A importância de um restaurante na Nova Orleans pós-Katrina

Em meio à maior tragédia na história de uma cidade, a reabertura de um único restaurante pode fazer a diferença entre a esperança e o desespero.

A lenta recuperação pós-Katrina

Em agosto de 2005, a cidade de Nova Orleans foi devastada pelo furacão Katrina. Todos os seus um milhão e meio de habitantes foram forçados a evacuar a cidade e só puderam voltar mais de cinco semanas depois. Muitos preferiram não voltar nunca.

A recuperação foi lenta. Quando minha universidade, a maior empregadora de Nova Orleans, voltou a funcionar, cinco meses depois, a população dobrou. A linha de bonde só voltou a passar em frente a minha casa em 2008. Ficamos sem coleta regular de lixo e entrega regular de correio por quase um ano.

Enquanto isso, o ritmo da recuperação era dado pelas despedidas e pelos retornos.

Especialmente dos restaurantes e lanchonetes.

Uma cidade gastronômica

Nova Orleans talvez seja a única cidade do mundo que leva comida tão a sério quanto São Paulo.

Alguém confirmava que o Commander's Palace tal iria reabrir e todos celebravam: era um restaurante icônico e centenário, parte da história da cidade, indissociável de sua identidade. Sem Commander's Palace, não havia Nova Orleans.

Por outro lado, muitos estabelecimentos preferiam não reabrir. Os donos já estavam velhos e cansados, os prejuízos tinham sido muito altos, simplesmente não valia a pena.

Então, quando alguém confirmava que o Camellia Grill não iria reabrir, era um novo processo de luto, um pouco como saber da morte de um parente querido, de um irmão que não voltaria mais da guerra.

Comida é cultura, comida é identidade

Sei que esses nomes não querem dizer nada para vocês, leitores, mas tentem pensar em suas próprias cidades.

Imaginem se suas cidades sofressem catástrofes que colocassem em questão sua própria viabilidade enquanto cidades. Imaginem se vocês estivessem tristes, desanimados, sem esperanças. Imaginem se todo mundo que conhecesse tivesse perdido um ente querido ou todas as suas posses materiais, ou ambos.

Pra piorar, imaginem como seria triste nunca mais poder comer o acarajé de Dinha, o filé com abacaxi do Cervantes, o beirute do Frevo, o pão de queijo do Verdemar, o lombinho com queijo da Barranco.

Pois  bem. Quando o Camellia Grill, um típico diner norte-americano perto da minha casa, anunciou que não iria reabrir, os moradores não aceitaram. Começaram uma verdadeira campanha. Deixavam avisos, mensagens, fotos, post-its na fachada da lanchonete.

Todas as fotos desse post foram tiradas por mim, em setembro de 2006, mais de um ano depois do Katrina:

Poucos dias depois de eu tirar essas fotos, os donos cederam, anunciaram que o Camellia Grill voltaria e começaram as reformas.

O restaurante finalmente reabriu em abril de 2007, depois de vinte meses fechado.

Tem até artigo acadêmico explorando o significado sociocultural da reabertura do Camellia Grill para a identidade de Nova Orleans.

E, de fato, era o melhor hamburger com milkshake da cidade.

* * *

Para quem quiser saber mais, meu livro Liberal Libertário Libertino, à venda aqui pelo PapodeHomem, conta algumas das minhas histórias (e do meu poodle Oliver) durante o Katrina. Só R$20. Compra aí, tio.


publicado em 27 de Abril de 2013, 21:01
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Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha vídeo-biografia, me siga no facebook, assine minha newsletter.


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