Traição, perdão ou não e o que vem depois disso?

O conceito de traição é simples - quebra da confiança por uma ação consciente não combinada - e se você quebrou um combinado com outra pessoa de modo consciente, sabendo as condições da tratativa inicial, então você traiu, independente de suas razões, justificativas e explicações.

Somos humanos, sujeitos a erros, enganos, traições e muitas ações moralmente reprováveis, e atitudes assim podem trazer dor, sofrimento e angústia não só pela expectativa não atingida, mas pela quebra do vínculo de confiança. Neste texto te convido a pensar sobre o que vem depois de uma traição, de um perdão ou não e como se responsabilizar diante disso.

Primeiro de tudo - Meia verdade ou a verdade toda?

Independente de como a traição foi descoberta, as chances são grandes de que quem traiu conte apenas parte de toda a história, seja por priorizar a própria imagem tentando ter mais chances de perdão, ou então evitar mais sofrimento à pessoa traída. No entanto, se a pessoa traída não saber de toda a verdade e perdoar há sempre a chance de ela descobrir a verdade toda e o sofrimento se apresentar de maneira mais intensa.

Contar a verdade toda, mesmo que envolva sentimentos de vergonha, além de trazer mais possibilidades ao diálogo, ajuda os envolvidos a entenderem as razões da traição, e quais as responsabilidades de cada um nessa situação.

Contei - como agir depois disso?

É importante entender que ninguém é obrigado a ficar numa relação, nem a pessoa traída, tampouco quem traiu, por isso, antes de pensar em perdão é preciso refletir com honestidade sobre o que essa traição significa para a relação.

Às vezes a decisão sobre o perdão não vem de imediato, e é natural que a pessoa traída queira um tempo para pensar sobre a situação, os sentimentos envolvidos e até mesmo talvez conversar com alguém de confiança para desabafar, elaborar melhor a questão e por fim decidir.

Se você está esperando a resposta de alguém sobre o perdão, aqui vão algumas dicas:

-       Evite colocar um prazo - sentimentos, emoções, sofrimento não tem um cronograma ou relógio - sem pressão conseguimos pensar melhor;

-       Não exagere na presença ou ausência - sabemos que é difícil, mas quando estamos arrependidos por uma situação que nos constrange tendemos a perder a naturalidade, nos escondendo ou sendo muito presentes para tentar compensar - então tente pensar como se mostrar disponível sem invadir o espaço do outro; 

-       Use esse tempo para avaliar os próprios sentimentos e emoções para não se comprometer com comportamentos e atitudes que não vão se sustentar a longo prazo, principalmente falsas promessas ou abrir mão da privacidade;

-       A autorização social diante da traição para os homens e o perdão imediato dos amigos podem dar uma falsa sensação de que a situação não é séria, por isso é importante entender que a situação não se trata sobre o que as pessoas fora da relação pensam, mas o que as pessoas na relação pensam e sentem.

-       Se houver uma exposição social da traição, ficar na defensiva e não assumir o acontecido tende a piorar a situação, pois na maioria das vezes as pessoas traídas querem o reconhecimento e a reparação do erro.

Culpa versus Responsabilidade

Somos seres sociais que necessitam de pertencimento nas relações e quando isso é quebrado uma parte importante de nossa vida fica comprometida - a capacidade de confiar.

Falar sobre o perdão, independente de as pessoas continuarem juntas ou não, envolve compreender a diferença de culpa e de responsabilidade, e é natural que a pessoa traída culpe ou responsabilize quem traiu por toda a dor e sofrimento instalado nessa situação. No entanto, é importante conversar com transparência sobre as razões da traição para que se compreenda os sentimentos e pensamentos de cada pessoa envolvida, e assim se consiga entender quais  as questões alimentam esse tipo de comportamento (desde combinamos que não são sustentáveis, até mesmo emoções não compreendidas).

Se o casal decidir continuar o relacionamento, é importante que se compreenda que assumir a responsabilidade envolve se comprometer com atitudes, comportamentos e mudanças para que a relação de confiança seja reparada e restabelecida, e não somente assumir a “culpa” do que foi feito.

Caso o rompimento seja a via de saída dessa situação é importante também pensar sobre os efeitos disso, principalmente a respeito da exposição, e do que é possível de retratação e reparação.

Responsabilidade emocional e afetiva após a traição

Sabemos que não é possível acionar um apagador de memória (tipo MIB - Homens de Preto), então é quase que certo que a pessoa traída vá em alguns momentos, se não em muitos, trazer para a conversa situações ou pessoas que lembram a situação da traição, ou então partir para a exposição social do acontecido.

É bastante comum os homens dissociarem a questão afetiva e a sexual nas traições (foi só sexo, não significou nada), no entanto o aspecto principal a ser analisado é justamente a confiança e o respeito ao combinado inicial que não foi respeitado.

A naturalização das traições cometidas por homens e a quase criminalização da traição das mulheres levam as pessoas a reagirem de formas distintas diante de uma traição, e por isso é importante pensar quais os efeitos do comportamento de quem traiu na resolução do conflito, pois responsabilidade envolve assumir a posição de reparação.

Quando perdoamos compreendemos que aquela situação foi isolada e que podemos voltar a construir o vínculo de confiança com aquela pessoa, no entanto todo processo leva tempo e por isso é tão comum a cena clássica:

O homem dizendo: Mas até quando você vai lembrar disso? Você já não disse que perdoou?

E a resposta óbvia da mulher: Perdoar não é esquecer!

Quando o casal não se compromete em estabelecer um diálogo contínuo sobre as fragilidades da relação com ações de reparação, a insegurança cresce e a desconfiança se instala levando a pessoa que foi traída a entrar em estado de alerta e muitas vezes a pressionar e enxergar “coisas onde não existe” e até mesmo se afastar emocionalmente “do nada”.

Por isso, ser responsável afetivamente nesse contexto significa comprometer-se com os sentimentos e emoções gerados pela traição na pessoa traída e não apenas seguir a vida como se nada tivesse acontecido. Fazer isso envolve repensar principalmente a comunicação entre o casal, e o que cada um ainda busca naquele relacionamento, refazer os combinados de acordo com o que cada um conseguir cumprir. 

Texto escrito por Dhieine Caminski  da @lacunapsi - Clínica de Saúde Mental

 


publicado em 27 de Janeiro de 2023, 18:29
Andrio jpeg

Andrio Robert

Mestre e doutorando em Educação no PPGE- UFPR. É pesquisador de corpo, gênero e masculinidades. Suas investigações estão inseridas na linha LICORES - Linguagem, Corpo e Estética na Educação, no grupo de pesquisa Labelit - Laboratório de Estudos em Educação, Linguagem e Teatralidades (UFPR/CNPq) e na Diálogos - Rede Internacional de Pesquisa.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura