Uma longa jornada contra a homofobia no futebol

Cada vez mais gente está apoiando a causa, mas de perto o problema parece ainda maior

Há uns dois ou três anos, o Brasil importou uma cultura mexicana para dentro dos estádios de futebol. A cada tiro de meta cobrado, uma bola é levantada e um preconceito fica exposto. No México, o grito de “puto” toda vez que o goleiro chuta vem sendo entoado há décadas. Há quem argumente que a palavra não tem origem preconceituosa na cultura mexicana, mas no Brasil, a adaptação para “bicha” não deixa dúvidas.

Parece que tudo começou com a torcida do Corinthians num jogo contra o São Paulo ainda em 2014. A cada vez que o goleiro rival - Rogério Ceni - cobrava um tiro de meta, o canto ecoava: “ooooooooh bicha!”. Se foi essa ou aquela torcida que começou, pouco importa. A verdade é que atualmente quase todas as torcidas dos grandes clubes brasileiros adquiriram o hábito que reforça o preconceito em relação a orientação sexual dentro do futebol. Inclusive a do São Paulo. Supostamente, a primeira vítima.

Ainda que pouco, o futebol conseguiu avançar em relação ao racismo, por exemplo. O episódio da torcida do Grêmio e o goleiro Aranha, na época no Santos, no ano passado parece ter sido um marco na história do futebol brasileiro. Como quem diz: ‘a partir de agora a palavra “macaco” não é mais aceitável nesse ambiente’. Mas se o caminho para banir o racismo do futebol parece estar começando a se desenhar, quando se trata de homofobia, estamos muito longe disso.

E tudo começa pelo Estatuto do Torcedor. No inciso V do Artigo 13º o texto especifica ações discriminatórias racistas e xenofóbicas, mas nada diz a respeito da orientação sexual, por exemplo. O simples fato de não citar atitudes homofóbicas como passíveis de punições abre precedente para que o ambiente dos estádios seja muito mais hostil a homossexuais - e com a condescendência das autoridades.

Mas não estamos falando apenas dos torcedores que deixaram de frequentar os estádios por considerá-los ambientes violentos e opressores. Também estamos falando dos próprios atletas.

Nesta semana, o ex-atacante francês Thierry Henry deu uma declaração afirmando que “já passou da hora de o futebol aceitar abertamente jogadores homossexuais”. Sua fala deu um novo impulso para que cada vez mais esportistas se sintam à vontade para assumir sua orientação sexual.

Mas enquanto observamos tentativas como a dos torcedores do time alemão St. Pauli, da federação alemã de futebol e dos jogadores do Arsenal, ainda esbarramos em atitudes lamentáveis nos gramados brasileiros.

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O exemplo dos cantos entoados pelas torcidas é só uma atualização de status. Afinal, quem não se lembra da polêmica que o atacante Emerson Sheik, na época no Corinthians, se envolveu depois de postar uma foto no Instagram dando selinho num amigo.

Além da enxurrada de comentários intolerantes nas redes sociais, um grupo de torcedores tirou um tempinho para fazer faixas e ir até a porta do Centro de Treinamento do time protestar contra a “viadagem” do jogador. A mensagem “Vai beijar a P.Q.P.” e “Aqui é lugar de homem”, ecoou muito mais do que a própria multa de R$ 20 mil que a torcida organizada responsável precisou pagar.

Tantos episódios só reforçam a necessidade de se discutir a questão. O esporte, este microcosmo que dá tantos exemplos de superação, determinação, força de vontade pode também ser motor de uma mudança de pensamento.

De qualquer maneira, ainda que o futebol (e o esporte de maneira geral) pensasse apenas em seus próprios interesses, avançar nesse sentido já seria um bom negócio.

Afinal de contas, abrir espaço para que milhões de pessoas novas se sintam envolvidas por essa cultura é ampliar e muito as possibilidades de negócio, de público e, porque não, de competição. Um ambiente em que cada vez mais pessoas se sintam à vontade para se expressar é naturalmente um ambiente mais competitivo.

Precisamos de mais iniciativas como a dos criadores de torcidas organizadas contra o preconceito nos estádios, mas acima de tudo, precisamos de mais respeito por parte dos héteros.

Na contramão de tudo isso, a grande maioria dos envolvidos prefere insistir neste ambiente conservador e preconceituoso. Ao que tudo indica, até que os torcedores e dirigentes passem a julgar apenas o mérito esportivo de seus atletas, ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Enquanto isso, o futebol, assim como tantas coisas na sociedade, continua sendo um privilégio e não um direito.


publicado em 30 de Outubro de 2015, 12:00
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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