Amor e tesão que não engatam | Do amor #50

Vale a pena se entregar tão fortemente aos amores que não dão certo para depois se frustrar? Talvez sim

Seleciona com o zelo de um pai trinta e seis sequências de canções de veraneio, quentes e confortáveis, das dançantes às mais sedativas, programa alvoroço e calmaria, espera o pessoal chegar para começar a festa. É hoje que você vai se apaixonar! Ou, ao menos, dar umazinha.

E que narrativa, gente. Tá calor, o traje é pouco e a vergonha na cara também, abre-se a temporada de um exercício de fé nunca antes visto na história desse país, a vontade de se ter alguém pra amar, a entrega exacerbada na narrativa do encontro no desencontro, das histórias incríveis que só se sucederão aqui e agora, nos dissimulados acontecimentos de uma festividade com pessoas desconhecidas.

O Amor. O tesão. A libido tanta, a fluidez dos líquidos exacerbados, a crença na resolução romântica e pueril de que é aqui que a coisa, de fato, acontece.

A gente nunca sabe direito até onde se envolver 

É um tal de se jogar sem medo ou "não me toques", sem a tonelada de impeditivos sobre profissão, classe social, time de futebol. É apenas o que é, dois corpos lambuzados e malucos para o entrelace, o embolado, o engalfinhar-se sem restrições.

Ah, a entrega apressada. Tão justa, tão bonita quanto equivocada.

Mas é daí que saem as melhores notícias, os mais gostosos perigos. Somos plenamente nós mesmos justamente quando criamos essas pequenas personagens iniciais na conquista, nessa tentativa de algo fugaz e potente. Perdemos o medo de nos machucar, a ideia futura de que pode dar errado, o tal entrave que nos mantém, normalmente, onde dá pé. A gente quer mais é o estrago mesmo.

Mas pode dar errado? Claro!

A probabilidade de uma escorregadela é a mesmíssima, nessa ou em qualquer outra situação, com o pequenino agravante de que estávamos, graças a deus, mais vulneráveis! Era tudo bom demais para ser verdade.

A troca de olhares que não evolui

Não tem nada mais interessante que se notar percebido por alguém. O corpo se crispa, a respiração descontrola por alguns segundos, a cabeça gira estranho, porque a recente realidade parece não fazer sentido. Mas tá lá, um olhando para o outro e formulando, cada um na sua própria cabecinha, maldades saborosas. 

Um toque e o estampido seria ouvido a boa distância. Sairia faísca, um espetáculo de bocas e abraços que renderia uma salva de palmas, poemas cantados para ficar na história.

Mas não aconteceu.

Faltou essa evolução, o impulso, enfim, de avançar e pagar pra ver. Talvez até para o bem. A nossa vontade, muitas vezes, coloca a situação num patamar inalcançável e, tentar buscar essa plenitude seria cair, por fim, na mais escabrosa das frustrações.

O que fica na memória já tá bom demais.

A paixão avassaladora de uma só noite

E tá tudo bem! Muita gente não vai ter, na vida todinha, o gosto dessa sua noite única com alguém incrível. Pouca conversa e muita ação e suores, dois atletas de alto nível competindo pela glória de deixar o outro exausto. "Vem cá então que eu vou te mostrar como que a banda toca por aqui". E essa musiquinha vai assoviar na sua memória por meses! 

E vai ser isso.

Na madrugada, com a voz desarmônica da performance, vocês vão combinar muitas outras atividades. Mas o roteiro da vida é feito para esses perdidos. Outra festa no dia seguinte, outro encontro, um cansaço que aumenta a preguiça, a cabeça no lugar que lembra "poxa, foi legal ali e só".

Derrota? Nem um pouco. Quantos dariam um mindinho por um recorte desses? Daqui dez anos, em um desses devaneios da madrugada, ambos hão de lembrar daquela noite malucaça. E vão sorrir. Os dois.

Amor e tesão que não engatam

Mais que uma noite, aquela saída juntos pode não ter sido apenas um fortuito acaso, mas o encontro de almas, a conexão astral, carnal e sentimental. Tanta coisa em comum, os mesmos filmes, aquele disco da Cat Power que tá no coração dos dois, os mesmos sonhos de morar na praia no futuro. "Abrir um bar", eles dizem ao mesmo tempo, sem combinar. 

A noite toda de mãos dadas, suspiros, horas conversando juntos no cantinho da pilastra. 

Perfeito.

Depois de uma curta caminhada da garagem até o carro dela estacionado na esquina, decidem que é isso. Vão namorar. Marcam de se encontrar, no dia seguinte ao fim da festa.

Os pulmões dão murros contra a parte interna do peito, o coração peleja pra manter um ritmo saudável. Mas a felicidade definitivamente não cabe no peito. Até ganhar o balde de água fria da realidade. Não encaixa, os amigos são chatos, mora longe, a conversa não desenvolve, a cama já nem range. 

Foi pro buraco.

Engraçado como são esses os amores que mais lembramos. Esses que, inacabados antes de serem nutridos, são os que martelam na mente anos após ano, sempre que possível. "Cacete, aquele foi legal, aquele podia ter dado certo". 

Alguns amores não se nutre, se consome

E aí que tá a graça da brincadeira! Há relações que são feitas pra se consumir feito fogueira mesmo, de sair empanturrado e chupando os dedos melados de coisa boa. 

É quase uma publicidade, tudo envolto em cenário bonito, atração visual arrebatadora, tudo é sensual e feito pra dar uma fome braba. E essa propaganda te faz querer esbanjar, gastar tudo até dissipar, ingerir em longas goladas, aos borbotões.

Acabou, acabou.

Amanhã tem mais.

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publicado em 03 de Fevereiro de 2017, 00:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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