A Primeira Imagem que Vazou

— Senhor?

— Adão na linha oito.

— Pode passar.

— Pronto.

— Alô?

— Deus?

A primeira imagem que Vazou
— Oi, Adão... Tudo em paz?

— Mais ou menos.

— O que houve?

— Eu gostaria de saber se o Senhor pode me ajudar com um processo.

— Processo?

— Isso. Eu vou processar os macacos aqui do Paraíso.

— Mas por quê?

— Porque eles ficam espalhando imagens minhas por aí.

— Que imagens?

— Imagens... Bem... Imagens íntimas.

— Adão, você pode explicar melhor? Contando desde o começo?

— É o seguinte: os macacos entraram na minha caverna semana passada. Em uma das paredes tinha uns desenhos que a Eva e eu fizemos e que mostravam... Bem...

— Eu imagino.

— Então, é isso mesmo que o Senhor imaginou. O que os macacos fizeram? Eles arrancaram aquele pedaço da caverna, com o desenho. E agora ficam copiando tudo em folhas de bananeira e espalhando por aí!

— Para os outros animais?

— Isso! E sem a minha autorização! Eu vou processar todo mundo!

— Mas as imagens são tão comprometedoras assim? Afinal, são apenas desenhos...

— Não importa! Eu estou pelado em algumas delas!

— O que não quer dizer muito, certo?

— Como assim?

— Bem, você passa o dia andando para lá e para cá usando somente uma folha de parreira. Vamos ser sinceros aqui, Adão. Você fica praticamente pelado o tempo todo!

— Sim, mas aí que está! Há uma folha de parreira! Eu não ando pelado por aí! Nem autorizei as pessoas a espalharem imagens minhas pelado!

— Agora, você quem fez os desenhos... Você quem deixou os macacos entrarem na sua caverna. Você deveria tomar mais cuidado.

— Vem cá, o Senhor está do lado de quem?

— De lado algum. Eu não vou me meter nisso, Adão. Vocês aí embaixo que resolvam.

— Bem, estou ligando a pedido do meu advogado. Ele quer saber se o Senhor não pode testemunhar a meu favor?

— Testemunhar?

— Sim. Afirmar no tribunal que eu não tenho o hábito de andar pelado por aí. Segundo ele, como eu uso uma folha de parreira, espalhar imagens minhas pelado pelo Paraíso caracteriza invasão de privacidade.

— Adão, eu não vou me envolver com isso.

— Bem, ele disse que o Senhor gostaria de testemunhar. Além de todo aquele lance da justiça, parece que isso iria inaugurar o termo Jeová por Testemunha.

— Jeová por Testemunha?

— Jeová por Testemunha, Testemunha de Jeová, algo assim. Não lembro ao certo.

— Não, isso é outra coisa. Aliás, isso nem existe ainda.

— Bem, foi o que o meu advogado falou. De acordo com ele, se eu ganhar o processo, eu posso ficar com uma indenização não apenas dos macacos, mas de todos os outros animais que espalharam as imagens.

— Espere. Deixe-Me ver se entendi. Você vai ser indenizado pelos animais que mostraram aos outros os desenhos que você mesmo fez de você pelado?

— Isso mesmo! Estou pensando em cobrar tudo em cocos!

— Quem é o seu advogado?

— É uma cobra que está sempre andando por aí. E ela falou que os honorários dela são bem pequenos, basta apenas uma maçã ou algo assim. Vai sair de graça.

— Cobra? Maçã?

— Isso. Eu tenho o cartão dele aqui. Está aqui. Advogado do Diabo. Mas não tem telefone, ele disse que vai entrar em contato comigo.

— Adão, eu não quero ver você falando com esta cobra!

— Mas eu não tenho alternativa! Todo mundo está rindo de mim por que... Bem... Eu disse a Eva que não queria ser desenhado naquela noite! Estava frio e eu tinha acabado de sair do lago. Então, eu estava... Minha anatomia... Bem... Enfim, agora, eu sou motivo de piada no Paraíso inteiro! Vou processar todo mundo!

— Adão, não fale mais com esta cobra! É uma ordem! E não chegue perto das macieiras!

— Mas como eu vou pagar o advogado?

— Vamos fazer assim. Esquece o processo. Eu resolvo isso.

— Como?

— Não importa.

— Claro que importa. Não adianta nada o Senhor castigar os macacos! As folhas de bananeira ainda estão por aí!

— Adão?

— Sim?

— Eu resolvo. Mas não fale mais com a serpente.

— Isso é o tal testemunha de Jeová?

— Não. Esquece este termo. Até o final do dia e estará tudo resolvido.

— Bem, se o Senhor diz...

— Confie em mim.

— Certo.

A primeira imagem que vazou

Logo depois do almoço, um grupo de anjos armados com espadas de fogo desceu até o Paraíso e começou a interrogar os animais. Diversos macacos foram expulsos do paraíso, junto com um leopardo que se recusava a entregar a folha de bananeira que mostrava Adão pelado.

Mas a investigação aconteceu de forma tranquila, exceto no momento de interrogar as hienas, que apenas davam risada sempre que eram questionadas pelos anjos – até hoje, ninguém sabe se elas estavam rindo de Adão ou se estavam apenas fazendo aquilo que as hienas fazem. Mas aparentemente, elas não tinham nenhuma folha de bananeira com elas.

Assim, todas as imagens foram queimadas pelos anjos, e a Adão voltou a curtir sua privacidade.

Claro que a serpente não devolveu a folha de bananeira que estava em seu poder, pois algo lhe dizia que aquilo ainda lhe seria útil.

Afinal, o mundo já havia sido criado há dias. Já estava mais do que na hora de alguém inventar a chantagem.


publicado em 11 de Maio de 2012, 21:06
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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