A transformação do indivíduo: técnicas respiratórias do Método DeRose

Damien Hirst disse que é preciso um ego grande para ser artista. Nos dias de hoje, parece que todos preenchemos o pré-requisito necessário para ingressar no mundo das artes. Somos instalações ambulantes, mostrando ao mundo nossas proezas e maravilhas, o quanto somos especiais.

Quem se observa com cuidado, no entanto, se defronta com uma realidade inescapável: se todos são especiais, ninguém é especial, e nossas ideias geniais talvez não sejam tão originais assim. Com sorte, no começo da vida adulta, entenderemos que fazer algo significativo exige trabalho, que sabemos muito pouco da vida e sobre quem somos e que só segue em frente quem está disposto a aprender.

Minha dose necessária de humildade começou a ser ministrada quando, lá pelos meus 20 anos e no auge das minhas certezas e confiança irracionais, fiz minha primeira aula do Método DeRose -- e descobri que nem mesmo respirar eu sabia.

Bem, se nem esse ato que executei minha vida inteira -- automático e visceral -- eu entendia, como poderia me comportar como se fosse um The One, arvorando em minhas opiniões como se fossem verdades universais?

Se você para balas no ar, bem, talvez nesse caso você não entenda

O Método DeRose é constituído por um conjunto de conceitos (boa alimentaçãoboa forma, boas relações humanas, civilidade etc) e técnicas (de força e flexibilidaderespiratórias, de concentração, de descontração e outras) que proporcionam qualidade de vida e alta performance.

Ele é ensinado em centenas de escolas pelo Brasil e no mundo, com alunos que vão do garotão que precisa de concentração para o vestibular e do executivo que necessita de energia para segurar o tranco de um trabalho a atletas de ponta como o Lyoto Machida, do MMA, Frank Silvestrin, do triathlon, e Isabel Clark, do snowboard.

Eu comecei a praticar o método a convite de um amigo meu que era professor.

Estava procurando algo que fortalecesse o corpo e me desse flexibilidade, já que achava musculação uma coisa chata e que me travava. Esses efeitos físicos que eu buscava se mostraram impressionantes já na primeira aula, e achei que valia investir. Em pouco tempo de prática, no entanto, comecei a perceber que o trabalho era muito mais profundo do que eu imaginava.

Além da transformação física, minha capacidade respiratória, de concentração e níveis de energia estavam em um patamar até então desconhecido. Dentro ou fora das aulas, comecei a ter inúmeros insights e percepções, em um verdadeiro processo de autoconhecimento. Comecei, também, a vivenciar os conceitos propostos: me alimentar de maneira mais biológica e consciente; me relacionar melhor com as pessoas em volta; prestar ainda mais atenção à ética e civilidade nas relações.

O Método estava cumprindo sua proposta: transformar o indivíduo com as técnicas, para que ele -- em seguida -- transforme o mundo aplicando os conceitos. Me influenciou de maneira tão positiva que se consolidou o desejo de ensinar aquilo que aprendia. Uma coisa levou à outra e, hoje, dou aulas do que comecei a praticar despretensiosamente.

Desde o primeiro dia, minha forma de respirar se alterou e cada aluno passa pelo mesmo processo.

A dura verdade é: você não sabe respirar direito e, pior, já respirou melhor, mas esqueceu o jeito. O bom é que dá pra aprender tudo de novo. Com relativo curto tempo de prática, é possível se reeducar para passar a explorar melhorar a capacidade respiratória e aumentá-la progressivamente.

E isso não é coisa de mergulhador ou de quem quer desafiar o David Blaine: a respiração tem um efeito direto e imediato sobre seu corpo físico, seus níveis de energia e seus estados emocionais e mentais.

Esse poder de nos influenciar deriva de um fato básico, mas do qual não nos damos conta: nosso principal combustível é o oxigênio. Em situações extremas, podemos passar algumas semanas sem alimento e alguns dias sem água -- mas na falta de oxigênio, só duramos poucos minutos.

Para além desse efeito físico imediato, as implicações de uma respiração poderosa ou deficitária são sentidas em diferentes situações, ainda que não se perceba.

1. Oxigenando um cérebro raivoso

"Respirar certo você precisa". Respiração irregular leva a falta de clareza de emoções e pensamentos que leva a reações ruins.

O chato do escritório jogou a culpa de um problema em você? A namorada encasquetou com uma ex-namorada sua (da época em que o Gullit ainda fazia dupla com o Van Basten no Milan)? O normal é reagir na mesma moeda, escalando o conflito até que ele saia de controle e se transforme em seu Vietnã particular -- um buraco lamacento e sem saída, com vitória certa dos vietcongues e suas táticas de guerrilha.

Nessas horas, o conselho da vovó se prova verdadeiro: respira fundo. Há uma relação direta entre o grau de oxigenação do cérebro e seus estados emocionais e mentais.

Algumas respirações nasais e profundas são suficientes para te colocar de volta no eixo e responder de forma mais inteligente ao estímulo.

2. Respirando cool

Esperando o começo de sua primeira meia-maratona? Sentado na sala de espera enquanto aguarda a entrevista para o trabalho dos seus sonhos? A boca seca, o coração acelerado, transpiração, ansiedade nível Woody Allen. Todos esses sintomas têm uma origem comum: a respiração irregular.

É precito tomar conhecimento e, posteriormente, consciência do ritmo destoante. Faça algumas inspirações profundas pelas narinas e solte o ar também pelas narinas no tempo mais longo que puder. A expiração longa ajuda os batimentos cardíacos a se reduzirem e a volta a um estado emocional administrável.

"Just Breathe", como diz o Eddie Vedder. 

3. Ganho de força e foco em algumas bufadas

Apresentação importante pela manhã e só três horas de sono. Ficar em pé consome quase toda a sua energia e parece que se desenvolveu 5 graus de miopia da noite para o dia. Alguns ciclos do respiratório acelerado (inspirar e expirar aceleradamente pelas narinas, produzindo ruído, projetando o abdômen para fora e para dentro) dão uma quota extra imediata de força, atenção e foco.

Os exemplos são infindáveis. Respiramos diversas vezes por minuto e a qualidade da nossa respiração pode determinar como nos sentimos e reagimos ao mundo à nossa volta. Assim como as situações alteram a nossa respiração, podemos respirar de uma forma diferente e modificar as situações, ou pelo menos nossa percepção delas.

Há, também, efeitos mais sutis: a respiração representa a barreira entre o consciente e o inconsciente, já que podemos tornar voluntário e consciente um processo que normalmente é automático e inconsciente. Isso é fundamental quando queremos trabalhar com a alteração de condicionamentos e comportamentos enraizados, por exemplo.

No Método DeRose, o processo de reeducação respiratória e expansão da energia por meio de técnicas respiratórias passa pela conscientização da respiração, da movimentação torácica quando respiramos, das fases respiratórias, dos ritmos que podemos aplicar e de outras técnicas acessórias que potencializam o ato respiratória.

Na primeira aula, começamos com o básico: a respiração completa.

A Respiração Completa

Observe sua respiração neste exato instante. Qual parte do seu tronco se movimenta? Muito provavelmente, só o seu peito se mexe.

Fomos ensinados a fazer isso. Barriga para dentro, peito estufado. Isso é ótimo quando se tem 15 anos e quer mostrar como seu tórax é gigante e poderoso, mas só faz com que você respire pouco melhor que o Darth Vader.

Agora, procure um bebê aí pelo escritório. Se não houver, saia pela rua até achar um bebê e peça para a mãe dele levantar a camiseta do recém-nascido. Observe como o bebê respira: o abdômen se projeta para frente e volta. Com isso, uma quantidade muito maior de ar é levada para dentro do corpo. Em outras palavras: nascemos respirando bem, e desaprendemos com o tempo.

Por favor, só não saiam por aí levantando roupa de bebês ou aliciando mães.

Link YouTube | Entrevista do Luis Sérgio Álvares DeRose ao jornalista Antônio Matheus, em Portugal

A respiração completa é composta por três partes. Siga o roteiro abaixo para executá-la. A inspiração e expiração são sempre silenciosas e pelas narinas.

Respiração abdominal

Treine primeiro a respiração abdominal, ou baixa.

Sentado ou deitado, apoie uma mão no abdômen e outra um pouco abaixo do coração. Inspire profundamente, procurando projetar o abdômen para frente, sem movimentar as costelas. Quando soltar o ar pelas narinas, o abdômen volta à sua posição inicial.

Faça alguns ciclos assim: ar para dentro, barriga para fora; ar para fora; barriga para dentro. Essa é a parte mais profunda das três, e responde por boa parcela da sua capacidade respiratória.

Respiração intercostal

Passe agora à respiração intercostal, ou média. Apoie as mãos nas costelas, com a ponta dos dedos médios se tocando quando estiver com os pulmões vazios. Inspire, afastando as costelas lateralmente, fazendo com que os dedos se afastem.

Quando soltar o ar, os dedos se tocam novamente. Repita por alguns ciclos, evitando que o abdômen e o alto do tórax se movimentem.

Respiração torácica

Treine então a respiração torácica, ou alta. Mantenha uma mão na região do coração e a outra no alto do peito. Inspire procurando movimentar o peito para o alto e para frente, sem movimentar a região abdominal e a região intercostal.

Esta respiração é mais curta, e talvez seja mais difícil isolar o movimento.

Faça alguns ciclos treinando essa região.

Por fim, junte os movimentos para realizar a respiração completa. Em uma só inspiração, você vai projetar o abdômen para frente primeiro, as costelas para o lado na sequência e o peito para o alto e para frente no fim, nessa ordem. Quando expirar, inverta o sentido: esvazie primeiro a parte alta, depois a parte média e por fim a parte baixa. Repita por algumas vezes, para acostumar-se com o movimento.

Pronto. Essa é a mecânica básica.

Metrô, banho, correndo, contemplando o suicídio na célula XM917 do Excel. A ideia é que, com o tempo, a respiração completa se torne o seu padrão, que a faça de maneira automática. Como aviso, especialmente no começo, tome cuidado ao inspirar grandes quantidades de ar quando estiver em pé. É comum sentir uma leve tontura quando absorvemos mais oxigênio do que estamos acostumados.

Com esse tipo de respiração, utilizamos todo o volume dos pulmões para captar ar e deixamos de nos restringir à parte alta do tórax. Agora começa o verdadeiro desafio: procure respirar dessa forma a maior quantidade de tempo que puder. Sempre que se lembrar de respirar, faça a respiração completa.

Reaprender a respirar é ter de volta uma autonomia que só se tinha quando criança, uma potência juvenil em corpo de gente grande.


publicado em 25 de Fevereiro de 2014, 08:07
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Bruno Ramos

Instrutor do Método DeRose, formado pelo convênio entre a Federação do Método DeRose do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ministra aulas no Espaço Leblon do Método DeRose. Também é advogado formado pela Universidade de São Paulo e pratica o ciclismo de estrada, participando de provas longas como o L’Etape du Tour.


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