A música mais romântica do mundo

Existe um vício quase transcendente de qualificar as criações não somente como boas e ruins. Mas sim, como piores e melhores.

Esses ditos especialistas em algo — na maioria das vezes um profissional frustrados — apóia-se em métricas, teorias e comparações para simplesmente defender a própria opinião. A ideia dele, utilizando típicos argumentos confusos e clichês baratos, não é provar que está certo. Mas sim, que você está errado, te deixando confuso e abrindo sua opinião para uma nova possibilidade.

Um ser dessa linhagem que se destaca entre todos os outros: o crítico musical. Sempre desconfiei do trabalho de um crítico musical. Não daquele que faz observações técnicas sobre uma gravação. Esse é essencial, inclusive, para alguns discos fazerem sentido. O problema é o crítico que tenta me convencer se uma música é simplesmente superior ou inferior a outra.

Ninguém pode dizer isso. Ninguém mesmo. A composição de uma música, passando pela emoção transmitida na gravação e a inspiração da banda, não se explica digitando uma resenha fria na redação de revista ou jornal. A música é muito mais do que isso. A canção, seja lá qual for, depende de uma única ação para cair no seu gosto: emocionar.

Poucos conseguiram falar de amor como George Harrison

São músicas que somem com todos os problemas da vida por quatro minutos. Músicas que você sente ciúmes quando toca no rádio. Músicas que você compartilha com uma — somente uma — pessoa. Músicas que você ouve num sábado à noite, sozinho, curtindo uma solidão que parece aceitável com aquela trilha.

A música perfeita nada mais é que o resultado de todos os sentimentos reunidos — sejam eles bons ou ruins— numa só atmosfera.

Something

Eu falo sem erros que Something é uma música perfeita especialmente por considerá-la a música mais romântica do mundo. Composta por George Harrison para a inspiradora Pattie Boyd, Something tem na sua introdução uma dramaticidade clara de fossa. Além disso, logo no primeiro verso é possível entender que trata-se de uma declaração de fidelidade.

I don't want to leave her now / You know I believe and how (Eu não quero deixa-lá agora / Você sabe que acredito e muito)

O crescimento da música é na hora certa, durante uma desesperadora e tocante manifestação. George incorpora o mais comum de todos os dramas de um homem apaixonado: ele não sabe se vai ser assim pra sempre. Mas pede que ela esteja ali do seu lado. Por isso, ele canta. Ou melhor, grita:

You're asking me will my love grow / I don't know, I don't know / You stick around now it may show (Você me pergunta se meu amor vai crescer / Eu não sei, eu não sei / Fique por perto e você verá)

Something, dentro do seu “And all I have to do is think of her”, gera indignação. É impossível saber o que George quis dizer com isso. Mas a sensação é de uma derrota iminente. Eles estão juntos, mas é como se ambos soubessem que o final se aproxima. Não há mais saídas. E tudo o que você tem de fazer, mesmo a perdendo, é pensar nela.

I don't want to leave her now / You know I believe and how

Something é uma das músicas dos Beatles mais regravadas de todos os tempos. Frank Sinatra, Elvis Presley, Eric Clapton, Paul Mccartney, Ray Charles e outros músicos fizeram suas versões. Adoro a obra original. Mas acho essa versão do Joe Cocker, um dos meus interpretes favoritos, brilhante.

Joe Cocker, no seu melhor estilo, tomou a música para si. A expressão de derrota no seu olhar é clara logo nos primeiros acordes.

É.

Gosto de perdedores.

Link YouTube | E você achou que ele tinha parado em With a Little Help from My Friends, né?

E é por isso que essa é a música mais romântica do mundo.

Enfim.

Não é fazendo o papel malicioso de crítico musical que vou convence-lo disso. Contudo, tome cuidado antes de julgar qualquer música. Evite essa armadilha que o mundo virou onde tudo é som. Torna-se mais prático e sentimental  — sendo assim, real — curtir a vivacidade de uma canção do que simplesmente classificá-la.

Nota do Editor: George Harrison escreveu e compôs a música mais romântica de todos os tempos sem escrever uma única vez a palavra "amor". Fim.


publicado em 27 de Outubro de 2011, 10:42
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Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


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