Será a bondade fisicamente bela?

A aparência não é o único fator que influencia quando você avalia a beleza de alguém

Uma das descobertas mais robustas da psicologia social é o estereótipo de que o belo é bom: as pessoas fisicamente atraentes são percebidas e tratadas mais positivamente do que as pessoas que não são atraentes [1]. Mas há um detalhe: já conheci pessoas atraentes que rapidamente deixaram de ser gatas(os) na hora que abriram a boca! E o oposto também é verdade, algumas pessoas são tão bondosas e maravilhosas que não se consegue não se sentir atraído por elas, independente de suas notas no hotornot.com.

O que me deixou me perguntando: já sei que o belo é muitas vezes percebido como bom, mas o bem também não seria belo? Digo, sei que somos uma cultura muito obcecada com a aparência, e a pesquisa mostra que as pessoas que inicialmente percebemos como fisicamente atraentes tendem a seguir um padrão muito previsível: seus traços são médios, são simétricos, e demonstram características dependentes de hormônios [2]. Mas coisas como o caráter e a bondade não estariam também ligadas a nossas percepções de quanto alguém é fisicamente atraente?

Temos então esse novo estudo feito por Yan Zhang e seus colegas. Os pesquisadores pediram que participantes chineses dessem notas a 60 fotografias de rostos chineses desconhecidos. Todas as fotografias foram retiradas do Google, e todas as faces tinham expressões emocionais neutras. Depois de duas semanas os participantes novamente deram notas para as fotos. Porém, desta vez, um grupo de participantes recebeu descrições das personalidades das pessoas nas fotos (por exemplo, honesta, honrada), e outro grupo de participantes recebeu descrições negativas de personalidade (por exemplo, malvada, cruel), e a um terceiro grupo não foi dada nenhuma informação sobre as pessoas nas fotos.

Durante a primeira rodada de notas, não houve diferenças significativas nas notas de beleza entre os três grupos. Mas depois da segunda rodada, o grupo a quem se dava descritores positivos deu em média notas maiores, e o grupo a quem se deu descrições negativas deu as notas mais baixas.

Estes resultados sugerem que ter uma personalidade desejável pode de fato ser um fator positivo quando julgamos a beleza física. Como os pesquisadores apontam, “Estes resultados indicam que a atividade psicológica interior está relacionada com as características físicas externas, e que um ser humano é uma entidade composta de psicologia e fisiologia.”

Mas este estudo talvez tenha sido muito artificial. Os mesmos resultados talvez não se repetissem com as pessoas que conhecemos bem. Há uma série de estudos realmente fascinantes conduzidos por Kevin Kniffin e David Sloan Wilson,  em que tratam dessa questão. Eles apontam haver razões evolucionárias explicando porque os traços de personalidade são capazes de informar nossas percepções da beleza física. Ainda que a beleza seja uma forma de avaliar saúde e forma física, não há motivo para que essa avaliação de saúde se dê apenas pelo aspecto físico. A avaliação da forma física de um parceiro social potencial pode ser influenciada tanto por traços físicos quanto por não físicos.

Em um dos estudos, os participantes deram notas para fotografias de colegas nos livros anuais de classe. Essas notas diziam respeito a beleza, familiaridade, respeito e apreciação. Os pesquisadores então pediram a estranhos (do mesmo sexo e mais ou menos da mesma idade) que nunca haviam conhecido as pessoas nas fotografias para darem notas para a beleza delas. De forma geral, quanto mais familiares, apreciadas e respeitadas eram as pessoas no livro de fotos, mais elas eram percebidas como atraentes. O efeito de traços não físicos na percepção da atração física era significativo para ambos os sexos.

Os pesquisadores deram então um exemplo bem interessante do efeito dessas características. Depois de uma participante particular completar as notas, os pesquisadores olharam para a foto do garoto que ela considerava menos fisicamente atraente. Para os pesquisadores, e para os estranhos que deram notas a esse rapaz, ele não parecia feio, mas bastante médio em termos de beleza física. Quando mostraram a ela a fotografia, e perguntaram por que ela havia dado uma nota tão baixa quanto a beleza, ela manifestou nojo enquanto explicava como aquele rapaz era uma pessoa horrível. Ela chegou a ficar fisicamente enojada pela imagem dele, ainda que sua personalidade horrível não tivesse nada a ver com suas características físicas. A percepção dessa mulher quanto a beleza física desse homem permanecia intensa mesmo 30 anos depois de ela o ter visto pela última vez!

Num segundo estudo, foi pedido aos participantes de um time de remo que depois de treinamento e competições ao longo do ano eles dessem nota a todos os outros participantes, nos seguintes critérios: talento, esforço, respeito, apreciação e beleza física. Os rapazes do time também receberam notas de aparência física de um grupo de estranhos com mais ou menos a mesma idade (a foto utilizada era do grupo todo).

Como no primeiro estudo, a percepção de beleza física de homens e mulheres era altamente influenciada por traços não físicos. As notas dadas por estranhos e as notas dadas pelos companheiros de time que tinham informações sobre os traços não físicos dos colegas também diferiram significativamente.

Num exemplo bem marcante os pesquisadores descrevem um participante masculino que era percebido como preguiçoso pelo time como o principal alvo de fofocas negativas. De fato todos os colegas o consideraram feio. Em contraste com esse rapaz, havia outro membro do time que os colegas consideravam muito esforçado, e que chegavam a indicar que poderia chegar às olimpíadas. Esse rapaz recebeu boas notas de beleza física de todo o resto do time. O mais interessante é que essa diferença enorme na percepção da beleza física entre os dos membros do time não se evidenciava nas notas daqueles que não conheciam nada das contribuições desses dois rapazes.

Num terceiro estudo, alunos de um curso de seis semanas de arqueologia deram notas uns aos outros no primeiro dia de aula. Essas notas avaliavam inteligência, familiaridade, esforço, apreciação e beleza física. Os mesmos alunos deram notas uma segunda vez nos últimos dias do curso, depois de trabalharem em conjunto por seis semanas num campo de escavação, cinco dias por semana, 8 horas por dia. Consistente com os achados dos dois primeiros estudos, os traços não físicos (especialmente o quanto apreciavam o colega) contribuíram para as percepções finais de beleza física muito além dos efeitos das impressões iniciais.

No primeiro dia de aula uma mulher recebeu dos colegas uma nota abaixo da média (3,25) em termos de sua beleza. Porém essa mesma mulher acabou sendo muito popular, bastante apreciada por todos, e era um membro muito esforçado do grupo. Surpreendentemente essa mulher subiu de uma média 3,25 no primeiro dia para uma média 7.00 no último dia de aula! A nota de sua beleza física aumentou um bocado, e ela supostamente não fez nada para alterar sua aparência física.

Estes resultados sugerem que algumas vezes nossa reação instintiva à aparência pode ser suplantada, e algumas vezes isso ocorre sem grande esforço. Tudo que pode ser necessário é nos familiarizarmos mais com a pessoa. Como os pesquisadores apontam, “Entre as pessoas que conhecem e interagem umas com as outras, a percepção de beleza física ocorre principalmente em termos de traços que não podem ser detectados apenas na aparência, seja através de fotografias ou mesmo de observar a pessoa antes de formar um relacionamento.”

Concordo com os pesquisadores que deveríamos ser particularmente cuidadosos em embasar a noção de beleza física apenas em notas que estranhos dão para fotografias, ou mesmo em primeiras impressões, sem sequer conhecer alguma coisa sobre o caráter da pessoa. Mas gosto especialmente da dica de beleza dada pelos pesquisadores: “Se você quiser ficar mais bonito, valorize-se como um parceiro social.”

Sei que essa dica de beleza não é o que normalmente se espera, mas os resultados destes estudos sugerem que se você quiser melhorar sua beleza, fortalecer o conteúdo do caráter pode ser a coisa mais efetiva a fazer.

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Nota: Partes deste artigo foram retiradas de um artigo mais antigo publicado no Psychology Today.

[1] As pessoas até ativam as mesmas áreas em seus cérebros quando fazem juízos sobre a beleza de rostos ou ao fazer juízos de bondade em ações hipotéticas.

[2] Para mais informações sobre os fatores não físicos que influenciam a beleza física, veja “Mating Intelligence Unleashed: The Role of the Mind in Sex, Dating, and Love” (“Liberando a inteligência do acasalamento: O Papel da Mente no sexo, no namoro e no amor”), escrito em coautoria com Glenn Geher.

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Esse texto foi originalmente publicado na revista Scientific American e traduzido sob autorização do autor.


publicado em 17 de Dezembro de 2014, 20:51
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Scott Barry Kaufman

Diretor Científico do The Imagination Institute no Centro de Psicologia Positiva na Universidade da Pensilvânia. Siga @sbkaufman no Twitter.


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