Simone de Beauvoir | Mulheres que você deveria conhecer #10

Ninguém nasce conhecendo a história dela: torna-se um conhecedor.

A gente sempre tem uma frase de efeito de alguém famoso pra citar. Na mesa de bar, quando o amigo vai dar uma de esperto e você não quer deixar barato, na discussão sobre política com aquele professor novo da faculdade, no primeiro encontro, pra dar um ar de sabido.

Nessas engomadas de discurso, ficam de fora justamente as histórias dos criadores das pérolas. Simone de Beauvoir também faz parte das estatísticas de escritores célebres marcados por uma frase, mas a vida dela foi muito além do famoso "Não se nasce mulher, torna-se".

Infância 

Essa mulher já começou herdando um nome de tirar o fôlego; filha de Georges Bertrand de Beauvoir e Françoise Brasseur, ambos com a vida bem estruturada e vindos de família tradicional, Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir era a mais velha de duas irmãs. Pra combinar com o nome quilométrico, a vida dela foi uma estrada cheia de altos e baixos.

No dia 9 de janeiro de 1908, na França, nascia uma das maiores defensoras da emancipação feminina do século 20. 

Foi uma criança de poucos amigos e frequentou um colégio católico até os 17 anos, quando passou no vestibular para matemática (isso mesmo) no Instituto Católico de Paris. Também estudou literatura no colégio Sainte-Marie de Neuilly e filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne), onde ela se tornou a pessoa mais jovem a ser aprovada no concurso máximo da carreira do magistério, o "agrégation".

Depois de algum tempo sua família faliu. O pai colocou a educação das filhas como um pilar essencial, já que provavelmente elas não conseguiriam um casamento por falta de dote. Com argumentos bons ou não, o fato é que essa decisão fez com que Simone tivesse uma ótima instrução, além de ter colocado diversas figuras carimbadas no seu caminho. 

Sartre

Uma dessas figuras foi Jean-Paul Sartre, filósofo francês representante do existencialismo que conheceu Simone em 1929, época da grande depressão nos EUA. 

Se o ano não foi bom para a bolsa de valores de Nova York, não se pode dizer o mesmo para ele e Beauvoir: depois de se conhecerem, passaram a cultivar um relacionamento amoroso que chegou a durar 50 anos.

Eles quebravam com muito do que era socialmente imposto na época, e uma dessas coisas estava no fato de que os dois mantinham uma relação aberta e sem amarras, num tempo em que eram negados inúmeros direitos mínimos às mulheres. Não tiveram filhos e nem se casaram; segundo o que se sabe, ele chegou a fazer o pedido, mas Simone negou.

Em seu livro A cerimônia do adeus, a filósofa conta os últimos anos de vida do companheiro, tendo sido essa a única obra não lida por Sartre.

"Sua morte nos separa. A minha morte não nos reunirá. São os fatos; já é maravilhoso que nossas vidas tenham podido se harmonizar por tanto tempo."

Ela não era feminista (ainda)

Muito conhecida pela autoria de O segundo sexo, publicado em 1949, Beauvoir não chegava a se assumir feminista quando escreveu o livro; foi se reconhecendo no movimento enquanto construía a obra, uma vez que refletiu exaustivamente sobre os privilégios de gênero.

Quando reparava nas pessoas que a cercavam, a filósofa via uma legião de mulheres descaracterizadas, domesticadas e destinadas aos cuidados do lar e à servidão aos maridos. Por outro lado, essas imposições sociais não passavam nem perto de serem propostas aos homens.

Nessa entrevista, Simone faz um apanhado geral sobre todas as razões que a levaram a se declarar feminista, além de contar muito sobre a sua história e a trajetória com Sartre. O mais impactante é que muitas das situações de exploração citadas por ela continuam ocorrendo; é como se esse vídeo tivesse sido gravado semana passada.  

Em 1958, escreveu um livro intitulado Memórias de uma moça bem comportada, no qual narra seus temores acerca do destino que a aguardava, critica as imposições da burguesia e coloca suas opiniões contestadoras, além de contar sobre a morte precoce de uma das únicas amigas que teve, Elizabeth Mabille ("Zaza"), por ter se negado ao casamento.

Inconformada com o que presenciava, Simone não só se negou a trilhar o mesmo caminho das mulheres de sua geração, como quis influenciá-las a se rebelarem contra as situações exploratórias. Seus escritos passaram a inspirar o rompimento da lógica injusta programada pelos homens da época.​

​“Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto"

A ideia explorada por Simone de que os papéis aplicados às mulheres não eram biologicamente determinados, mas sim construídos e impostos pela sociedade, influenciou de forma profunda a chamada segunda onda do feminismo, que se propôs a desconstruir os padrões de gênero.

Viver nada mais é do que envelhecer

Beauvoir queria falar sobre sua vida quando escrevia, e era fatal que houvesse a discussão acerca das opressões sofridas. Mas contar sobre sua história também significou colocar em pauta a questão da velhice.

"Se não fostes feliz quando jovem, certamente que tens agora tempo para o ser”

Para ela, ganhar idade não significava se anular, parar de produzir ou de ir atrás dos sonhos. Nesse vídeo, a atriz Fernanda Montenegro recita um trecho de autoria de Simone, no qual a filósofa tratou do assunto de forma sensível e precisa. 

 

Beauvoir morreu aos 78 anos, em Paris, vítima de pneumonia.

Ela incentivou muitas mulheres a questionarem aquilo que era arquitetado e imposto, em um contexto no qual não lhes era dado valor algum.

Queria que houvesse suporte e união entre elas, e que vivessem de acordo com as próprias rédeas, trabalhando, possuindo suas coisas, arcando com seu sustento e sendo respeitadas.   

Você acha que ela estaria satisfeita com o que tá rolando nos dias de hoje?


publicado em 22 de Setembro de 2016, 03:02
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Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série Nossa História Invisível , é uma das idealizadoras do Papo de Mulher, coleciona memes no Facebook e horas perdidas no Instagram. Faz parte da equipe de conteúdo do Papo de Homem, odeia azeitona e adora lugares com sinuca (mesmo sem saber jogar).


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