Os perigos de ser inteligente

recente texto de Jonah Lehrer* no New Yorker detalha uma pesquisa preocupante sobre cognição e sobre pensar através de condicionamentos, indicando que “a inteligência parece piorar as coisas”. Isso se dá porque, como concluíram Richard West e seus colegas em um estudo:

“As pessoas que tinham ciência de seus próprios condicionamentos não estavam melhor preparadas para superá-los.”

Ser mais inteligente não faz com que você seja melhor em transcender visões injustificadas e crenças ruins que naturalmente acabam fazendo parte da sua vida. Pessoas mais inteligentes são mais capazes de justificar a si mesmas, em pensamento, as suas inconsistências, tolices ou falhas óbvias de racionalização, enquanto provavelmente seriam bem críticas em relação a outras pessoas que demonstrassem tolices parecidas.

Imagem: olly/Shutterstock

Eu me lembro da opinião de Michael Shermer, quando perguntaram a ele por que pessoas inteligentes acreditam em coisas estranhas tipo criacionismo, fantasmas e (assim como Sir Arthur Conan Doyle) fadas:

“Os inteligentes são muito bons em racionalizar coisas nas quais eles acreditam por razões não-inteligentes.”

Se você já discutiu com uma pessoa inteligente sobre uma crença claramente furada, tipo fantasmas ou astrologia, você vai saber do que se trata: as justificativas delas frequentemente envolvem obscurecimento e conjecturas profundas em áreas que você não considerou relevantes (e que provavelmente não são), e estas justificativas estão todas bem amarradas de forma ordenada e eloquente, porque a pessoa é inteligente.

É preocupante de verdade que pessoas mais inteligentes sejam as piores nesse aspecto, porque elas não conseguem reconhecer os condicionamentos e enganos graças a uma camada complexa e profunda de justificativas que elas contaram para si mesmas. É preocupante porque nós esperamos que os inteligentes sejam menos propensos a condicionamentos que os outros. Entretanto, como era de se esperar, as evidências se sobressaem à expectativa; talvez tudo o que deveríamos esperar da inteligência, como quer que você a conceba, seja um jeito de pensar, e não o conteúdo do pensamento. Ou seja, mesmo que a crença seja bem absurda, os métodos para entendê-la podem ser inteligentes (teologia sofisticada funciona desse jeito pra mim). Mas este é somente um jeito, e supondo um tipo de definição de inteligência, algo que é notoriamente difícil de estudar e mais difícil ainda de precisar.

Contudo, isso me confirma uma coisa mais prática. Como diz Lehrer, nós somos bons em identificar as falhas nos outros. Se isso for verdade, está confirmada minha opinião anterior na qual nós não deveríamos querer um mundo no qual todos concordam com todos. Devemos abraçar a crítica e o argumento, uma vez que, não importa o quão espertos nós sejamos (de fato, como está sendo indicado, especialmente considerando o quão inteligentes possamos ser), nós podemos estar errados. Somos fundamentalmente falhos e passíveis de erro.

Pessoas inteligentes normalmente serão capazes de rebater críticas, já que estão convencidas de que estão corretas, e, devido às suas capacidades de raciocínio, provavelmente podem argumentar melhor sobre a maior parte das críticas, mesmo que as críticas estejam certas. Será particularmente difícil de debater com pessoas inteligentes se a crítica for feita com letras maiúsculas, com escrita errada, gramática mais pobre e comparações a Hitler, psicopatas e terroristas. Daí o motivo de por que trollar na internet não ajuda e pode piorar as coisas: já é difícil tentar convencer uma pessoa inteligente de que ela está errada de forma razoável e com provas; se ela vir o seu opositor como um Neardenthal raivoso dando porrada no teclado, só vai ficar ainda mais convencida de suas próprias opiniões.

A grande ironia é que, se pessoas inteligentes são boas em apontar as falhas dos outros, mas terríveis em reconhecer as suas próprias, mesmo quando quando essas falhas estão sendo apontadas para delas, o projeto inteiro parece não levar a lugar algum! Eu não tenho muita certeza de que seja assim (não estaria escrevendo se não tivesse uma boa razão para pensar o contrário). Pessoas inteligentes em algum momento vão ficar sem ação, considerando que se você tiver a vantagem de ser inteligente e estar certo, com provas irrefutáveis, poderá causar muito dano na camada de confirmação interna de ideias delas (a que diz o quanto um indivíduo está certo, mesmo que de forma inconsistente).

Esquecemos que aprender uma coisa nova normalmente implica em desaprender condicionamentos que provavelmente nasceram todos conosco: por isso, (1) se nós somos inteligentes e (2) não fomos desafiados em momentos vulneráveis – digamos, quando somos mais jovens – a respeito de certas visões arraigadas que muitos de nós temos, então quando os contra-argumentos forem apresentados, as crenças ruins estarão tão bem amarradas devido à nossa pretensa esperteza que nós simplesmente não daremos mais conta de tecer uma trama nova. A nossa crença anterior, com todos os seus nós e laços, deve ser ela mesma desfeita cuidadosamente.

Isso mostra, como Leher apontou em um texto anterior, por que muita gente não acredita em ciência, especialmente com o que foi mostrado pela pesquisa Gallup sobre criacionismo e evolução: 46% dos pesquisados afirmaram acreditar em criacionismo em 1982 e 44% pensaram o mesmo na pesquisa mais recente. A ciência é, usando o termo de Lewis Wolpert, “não-natural”: o senso comum “jamais dará uma compreensão da natureza da ciência. Ideias científicas são, com raras exceções, contra-intuitivas... em segundo lugar, fazer ciência demanda uma percepção consciente das armadilhas do pensamento natural... provérbios populares são bem pouco confiáveis.” A visão científica de assuntos tipo “de onde nós viemos?” não somente é contra-intuitiva, mesmo quando apresentada com provas que a apóiam: as pessoas devem superar suas visões antigas e profundamente arraigadas. Se essas visões estiverem entrincheiradas ainda por cima com as capacidades de uma pessoa inteligente, não há dúvidas de que isso vai tornar o trabalho mais difícil – ao invés de mais fácil.

Entretanto, repito, isso não deve nos abater em ainda tentar convencer pessoas, mesmo as inteligentes. Inteligência não faz com que você esteja certo: em muitos casos, ela só faz você ficar melhor em achar que está certo.

* * *

Notas: 

1. Este texto é uma tradução. Originalmente foi publicado no BigThink. Nós acreditamos ser um conteúdo do caralho e por isso pedimos autorização para traduzir e publicar.

2.Jonah Lehrer, citado no primeiro parágrafo deste texto, é um belo personagem e argumento: o jovem e inteligente escritor teve sucesso o bastante para ser contratado pela prestigiadíssima revista The New Yorker, mas perdeu o emprego menos de dois meses depois. O motivo? Na ânsia de ser articulado e incisivo em seu livro Imagine: How Creativity Works, Lehrer cometeu auto-plágio e chegou ao extremo de descontextualizar e simplesmente inventar frases que atribuiu a Bob Dylan. Um estudioso do artista confrontou Lehrer, e este, sem argumentos, teve que admitir as mentiras. O escândalo não apenas custou o seu recém-adquirido emprego, como também causou a retirada do seu livro das lojas, e investigação dos que havia publicado anteriormente.


publicado em 13 de Agosto de 2012, 09:04
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Tauriq Moosa

Tutor de ética, bioética e pensamento crítico na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, Tauriq Moosa já publicou ensaios e artigos sobre ética abordando questões como expressão livre, o ato de matar, sex0 e religião na vida pública. Participou do documentário Tutu Talks, da BBC, no qual discutiu religião com o Arcebispo Desmond Tutu, e é fã de quadrinhos. Escreve regularmente para o BigThink.


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