Adentro: um caminho brasileiro a trilhar

Um exercício de olhar para o Brasil que a gente não vê, um convite para imaginar o Brasil que a gente pode ser

Costumo me apresentar dizendo que sou sertaneja porque isso ajuda a explicar o que é andar ao meu lado. 

Nasci em um dos maiores entroncamentos rodoviários do país: Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, faz fronteira entre Cerrado, Caatinga e Sertão (o Ser Tão de Guimarães Rosa, ali bem perto de onde começa o São Francisco). 

Ao lado, o Vale do Jequitinhonha, onde meus pais foram criados em roças e de onde vem esse ponto de vista que busca focar na beleza que existe em uma estratégia de sobrevivência cotidiana. Não bastasse, esse meu Norte é também onde nasceu Darcy Ribeiro e meu nome, sim!, veio de um de seus romances: Maíra, o Deus Sol que desceu do céu pra brincar de gente. 

Casa Mestre de Sambada - BA. Foto Mayra Fonseca

Com uma avó de matriz indígena, entendi cedo que que existe uma grande diferença entre ser astro e ser Mayra e foi ali (entre as páginas do livro que inspirou o meu nome, vendo uma vó de enormes tranças, tocando percussão nos grupos folclóricos locais e escutando as serestas de agosto pelas ruas de noites secas) que nasceu a vontade de estudar antropologia e conhecer um pouco mais sobre os Brasis que Darcy contava, esse que eu via mais pelas janelas das estradas do que nos programas de televisão.

Por um excesso de coerência, posso ser tão dura quando doce (aprendi que é importante avisar nos primeiros dedos de prosa), danço forró desde nova, gosto de viajar de ônibus, durmo dias em rede, não sei comer sem farinha e minha bebida preferida… é aquela que passarinho não bebe. 

Aprendi a coordenar estampas, cultivar afetos e economizar água porque de onde venho só há carinho em abundância. Eu me emociono ouvindo essa versão de minha música preferida e cresci com vontade de mostrar o valor por trás de culturas e cotidianos brasileiros que são assim… tão valiosos e desconhecidos ao mesmo tempo.

Agora, rapaz, pense numa mulher bonita! Beleza que vem do encontro da ética com a estética, beleza que é sinônimo de sinceridade e que poderia ser traduzida como vontade. Beleza de quem coloca energia no caminho e na direção do que acredita, mas que também sabe parar para repensar, para abraçar, para dançar e para redesenhar um novo caminho, um novo Brasil, um novo mundo! Foi sua bisavó quem a ensinou a sentir, foi a sua mãe quem a incentivou a soltar o cabelo no mundo e dando continuidade a essa história de mulheres da Chapada Diamantina, lá vai Diane, NoBrasil, conectando pessoas que estão transformando criativamente o país.

Há uns dois anos atrás, Diane me escreveu. 

Diane Lima conduzindo oficina no RED Studios

Ela dizia sobre sua vontade de estar junto nesse caminho de autoconhecimento do Brasil e hoje quando olho para ela sentada diante de mim desenhando seus sonhos, penso que já estávamos há muito na mesma direção: adentro. Só faltava o tempo, esse que ela tem como orixá, botar pra tocar uma dança que faria com que nos encontrássemos no mesmo canto de Brasil. Agora é se reconhecer no olhar um do outro, se surpreender com seu trajeto até o ponto de encontro e aprender com suas histórias. 

Depois do encontro de Brasis só nos resta trocar farinha por rapadura, fazer melaço e se ajudar com a consciência de que continuar… não é mole, não!

Simbora, Adentro!

No dia 14 de junho, Diane Lima (NoBrasil) e eu (Brasis e co-fundadora do O Brasil Com S) faremos em São Paulo o primeiro curso de um programa de exercícios chamado Adentro

Serão nove horas de convivência e trocas com um grupo de brasileiros que acompanham nossos projetos e que também acreditam na importância de Olhar e Criar para o Brasil.

Um exercício de olhar para o Brasil que a gente não vê

Quando a Diane sugeriu o nome Adentro para a nossa plataforma de exercícios, concordei imediatamente. "Adentre!" é uma exclamação brasileiríssima que já vem com sotaque, é um convite na porta de casas em vários Brasis: é um chamado para se aproximar, para fazer parte e para fazer junto. 

Adentrar também indica uma direção para dentro, começar um caminho que começa dentro de si.

E é essa a orientação (para o que temos por perto, para o há no cotidiano, para uma pauta da presença, para um diálogo gentil com o outro - brasileiro - tão próximo e tão distante ao mesmo tempo e para uma atitude propositiva) que busco quando dedico energia e aprendizados a algo que aprendi a chamar de autoconhecimento do Brasil.

Assumir que sabemos muito pouco sobre nós mesmos é um primeiro passo que transforma bastante o ponto de vista: deslocamos o olhar dos preconceitos, da crítica destrutiva, da pauta da ausência e nos permitimos o encatamento para o que sempre esteve ali e que é inspirador. Recentemente ouvi que agir assim é praticar um afeto sustentável. 

Essa observação me emocionou especialmente porque além de beleza e muita inspiração, encontro também utilidade e solução nas culturas e cotidianos do país e são muitas as histórias de pessoas e projetos que ilustram essa crença.

"Acreditamos que existem repertórios das culturas brasileiras que ainda não conhecemos e que podem nos inspirar na busca de soluções para nossos desafios. 
Acreditamos que pesquisar e contar histórias dos cotidianos do país é importante para conseguirmos agir de forma propositiva e generosa. E acreditamos também que uma boa forma de pesquisar repertórios e contar histórias e causas brasileiras é somando pontos de vista dos diversos Brasis".
 _ Texto institucional www.brasis.vc
Bonecas do Vale do Jequinhonha no Mercado Municipal de Montes Claros - MG. Foto Mayra Fonseca

O trabalho da cordelista Jarid Arraes, cearense que hoje mora na cidade de São Paulo, é um exemplo de inovação em educação: ela introduz informações sobre negros no Brasil em uma linguagem criativa e regional e, portanto, muito próxima de seu leitor. 

O projeto Raiz das Imagens é outro exemplo de novo formato em educação: o coletivo de jovens introduz práticas audiovisuais em aldeias respeitando a cosmogonia e o contexto dos indígenas. 

O documentário Tarja Branca, dirigido por Cacau Rhoden e lançado em 2014, destaca o potencial e a importância da brincadeira brasileira (tanto os chamados brinquedos populares nas festas tradicionais, como o mundo lúdico das crianças brasileiras em alguns lugares do país).

Em contextos atuais de escassez de água nas grandes cidades, penso que temos bastante a aprender com as estratégias cotidianas e criativas de lugares que convivem há muito com a seca, com o Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais ou o Sertão pernambucano. 

Por outro lado, são também muitos os ensinamentos sobre economia criativa e colaboração que pode-se observar no planejamento e execução de uma festa tradicional e comunitária.

Foto Mayra Fonseca. Apresentação de grupo percussivo de Maracatu na Festa do Divino em 2015, São Luiz do Paraitinga - SP.

Um convite para imaginar o Brasil que a gente pode ser

“Se a menina quer cabelo solto, deixa o cabelo da menina no mundo”, dizia a mãe de Diane sobre a mundonovense que aprendeu desde nova a procurar soluções criativas para aquilo que a incomodava e que entendeu que é possível imaginar e criar um universo novo a partir das ferramentas que existem ao seu redor.

"Desenho, projeto e materializo pensamentos no mundo, qualquer que seja ele, uma ideia, uma experiência, um produto ou um serviço. Faço isso porque entendi a profissão na sua potência de pensamento e sou muito feliz e realizada por perceber que com um olhar responsável, posso de fato modificar e in-formar a matéria a minha maneira, moldando o meu redor através das minhas crenças. Acredito que a capacidade de imaginar, criar e projetar está totalmente ligada a minha capacidade de sonhar e de pensar esses novos mundos e encaro isso como um exercício constante em direção a resolver esses anseios que acredito ter a ver com a ideia de liberdade".
 – Diane Lima

Em uma época na qual é fundamental saber conversar com o brasileiro e sobre o Brasil, aproximar tipos de saber sem hierarquização de conhecimentos, entender o que deve ser preservado ou homenageado e implementar abordagens que são inclusivas e não somente pretendem uma apropriação, Diane acredita que é possível "transformar o país através da criatividade", principalmente quando escutamos a memória de nossos corpos.

Ensaio de Maracatu Rural em Nazaré da Mata -PE. Foto por Suann Medeiros do Mutirão do Brasis

Nesse sentido, Diane diz que "inovar não é mais tão necessário" ao mesmo tempo que eu aprendi que "não existe nada mais contemperâneo que a tradição". E, juntas, percebemos que o nosso próximo passo implica em compartilhar essa trilha para dentro de nós mesmas, e do Brasil, que temos tentado construir e convidar outras pessoas para, conosco, ir Adentro.

Informações completas sobre o encontro

Data: 14/06/2015

Horário: 10h às 19h

Local: Casa Viva. Rua Pedro Taques, 129, São Paulo – SP

Inscrição: As vagas são limitadas, para se inscrever envie um e-mail para brasis@brasis.vc com o título Adentro e aguarde confirmação

Investimento: R$ 360,00

Para mais informações e sugestões: acompanhe a página do evento.

Inscreva-se!

E vá com os seguintes pontos em mente:

1. O que você quer ver ou criar sobre cultura brasileira? Prepare uma pergunta, um projeto, um problema, uma curiosidade ou mesmo uma pequena inquietação para, juntos, começarmos um exercício em direção ao que te move.

2. Vá com um sapato para caminhar, com uma bolsa grande e guarda-chuva.

3. Leve câmera de fotos e gravador (ou um telefone com as duas funções).

4. Teremos quitutes durante a manhã e a tarde, mas o almoço não está incluído.


Adentro é uma plataforma de exercícios do NoBrasil + Brasis para quem quer viver conosco essa experiência de Olhar e Criar para o Brasil. Mayra Fonseca é Iniciadora do Brasis, Diane Lima faz o NoBrasil. 

Mayra é do Sertão de Guimarães Rosa e Diane nasceu na Chapada Diamantina. Uma tem raiz indígena, a outra veio de matriz africana. Mayra é mestre em Antropologia, apaixonada por regionalismo, e faz projetos de pesquisa comportamental e cultural há mais de doze anos. 

Diane é especialista em Arte e Contemporaneidades e desenha ideias, serviços, processos, produtos e experiências. Pela trajetória de vida e pelas escolhas profissionais, elas se encontraram no mesmo caminho: em um Brasil que quer se conhecer, se valorizar e se fortalecer a partir do que somos; em um exercício que começa olhando para dentro.


publicado em 02 de Junho de 2015, 16:23
Mayra fonseca2

Mayra Fonseca

Mayra Fonseca é pesquisadora cultural e especialista em brasilidade, fundadora do Brasis: uma central de pesquisas que faz com a Luísa Estanislau para estimular o autoconhecimento do país.


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