A indústria de carros roubados que ninguém conhece

17:45h, 6 de Novembro de 2007

Chegou a hora de largar o trabalho e voltar pra casa. Aquela sensação gostosa de mais um final de dia é sempre muito boa.

Desci pelo elevador e saí da Companhia pensando em chegar em casa, tomar um bom banho e assistir algum filme na TV. Muita gente reclama, mas às vezes nada como curtir nossa rotina diária.

Vou em direção ao local onde estacionei o carro e em meio a pensamentos agradáveis... cadê meu carro???

carro-roubado
É uma sensação única. Unicamente ridícula.

Então pude sentir aquela sensação de vazio que todos descrevem quando têm o veículo furtado. O primeiro e clássico pensamento é: “Peraí! Será que eu estacionei aqui mesmo?

A ficha cai

Você se sente meio esquizofrênico e dá uma olhada ao redor, pois quem sabe o carro não está ali por perto? Nada. Então você fica lá, tentando fazer a reconstituição dos fatos desde que saiu de casa pela manhã até aceitar o inevitável. Seu veículo foi roubado! Ou melhor, furtado, tecnicamente falando.

De todas as maneiras que essa “subtração” ocorre, esta é a menos pior. Pelo menos, ninguém te leva para passear por caixas eletrônicos, nem te largam no meio da favela ou coisa pior. Mas convenhamos, é uma sensação extremamente desagradável, afinal aquele bem era SEU e alguém simplesmente tomou sem permissão ou aviso prévio.

Duro mesmo é ouvir das pessoas: “Tinha seguro? Então tudo bem, tá tudo certo. Isso acontece todo dia”. Eis a questão, caros amigos, o mal e velho conformismo brasileiro que faz com que nunca consigamos sair da merda dessa situação constrangedora.

Na tentativa de mudar um pouco isso e socializar minha indignação com outras pessoas, vamos raciocinar um pouquinho. Que fatos levaram ao furto de um veículo praticamente novo, de um modelo novo com apenas 6.500Km rodados? Assalto? Se eu fosse roubar um banco eu não usaria um carro popular para a fuga.

Vamos acompanhar os fatos

1 – Algum otário de pinto pequeno metido à piloto cidadão irresponsável ao volante, deu sopa para o azar e se envolveu num acidente, no qual após avaliação da seguradora teve seu veículo dado como irreparável, ou seja, PT (perda total). Esse tipo de figura é daquele que comentávamos no post da nossa querida Bárbara Franzin: O estranho mundo do automobilismo.

2 – A seguradora indeniza ou repõe o bem ao segurado e aquele veículo “porrado”, aquela sucata torna-se propriedade da seguradora.

3 – A seguradora vende esses veículos em leilões por preços extremamente baixos. Junto com o “pseudo carro” vai toda a documentação, ou seja, aquela “lata véia” ainda é um carro.

4 – O fulano que compra o veículo batido vai até um desmanche e discrimina as peças que necessita para a reparação do mesmo.

5 – O dono do desmanche entra em contato com o ladrão de carros e encomenda um veículo exatamente igual.

6 – O ladrão busca a “encomenda” nas ruas e furta ou rouba o carro de “algum Thiago” que dá o sangue o dia todo para entre outros compromissos, pagar as prestações do veículo.

7 – O ladrão recebe pelo serviço, o cara do desmanche recebe pelas peças e o dono do veículo batido repara o mesmo com as peças do carro roubado, vende e lucra um bom dinheiro.

8 – As pessoas ficam morrendo de medo e por isso fazem mais seguros.

9 – As seguradoras ficam rindo à toa, pois têm um monte de clientes e ainda descolam uma graninha com a venda dos carros batidos.

10 – O “Thiago genérico”, que não tem pinto pequeno, pois apenas é um motorista comum, que guia com cuidado, não é ladrão, nem trambiqueiro, nem dono de seguradora e “dá no coro” para pagar as prestações do carro é quem no final das contas se fode fica prejudicado.

Apesar de receber a indenização do seguro ele sempre perde. Sempre haverá um bom som no carro, um óculos escuro legal, cds ou outras coisas de valor econômico ou sentimental. Além disso tem a dor de cabeça de ficar um tempo a pé, tratar com seguradora, banco e depois, no momento de comprar outro carro ter que ficar indo de concessionária em concessionária pra chorar juros menores, para tentarem te enrolar, fazer de bobo, essas coisas todas.

ferro-velho
Cemitério de carros dos nossos avós? Na-na-não. Isso é uma indústria.

Não tem jeito. Até o playboy otário que porrou o carro cidadão que deu PT no carro se dá melhor, pois na maioria das vezes recupera os bens que estavam no interior do veículo.

Pois é, essa indústria do roubo de carros é terrível e o prejuízo acaba sempre sobrando para quem menos colaborou no esquema. O resto dos atores nesse teatro só ganham. Na verdade, nós vivemos num “paiseco” e temos o péssimo hábito de simplesmente não se indignar com certas coisas.

Nossa classe média pensa que vivemos na Finlândia, quando na verdade vivemos no Paraguai. Onde já se viu ser permitido vender carro com PT com documentação e tudo? Se deu PT, aquilo não é mais carro. Aquilo é lata e só. No máximo pode-se aproveitar algumas peças que não tenham sido danificadas. Deveriam existir restrições para esse tipo de mercado, mas não, todos são coniventes. Inclusive nós quando achamos que “tudo bem. Estava no seguro”.

Por esses e outros motivos que fora do Brasil não costumam dar muito crédito para nós, pois simplesmente não merecemos. Não reclamamos, não nos indignamos com nada. Parecemos cachorro de mendigo. O cara dá porrada no cachorro, mas o cão está sempre lá e nem reclama.

Bem, para quem nunca passou por isso, nem queira. Eu passei e tenho a consciência de que apesar de estar assegurado, eu tomei “prejú” sim e não acho que devemos tapar o sol com a peneira. Nada se pode fazer sozinho, mas apenas o fato de ter o conhecimento de como a sacanagem funciona já é grande coisa.

Pelo menos ficamos antenados e na hora de votar, nossa maior arma, prestamos mais atenção nas idéias dos homens e mulheres que nos representarão, pois podem dar indícios sobre qual o “lado” em que eles estão.

Alguém falou um dia: “Sou brasileiro e não desisto nunca!” Mas paciência tem limite...


publicado em 18 de Novembro de 2007, 20:07
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Thiago Oshiro Campi

Thiago Oshiro Campi é Engenheiro Civil formado pela UNICAMP, atualmente a serviço do Governo do Estado de São Paulo, atuando na área ambiental. Além disso é guitarrista de carteirinha com Heavy Metal nas veias.


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