A vida é mais fácil quando você escolhe a escada

Dificultar as coisas do dia a dia torna o dia a dia mais fácil. E todos queremos uma vida mais fácil

O jornal da CVT semana passada fez um segmento com um médico canadense chamado Mike Evans. Ele começou uma campanha no Twitter encorajando as pessoas a usar a escada, estacionar mais longe, sentar menos e caminhar mais.

Não há nada revolucionário quanto a esse conselho. Dizer para as pessoas para serem “mais ativas” é tão novo quanto o automóvel. Apenas a forma que ele coloca – “dificulte seu dia” – é que é diferente da mensagem comum, já que aponta algo com relação à própria dificuldade que pode nos atrair.

O que ele não disse é que, hoje em dia, tornar o cotidiano mais difícil não só vai melhorar sua vida, mas vai torná-la mais fácil. Todos nós sabemos que é “melhor” comer salada de quinoa do que hambúrguer, e usar a escada em vez do elevador, mas isso não necessariamente nos leva a uma mudança. “Melhor”, no sentido de exercício-e-comida-integral, sempre esteve disponível o tempo todo, mas essa vida melhor parece mais difícil do que aquela que já temos, e a última coisa que queremos é dificultar a vida.

Acho que a maioria de nós quer mesmo uma vida mais fácil, não necessariamente uma vida mais íntegra. Queremos menos problemas e mais curtição, talvez mais ainda do que ansiamos por conquistas ou virtudes. Mas o que muitas vezes esquecemos é que assumir a dificuldade em certos locais nos leva a muito mais facilidade do que os modos usuais de “vida fácil”. Dispor três horas por semana na academia é mais fácil do que permanecer fora de forma 24 horas por dia. Estudar é mais fácil que sentar numa sala de aula fazendo uma prova sem estudar. Fazer um bom trabalho é mais fácil do que se perguntar quando é que finalmente vão nos demitir.

Eu costumava pensar na facilidade e na dificuldade como uma dicotomia bem direta: queremos mais de uma delas, e menos da outra. E talvez em certo sentido isso seja verdade, mas muitas vezes elas são encontradas no mesmo lugar e surgem como um pacote. Uma pequena dificuldade muitas vezes é o portão por onde entra um conforto muito maior.

Acabamos com vidas desnecessariamente difíceis porque temos dificuldade em reconhecer a facilidade ela está oculta por trás da dificuldade. É difícil ver, por exemplo, que naquele momento difícil quando você se vai pela primeira vez entrar numa academia, se esta tomando o caminho da maior facilidade: se você passar por aquela experiência curta e difícil, a sua vida rapidamente começa a ficar bem mais fácil. Depois desse portão, sua situação de saúde é mais fácil, namorar é mais fácil, comprar roupas é mais fácil, e virtualmente são mais fáceis todas as tarefas cansativas fisicamente que se possa considerar, possivelmente pelo resto da vida. E toda essa facilidade é causada por três horas por semana, três horas que também se tornam rápida (e permanentemente) muitas vezes mais fáceis do que a primeira vez.

Se você sofre com timidez há muito tempo, é difícil ver a facilidade de longo prazo que se cria no momento difícil quando se abre a boca para dizer algo, apesar de tendência normal de ficar quieto. Aventurar-se num território “difícil”, naquele momento, traz tranquilidade para infindáveis experiências futuras, inclusive entrevistas de trabalho, primeiros encontros, apresentações, encontros de família, e toda situação em que é possível fazer um novo contato ou um novo amigo. Essa facilidade dura para sempre cresce como se operasse em juros compostos. Os medos tendem a ficar no chão após a primeira vez que se caminha sobre eles.

Sempre compreendi que é melhor confrontar os medos e as tarefas difíceis, mas não sei como fazer meu coração querer algo “melhor” mais do que quer algo “mais fácil”. Talvez você também seja assim, e talvez isso signifique que não somos muito virtuosos. Mas se a facilidade é o que você quer, ela está presente em grande quantidade escondida atrás de pequenas dificuldades. Uma coisa que parece difícil muitas vezes é na verdade um pacote abarrotado de facilidades – talvez até mesmo um suprimento vitalício de algum tipo pequeno de facilidade. A maior parte da dificuldade está na sua embalagem difícil de romper. É a primeira coisa com que se tem que lidar, mas também é a primeira coisa que se supera.

Em outras palavras, muitas vezes o que obtemos ao buscar facilidade na vida é um mau negócio, porque tentemos a insistir em começar com o que é fácil, não importa quão irrisório seja aquele começo difícil.

É uma coisa compreender essa ideia intelectualmente, mas bem outra ver a dificuldade como algo interessante, e não como algo se interpondo perante o que é interessante. Por todo o lado se tem uma chance de deliberadamente fazer algo difícil, e se tem uma chance de criar mais facilidade do que atualmente disponível. Estou falando para uma turma de graduação pela primeira vez em nove anos, e a princípio me descobri intimidado com a ideia de retornar à escola. Mas em vez de usar minha velha estratégia de lidar com minha vergonha básica falando somente quando surge a obrigação, estou eliminando a vergonha ao tentar falar em mais circunstâncias do que preciso. Após duas semanas, todos os nervosismos já se foram e eu me descubro capaz de falar com qualquer um, dentro ou fora da universidade, com uma grande facilidade que nunca vivenciei. O conselho do Dr. Evans de dificultar meu cotidiano deixou tudo mais fácil.

Depois de uma vida tentando driblar todas as ocorrências de dificuldade, estou começando a encarar a dificuldade como “facilidade em liquidação”. O sentimento de “Puxa, isso foi difícil” tem se tornado “Olha só – outro jeito de facilitar minha vida”.

Obviamente há formas de dificuldade que não merecem ser assumidas, e que podem não facilitar nada de valor. Comer serragem pode tornar mais fáceis suas futuras experiências de comer serragem pelo resto da vida, mas isso não quer dizer que essa ação tenha qualquer valor. Quando reclamamos sobre a dificuldade em nossas vidas, geralmente estamos falando sobre o tipo de coisa que parece melhor para nós e aquilo que realmente queremos: mais facilidade. Facilidade no que diz respeito a nossa saúde, a nossos relacionamentos, nossas finanças, nossos objetivos, e nossas rotinas cotidianas.

Se as coisas parecem difíceis em alguma dessas áreas, pode ser que isso seja assim por que é tão raro que nos voluntariemos dificuldade. A tecnologia facilitou muito a entrada da dificuldade em nossas vida, ao nos permitir evitar até mesmo as menores instâncias de dificuldade social e física. Porque telefonar quando se pode mandar um e-mail? Porque cozinhar quando se pode pedir a tele-entrega? Porque caminhar quando se pode dirigir?

Esse hábito de “pegar o elevador” nos deixa dependentes e despreparados para dificuldades inescapáveis, quando elas surgem, e nos rouba muita facilidade em longo prazo. A vida é mais fácil quando se vai de escada.


publicado em 11 de Julho de 2015, 00:05
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David Cain

David Cain escreve no Raptitude, um blog que oferece um olhar sobre a experiência humana.


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