Você continuaria no seu emprego se ganhasse na loteria?

“Você continuaria neste emprego se ganhasse na loteria?” Essa é uma pergunta que eu comecei a fazer aos jovens e promissores talentos da Enablers Network.

Me ocorreu de começar a fazer isso depois de ler um artigo no jornal O Globo: todos os funcionários do restaurante Cervantes, localizado em um luxuoso bairro do Rio de Janeiro, simplesmente não vieram trabalhar um dia e anunciaram que estavam se demitindo. O motivo? Cada um deles ganhou R$ 635.000 em uma aposta coletiva na loteria.

O que eu faria no lugar deles? O que meus sócios fariam, o que nossos parceiros mais jovens fariam, o que você faria se um tesouro inesperado como esse caísse no seu colo num belo dia? Será que eles, você ou eu continuaríamos no nosso trabalho ou sairíamos correndo?

Seu passaporte para não trabalhar mais?

Há não muito tempo, eu comentava sobre isso com um participante brasileiro de um workshop de marketing estratégico que conduzíamos com nossos parceiros da StratX. Ele me relembrou a poderosa metáfora das escolas de samba:


  • Milhares de pessoas trabalhando durante o ano inteiro, a grande maioria sem receber nada, apenas pelo orgulho de participar do desfile de Carnaval sob as cores da sua escola.

  • De 4 a 6 mil pessoas dando o melhor de si enquanto se apresentam em conjunto pela primeira vez durante o desfile (as escolas de samba são tão grandes que não conseguem achar um lugar onde as 6.000 pessoas possam ensaiar juntas).

  • A avaliação é sem dó: todas as escolas começam com uma pontuação máxima (270, pelo que me lembro), e apenas perdem pontos a cada pequena imperfeição. Os olhos dos juízes estão julgando cada um dos 6.000 participantes na esperança de achar motivos para baixar a pontuação. Há alguns anos, uma escola perdeu o título simplesmente porque um dos seus 4.000 esqueceu de tirar o seu relógio de pulso em um carro alegórico baseado na Roma antiga...

  • Para piorar as coisas, não são apenas as pessoas que ensaiaram o ano todo que precisam estar perfeitas no desfile: elas ainda precisam integrar estrangeiros ricos, alguns deles totalmente alheios ao espírito da escola de samba, ou mesmo bêbados (mas eles pagam um preço alto para estar ali, e esse dinheiro ajuda com os gastos da escola).

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Será que os 20 garçons que abandonaram seus empregos sem aviso prévio fazem parte daqueles que dedicam todo o seu tempo livre sem nenhuma compensação financeira à sua paixão e orgulho de fazer parte do carnaval? Se não são, poderiam ser – afinal, moram no mesmo Rio de Janeiro. O que podemos aprender aqui, como líderes?


  • Dar um emprego não é o suficiente. Nós precisamos inspirar nas pessoas um senso de propósito superior. Do nada, uma colega brasileira chamada Carmen Migueles quase começou a chorar de emoção há alguns meses, quando estávamos trabalhando para uma empresa da área química. Depois de alguma discussão ela havia entendido que aquelas pessoas estavam, mais do que simplesmente “em um emprego ligado à área química”, potencialmente resolvendo o problema da fome no Brasil, e quem sabe no mundo inteiro. Isso é liderar pelo Pathos.

  • “A clareza cria sua própria energia”, como gosta de dizer nosso parceiro Michael Newman. Os “bons tempos” nos quais as pessoas esperavam que alguém lhes dissesse exatamente o que fazer, e que depois elas pudessem fazer e ir embora, se foram. Hoje os líderes precisam criar clareza, significado e um senso de propriedade e autoria em conjunto se eles esperam engajar as sua equipe. Isso é liderar pelo Logos.

  • Como será que os garçons do Cervantes eram tratados para saírem assim de súbito? Os líderes criam ou destroem valores através do seus comportamentos. Isso é liderar pelo Ethos.

Um jovem parceiro nosso, a quem fiz a pergunta que inicia esse texto, acabou de me mandar a imagem abaixo como resposta. Eu achei comovente e desafiadora. Vou imprimir e deixar na minha mesa para lembrar que os meus colaboradores só ficarão por perto enquanto o nosso trabalho os preencher e os ajudar a alcançar os objetivos internos.

"Respeite-se o bastante para se afastar de qualquer coisa que não mais te serve, te faz crescer ou te traz felicidade"

Nota do editor: A Enablers é uma rede de consultoria em liderança cuja visão se alinha com a nossa. Este texto, originalmente publicado aqui, é uma tradução – e primeiro fruto de uma parceria que esperamos que se estenda.


publicado em 21 de Julho de 2012, 13:07
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Didier Marlier

Sócio-fundador da Enablers Network, professor, escritor e se autodenomina um belga-suíço anárquico. Atualmente, vive entre as pistas de esqui suíças e as praias ensolaradas da Bahia. É o sortudo marido da Cris e o pai orgulhoso do Betinho e Thaïs.


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