Fora da estrada: velocidade com terra, barro e lama

Quando os primeiros raios de Sol atingem estradas de terra, muitos profissionais que trabalham com a lida no campo já estão acordados. Cruzam barro, lama, aclives e declives de terra traiçoeira. A paisagem compensa. Pradarias, gado à vista até onde o horizonte atinge, areia ou sertão árido sem fim, tanto faz, o que importa é que para alguns nem todos os caminhos da vida são pavimentados com asfalto.

Há aqueles que dirigem automóveis nesses lugares. Sabem que seus carros possuem limitações e que não irão transpor determinados obstáculos naturais. Admiro também o pessoal da escola antiga que, em meados de 2010, ainda montam um cavalo.

Carro x Cavalo

Cavalos não possuem maiores limitações quanto ao ângulo de subida em aclives e declives, cavalos afundam as patas na lama mas possuem inteligência suficiente para trilharem seu caminho para fora do atoleiro. Em muitas situações, cavalos passam por lugares que nenhum veículo motorizado terrestre passaria. Digo, quase nenhum.

"Relaxa, querida, você estaria pior se estivesse em cima de um cavalo."

Certa vez, estava assistindo ao The Best Jump, evento em que cavaleiros demonstram toda sua perícia em hipismo. Uma das atrações do espetáculo era a competição “homem x máquina”. O desafio consistia em construir uma pista de terra com obstáculos variados em que um cavalo e um carro travariam uma batalha pelo melhor tempo de percurso. Edição a edição, ora o animal vence, ora a máquina é ganhadora.

Não é fácil vencer o cavalo. Nas curvas o carro desliza de lado, nos atoleiros a experiência ajuda a não perder tração, nas rampas... bem, suspensão boa faz a diferença. Enfim, não é fácil.

Dirigir um automóvel em estradas de terra exige técnicas de condução completamente diferentes em relação às que utilizamos todos os dias no asfalto. No entanto, o que é necessidade para uns pode ser a diversão de outros. Vencer os obstáculos naturais, na maioria das vezes criados pela chuva e erosão, pode ser um desafio extremamente prazeroso de se superar. Dirigir sob trilhas de barro e lama, esquecidas pelo departamento de trânsito e pela civilização, requer cuidado especial para se evitar que o equipamento seja danificado ou que a diversão desapareça no primeiro atoleiro.

Rally: areia, gelo, barro, pedra, venha o que vier.

Cruzar de carro estradas de terra em condições deploráveis pode definitivamente se tornar um martírio. Contudo, como eu disse, quanto mais difícil for, mais divertido é para o entusiasta de off-road. Traduzindo para o português, off-road ou "fora de estrada" é a categoria dos automóveis criados especificamente para transpor obstáculos impostos pela natureza em estradas não pavimentadas.

O off-road motorizado consagrou-se como um esporte há mais de meio século quando se teve notícia das primeiras competições que visavam cruzar campos de lama, gelo ou alagamentos, no menor tempo possível. Surgiram daí os ralis, competições automobilísticas profissionais em que automóveis percorrem de montanhas a desertos para testarem os limites do piloto e a confiabilidade do veículo.

A propósito, já contamos aqui no PapodeHomem a história de alguns dos mais perigosos ralis que se têm notícia: o Grupo B, o Paris-Dakar e o Rally dos Sertões.

"Eu to vendo a estrada daqui, tem certeza que vai pelas pedras?"

Obter sucesso num rally não se resume a pisar fundo e conhecer condução em estradas irregulares como ninguém. Além de modificações veiculares extensas, que podem ser necessárias num rally profissional, outra figura entra em cena: o navegador. O navegador é o lobo solitário que estuda cartas topográficas enquanto o piloto descansa e dorme. O navegador é quem diz por onde ir, para onde ir, em que velocidade dirigir, onde frear e onde acelerar.

Um piloto mediano pode obter sucesso com um navegador excepcional, porém dificilmente um piloto incrível obterá sucesso com um navegador que o conduz para o lugar errado.

Por outro lado, nem todos os apaixonados por barro querem cruzar desertos e sertões em velocidades próximas dos 200 km/h. Muitos almejam somente transpor aquela trilha que em um primeiro momento veículo nenhum parece ser capaz de fazê-lo. Para isso, contam não somente com automóveis construídos para a prática de off-road, mas também extensamente modificados para vencer todo o tipo de obstáculo fora de estrada.

No Brasil, existem diferentes tipos de apaixonados pelos esportes a motor na terra. Há aqueles que possuem condições de investir alto em veículos todo-terreno, que com a configuração de fábrica já são capazes de passarem pela grande maioria das trilhas sem dar sustos. Quando esse perfil de trilheiro toma gosto pela brincadeira, não tarda a iniciar alterações agressivas em seu conjunto mecânico e a se inscrever em campeonatos amadores de off-road. Essas competições são portas de entrada para outras muito mais profissionais, a exemplo do próprio Rally dos Sertões.

Daí pra frente, a velocidade dos veículos off-road na terra só não é maior do a que a velocidade em que o hobby se torna coisa séria.

Paulista Off-Road 2009.

Carros especiais para rally

Poucos consumidores sabem, mas há no Brasil diversas montadoras que comercializam seus automóveis de linha comuns em versões especiais para Rally.

Não estou falando dos carros estilizados com estribos e adesivos nas laterais. São edições especiais, não homologadas para uso na rua, com gaiola de proteção interna, peso aliviado, interior desprovido de acessórios de conforto, ajuste especial de suspensão, pimenta no motor e pneus específicos para terreno off-road. Basta ir até a concessionária e solicitar uma dessas versões especiais que são fabricadas sob encomenda.

Surpreendentemente, o valor desses automóveis é bastante convidativo e na maior parte das vezes inferior ao de suas versões completas com ar-condicionado, vidros elétricos e acabamento interno completo. Uma vez que esses veículos de competição não podem trafegar nas ruas, as próprias montadoras organizam eventos off-road para integrar e confraternizar seus clientes entusiastas.

A diversão dos jipeiros

Preconceitos à parte, outra peculiar tribo de apaixonados por lama são os famosos jipeiros. Com um investimento não necessariamente alto, é possível adquirir um Jipe Willys da década de 50 e, sem muitas alterações, logo partir para a lama.

Falo em preconceito, pois entre grupos formados por praticantes de Rally que investem alto em seus carros, jipeiros podem ser mal vistos devido a sua pré-disposição para o bom humor. A turma do Willys costuma não levar a brincadeira muito a sério. Às vezes fazem bagunça na lama, ignoram regras e competições, atolam e desatolam bastante, mas principalmente se divertem muito. É comum encontrarmos irreverentes caroneiros despreocupados com a segurança dependurados na gaiola dos jipes e bebendo muita cerveja.

Engraçados ou não, os jipeiros precisam se preocupar com alguns itens de segurança que não passam despercebidos por nenhum praticante de off-road, amador ou profissional. O praticante do esporte não pode esquecer que, quando se trata de velocidade e de situações de pouca estabilidade, acidentes podem ser fatais.

Antes de se aventurar na terra, é aconselhável receber instruções de condutores experientes que sabem pilotar em situações adversas. Assim como na estrada, cintos de segurança são mandatórios e podem ser o fator decisivo entre a vida e a morte.

Pneus especiais

Não é preciso recomendar manutenção impecável e alertar que barro e lama penetra por entre diversos componentes mecânicos de seu carro. É importante que após cada trilha seja feita uma revisão completa.

O pneu de um automóvel fora de estrada é completamente diferente de um pneu concebido para rodar exclusivamente em asfalto. Se na estrada pavimentada o que queremos é um pneu com maior contato com a superfície, na lama queremos um pneu com grandes sulcos que possam escoar água e terra molhada.

Jipeiros e outros entusiastas mais radicais costumam optar por pneus exclusivos para lama que, em contra-partida, apresentam aderência deficiente no asfalto. Embora muitos pilotos possuam automóveis off-road que quase nunca andam na rua, é prudente sugerir a opção de um pneu todo-terreno, desenvolvidos para extrair o melhor do desempenho tanto na terra e quanto no asfalto.

Iniciar-se na vida do off-road não é difícil. Todos conhecemos uma estrada de terra próxima de nossas cidades. O importante é reiterar que cuidado é necessário e que não é fácil controlar um automóvel em situações de baixíssima aderência.

Além de garantir que seu veículo está devidamente preparado, é necessário desenvolver habilidade para conduzi-lo nessas circunstâncias. Pessoalmente, aconselho integrar um clube de entusistas de off-road e acompanhá-los em algumas trilhas antes de enfrentar a lama por si só.

Não me culpe, porém, se após essas dicas seu carro precisar de uma lavagem minuciosa após cada final de semana.


publicado em 22 de Novembro de 2010, 13:09
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Rodrigo Almeida

Engenheiro, apaixonado pela vida e por qualquer coisa com um motor potente, nostálgico entusiasta de muitas daquelas boas coisas que já não mais se fazem como antigamente.


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