 °C): Os dai ginjo mais sofisticados, são quase sempre servidos dessa forma. De outra maneira, não seria possível apreciar toda sua delicadeza e charme. Em geral, qualquer saquê leve e seco cai bem resfriado.

Jô-on (temperatura ambiente, 15-20°C): Saquês encorpados e de sabor mais forte são ideais nessa temperatura. A maioria dos saques envelhecidos são servidos dessa forma. Recomendo qualquer ginjo e junmai ginjo em temperatura ambiente, não tem erro.

Kanzake (saquê quente, 30-55°C)- As formas mais comuns são: nurukan (morno) ou atsukan (quente pra caralho).

Mas nada substitui a sensação visceral de um hito-hada (temperatura corporal) em uma noite de inverno, exceto, talvez, uma cerveja estupidamente gelada em uma tarde de verão.

Você pode aquecer o saque em banho-maria, chaleira, microondas (os do Japão têm um botão específico para saquê), máquinas próprias para isso (o-kan-ki), ou comprar saquês em copos que vêm com um dispositivo que esquenta a bebida para você.

Nunca fui muito fã dessa última categoria,  se paga muito mais pelo copo do que por qualquer outra coisa, mas a ideia é foda.

As diferenças entre dois tipos de saquê são, geralmente, muito mais sutis do que as entre dois tipos de vinho. No Japão, existem mais de 2700 produtores de saque. Cada um refinou a arte de acordo com suas idiossincráticas tradições.

Tudo isso oferece uma inexaurível variedade de experiências gustativas.

Aprender a escolher saques é uma arte à parte, cujo aprendizado pode ser extremamente prazeroso.

Kampai.


publicado em 27 de Março de 2012, 07:45
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Rafael Viana

Natural de Barra do Piraí, mas expatriado desde a infância. Cozinha por dinheiro, bebe por prazer e tenta escrever por inquietação.\r\n\r\nProfissionalmente, é um suicida de vida acadêmica é inexistente. Já teve mais empregos de que consegue enumerar e mais vistos que seu passaporte consegue suportar. \r\n\r\nAtualmente, reside em Nagoya, Japão, e trabalha como auxiliar de cozinha, mas já está à procura de outro emprego e juntando dinheiro para ir para outro lugar.


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