Videogame e arte

Antes de começar a ler esse artigo, saiba que ele não tem a menor pretensão de definir o que é ou o que não é arte, nem mesmo apresentar uma lista definitiva de jogos “artísticos”. O objetivo é introduzir, pra quem não joga videogame com frequência, uma perspectiva sobre o assunto que possa levar esse leitor a dar uma chance aos jogos.

A lista se baseia no meu repertório pessoal de referências de jogos e, sendo assim, está limitada as minhas experiências com videogames. Fiquem a vontade em sugerir novos títulos nos comentários.

Videogame arte

A definição de videogames como uma forma de arte é muito controversa. Volta e meia a discussão vem à tona, proporcionando muita discórdia entre acadêmicos e nas mesas de bar. No começo do ano, duas notícias agitaram a comunidade gamer em torno do assunto e rendeu inúmeros artigos em sites especializados e até mesmo na grande mídia.

A primeira veio da terra do hambúrguer, quando o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, anunciou a incorporação de 14 jogos de videogame em seu acervo. Entre os jogos listados estavam Tetris, Pac Man, The Sims e Canabalt. A curadora do MoMA ainda pretende ampliar a coleção para um total de 40 jogos, adicionando títulos como Super Mario Bros. e Minecraft à coleção.

A curadora, Paola Antonelli, foi duramente criticada e recentemente palestrou a respeito do assunto em uma TED Talk.

Link TED | Qualquer curador que aparece em um TED Talk usando um pingente do Cthulhu no pescoço, merece meu respeito

A segunda notícia veio no dia 19 de fevereiro, quando perguntada se os videogames estariam inclusos no controverso programa Bolsa Cultura, do governo federal, a ministra Marta Suplicy teria declarado:

“Eu não acho que jogos digitais sejam cultura.”

Claro que isso gerou uma controvérsia para aqueles que adoram jogar videogame. Automaticamente, surge a pergunta: afinal, o que é arte?

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1 [mass noun] the expression or application of human creative skill and imagination, typically in a visual form such as painting or sculpture, producing works to be appreciated primarily for their beauty or emotional power[...]
 

A própria definição do conceito de arte é fruto de um intenso debate no mundo acadêmico e que vem se modificando ao longo da história. Assim como os games, outras formas de expressão já foram excluídas do status de arte.

O próprio cinema demorou a ser reconhecido, sob o argumento de que seria somente uma forma escapista de entretenimento ou por ser obra de um grupo de pessoas ao invés de um único autor. Esses mesmos argumentos são usados hoje pelos críticos mais veementes do videogame.

É fato que, assim como qualquer forma de arte, os games conseguem criar uma experiência interativa capaz de provocar reações emocionais e reflexivas. Além disso, muitos dos jogos são marcados por uma forte assinatura estética e estrutura narrativa capaz de contar as mais diversas histórias, muitas vezes de maneira até mais eficiente do que outras formas de arte.

Mas qual a real necessidade de definir os games como arte? O que realmente muda para os produtores e apreciadores?

Nada.

Talvez o que mude é como as pessoas os percebam. Para que isso aconteça, não é necessário que críticos definam games como arte, mas que as pessoas que normalmente menosprezam os "joguinhos" se permitam a oportunidade de serem surpreendidas por eles.

Games para não gamers

É com esse propósito que apresento a minha singela lista de 5 jogos que, de alguma forma, se aproximam de uma experiência estética ou narrativa capaz de estimular nossa sensibilidade de uma maneira mais profunda e elaborada.

São jogos que, além de serem uma ótima forma de entretenimento, podem ser uma experiência digna das mais variadas formas de arte criadas pelo macaco pelado. Com isso, pretendo introduzir para os que não tem o costume de jogar, alguns exemplos um pouco diferentes dos tradicionais jogos de tiro/futebol. Gêneros com os quais a maioria das pessoas está acostumada a associar os jogos eletrônicos.

Braid

Vamos começar com um jogo de plataforma, gênero tradicional dos jogos eletrônicos e o mesmo do famoso jogo de Super Nintendo, Super Mario Bros.

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Em Braid, o jogador controla um homem que procura reconstruir parte da memória de um relacionamento, enquanto procura salvar a sua princesa de um monstro.

O jogo conta com todos os elementos tradicionais de um jogo de plataforma, como o fato do personagem ter que transpor inimigos e obstáculos, por exemplo, pulando. Em Braid, existe um elemento adicional interessante que é o controle do tempo, permitindo que algumas ações sejam rebobinadas ou até mesmo fazendo o tempo parar.

Por que é arte?

Alem de subverter um gênero tradicional inserindo a capacidade do personagem manipular o tempo, o jogo possui uma narrativa misteriosa e cheia de nuances, aberta a múltiplas interpretações.

Ele usa elementos da jogabilidade como analogias para a história quase fabular de um relacionamento vacilante, tendo como destaque uma reviravolta no fim do jogo que põe em xeque a nossa percepção da narrativa.

Por fim, o jogo possui uma bela direção de arte, lembrando as pinceladas e o estilo de obras impressionistas.

Gone Home

Gone Homeé um dos jogos mais criativos e emocionantes já lançados nos últimos anos. Nele, você assume o comando de Kaitlin, uma garota que retorna de uma longa viagem em uma noite chuvosa, só para encontrar sua casa vazia e sem nenhum de seus familiares para recebê-la.

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Nesse jogo de exploração, o jogador vai desvendando aos poucos a rotina dessa família e o que levou a irmã de Kaitlin, Samantha, assim como os demais membros da família a deixar casa.

Por que é arte?

Conforme o jogador vai explorando a casa dos Greenbriar, é quase inevitável não ter uma sensação de invasão de privacidade. O jogo conta a história dessa família por meio dos detalhes e vestígios que cada membro deixou para trás. Um bilhete na geladeira, uma fita VHS no aparelho de TV, entre inúmeros outros objetos, atuam como uma pequena peça no quebra-cabeça para contar essa história.

Isso tudo torna Gone Home uma obra prima da narrativa não-linear.

Grim Fandango

Este jogo é um clássico da era dos "point and click", jogos de computador em que o jogador tem que, basicamente, clicar em elementos da tela que levam a história adiante.

Muitos de vocês podem se lembrar de outro famoso point and click criado pela mesma equipe de Grim Fandango, o clássico Full Throttle.

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Por que é arte?

Apesar de antigo, o jogo ainda tem uma arte incrível. Grim Fandango mistura inúmeras referências para contar uma história bem escrita e cheia de personagens cativantes, digna de um bom filme noir. Além de ter uma trilha que mistura bebop e música tradicional mexicana.

Shadow of Colossus

Definitivamente um dos melhores jogos já feitos. Shadow of Colossus é um épico mítico, com a riqueza de significados de uma tragédia grega.

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No jogo, você controla um rapaz que, em busca de trazer sua amada de volta a vida, tem que enfrentar e matar 16 colossus, enormes criaturas de pedra que vivem espalhadas por diversas ruínas em um vale mítico.

Por que é arte?

Além da simplicidade conceitual de se fazer um jogo que basicamente consiste em enfrentar um boss atrás do outro, Shadow of Colossus lida com o tema da aceitação da perda e do poder destrutivo da incapacidade de lidar com a morte.

Além disso, o jogo é quase inteiramente não verbal e bastante lacônico. O vínculo criado com os poucos elementos (sua égua, espada e personagem principal), é conseguido somente pela jogabilidade e pelas mudanças que as ações causam no jogo.

Uma verdadeira obra de arte na junção do gamedesign com o storytelling.

Journey

Se, de todos os jogos já feitos, somente um pudesse ser considerado uma obra de arte, para mim esse seria o Journey.

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Por que é arte?

Eu poderia fazer um texto inteiro só sobre esse jogo, já que ele é uma das peças de mídia que mais me impactaram nos últimos tempos.

Journey é uma verdadeira jornada espiritual de transcendência. Nele, nós controlamos uma espécie de peregrino em sua caminhada pelo deserto rumo a uma montanha. No caminho, podemos encontrar com outros jogadores/peregrinos com os quais só é possível interagir apor meio de ações e de um tom musical único a cada peregrino.

O jogo possui uma arte primorosa, cenários belíssimos e uma trilha sonora tocante, mas é o gameplay que faz desse jogo uma obra prima. Em Journey, não há uma linha de diálogo, uma frase escrita sequer. A forma como experimentamos a jornada e a interação com outros jogadores são fundamentais para a compreensão do significado do jogo.

Se, de todos os jogos citados, você puder jogar somente um, jogue esse jogo.

Você não vai se arrepender.

Mensão Honrosa ao Final Fantasy VII

Final Fantasy VII foi lançado em 1998 para o Playstation e é considerado por muitos o Cidadão Kane dos jogos eletrônicos.

Apesar de não ser um jogo muito indicado para quem não é gamer, esse jogo precisava estar nessa lista pelo grande impacto cultural que ele causou, tanto na indústria dos games como no mundo todo.

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Por que é arte?

Apesar de, hoje, sua narrativa parecer um pouco boba em relação a títulos mais maduros, FFVII foi um dos primeiros jogos a ter uma trama mais extensa, com múltiplos enredos e personagens marcantes, sendo responsável por uma das cenas mais emocionantes do mundo dos games.

Mas o maior destaque do jogo vai para trilha brilhante de Nobuo Uematsu, criador de alguns dos temas mais marcantes da história dos games. Se você não tiver paciência para jogar FFVII, ao menos vale a pena ouvir algumas das trilhas compostas por Uematsu.

Link YouTube | um dos fatores que me motivaram a gostar de música clássica foram as trilhas desse cara

Por fim, existem muitos outros jogos que eu poderia citar aqui, jogos como Dear Esther, Okami, Zelda Ocarina of Time, Portal, Katamari Damacy, Last of Us, entre muitos outros. Mas, de começo, qualquer um dos citados na lista já são um bom começo pra quem quer ampliar sua percepção em relação aos jogos eletrônicos e a nova arte criada pelo ser humano.


publicado em 06 de Novembro de 2013, 08:00
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Kaluã Leite

Kaluã é formado em Audiovisual e um interessado em filosofia, teologia e nerdices em geral. Aspirante a cineasta, é diretor na Monstro Filmes, e é o responsável por dirigir alguns dos "Bom Dia" do PdH.


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