Palmas para o Sol

Uma das coisas que me obrigo a fazer pelo menos uma vez por verão é ir até o Rio de Janeiro. A cidade dispensa comentários, e é sempre bom encontrar meus grandes amigos cariocas, que ajudam a sustentar a acalorada, gratuita e muito necessária rivalidade entre paulistas e cariocas.

Desta vez, fui convidado por uma amiga para assistir ao pôr-do-Sol no Arpoador. Lá, as pessoas se sentam em pedras e assistem o belo final de dia. A princípio, achei a ideia bem legal. Um certo clima de romance ajudaria em meus planos com aquela amiga.

Entretanto, no minuto em que o Sol se pôs me deparei com uma situação que, para mim, era estranha. Foi só o Sol ensaiar seu sumiço para que todos se levantassem e aplaudissem a saída do ''astro rei''. As palmas eram um tanto exaltadas, gritos eram acompanhados por assovios daqueles bem altos, que meros mortais, como eu e você nunca conseguiremos executar.

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Confesso que fiquei encabulado, não sei se por mim, que não estava tão extasiado com tudo aquilo, ou pelo Sol, que queria sair tranquilo, à francesa, e acabou descoberto por uma plateia eufórica. Vendo tudo aquilo acontecer, foi inevitável pensar: que tipo de pessoa bate palma para o pôr-do-Sol?

Não sei se foi curiosidade, ou o meu teor etílico naquele momento, mas fiz disso um objetivo para aquele começo de noite, um estudo de caso, se preferir. Conversei com algumas daquelas pessoas e descobri peculiaridades sobre os seres humanos que aplaudem um pôr-do-Sol.

Além de aplaudir fenômenos cotidianos da natureza, essas pessoas também costumam dizer que entendem toda a obra de Arnaldo Antunes e, quem diria, a chamam de genial. Elas costumam andar com aqueles colchõezinhos de ioga pelas ruas e frequentar saraus realizados em sebos que você provavelmente desconhece. Bebem o leite de soja que você detesta e nos dias mais especiais tomam Taffman E, também conhecido por nós, meros mortais, como o primo feio do Yakult.

Admirar o estilo de vida do Serguei e achar tudo que tem tricô bonito também são itens importantes para se reconhecer essa espécie que, acreditem ou não, encontra-se em extinção.

Acredite, esse cara fará 80 anos em 2013

Depois de um estudo abalizado, acompanhado de mais algumas doses de vodka quente, percebi que era eu o estranho no meio daquele ninho, e que eles poderiam achar excêntricas as minhas alegrias, como um copo de cerveja gelada no verão, um whisky com os amigos ao som de Foo Fighters, ou uma partida de futebol (sim, não espere detalhes, qualquer partida de futebol serve!).

Pensando dessa forma, entendi a euforia daquelas pessoas, me envolvi com todo o cerimonial e, sem nenhum pudor ou vergonha, levantei-me e aplaudi o Sol com todas as minhas forças.

O problema é que o Sol já tinha ido embora e, provavelmente, a magia do momento também. E tudo o que me restou foram os gritos de "Senta aê, bêbado maluco!”.


publicado em 01 de Abril de 2011, 06:53
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Luiz Gallo

Filho do seu Walter e da dona Leni, Luiz Gallo (@luiz_gallo) é jornalista, roteirista, odeia pés e não dispensa uma cerveja gelada num barzinho de esquina. Aqui no PdH dispara textos na série "Entre umas e outras".


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