Amor platônico e foda homérica

O pecado não morava ao lado, mas sim cruzando a rua Issamu Miura, em Marília. Ela era minha vizinha, tinha 16 e me chamava nos fins de semana para jogar vôlei. Todo sábado depois do almoço ela aparecia no meu portão com uma camiseta desleixada sem imaginar que eu já a aguardava desde o café da manhã.

Ela foi meu primeiro amor platônico.

Link YouTube | A menina do lado de lá da rua Issamu Miura era minha "garotinha ruiva"

Eu tinha 12 anos na época e não pensava em sexo com ela. Era outra coisa. Era um desejo diferente – queria passear de mãos dadas e afagar aqueles cabelos lisos e longos. Nunca lhe propus coisa alguma, porém. Era um exercício de paciência. Era salivar de fome e não querer comer.

Desde então, essa fome que não busca saciedade se repetiu em diversos momentos na minha vida.

Passei horas conversando com uma mineira linda no balcão de um pub sabendo que a qualquer momento a beijaria e depois a levaria a um quarto. Mas não beijei. Apenas para prolongar a paquera, os olhares, o desejo.

Tempos depois, essa mineira me cobrou:

— Poderíamos ter ficado juntos naquela noite.

— Eu sei.

— Então por que você não me beijou, porra?

Ela não entendeu. Ninguém entende. Principalmente mulheres com menos de 20. As coisas andam diferentes.

Geração britadeira

Aos 6, Felipe pedia para as coleguinhas de sala abaixarem suas calças atrás das árvores da escola. Aos 7, uma gordinha me chamou para entrar no banheiro feminino do parque para uma sessão amistosa de "mostra o seu que eu mostro o meu". Nessa mesma idade, Fred brincou de médico com a prima em uma festa de família. E assim, de maneira relativamente inocente, os homens descobrem o sexo feminino. Ou, ao menos, descobriam. A coisa anda diferente de uns tempos para cá.

Crianças se aproximam do sexo pela internet. E não é difícil imaginar como isso corrompe a forma como os homens desta geração – digamos, até seus 20 anos, se considerarmos que a popularização da internet tem se dados nos últimos 15 anos – encaram uma relação.

Imagine descobrir o que é sexo por meio do XVideos sem o romancezinho que precede ao ato.

Imagine trepar como uma britadeira sem antes saber o que é papai-e-mamãe.

Imagine o sexo anal não como fetiche ou um território a ser desbravado, mas como cotidiano – e pior, como requisito básico que a mulher deve ter.

Link YouTube | O "negócio" segundo o pensador Alexandre Frota

Particularmente, percebo isso pelos comentários que modero aqui no PapodeHomem. Leitores de 16, 14, até mesmo 12 anos afirmando ter uma vida sexual digna de Rocco; leitoras que mal entraram na puberdade e já são infelizes porque

"eu fiz sexo anal com um menino da minha sala e doeu muito, mas ele disse que é normal e que, se eu não fizer de novo, ele vai colocar no ar o vídeo que gravou e vai me largar."

Mesmo entre meus amigos – caras que pensam relativamente como eu, que têm a minha idade e que compartilham algumas experiências comuns a todos os homens – é comum presenciar conversas assim:

— Saí com Fulana ontem.

— Pô, que legal.

— Sim, foi bem legal mesmo.

(Silêncio.)

— Mas e aí? Comeu?

Tudo se resume a isso: "Comeu?" Não vale se você passeou com a menina e afagou os cabelos dela enquanto ela estava deitada no gramado do Ibirapuera. Não conta se você dividiu um picolé de uva e limpou a bochecha dela suja de sorvete. Não interessa se pegaram o mesmo fio de macarrão. Se não comeu, se não fodeu a xana da menina, nada mais importa.

Trocamos amores platônicos por fodas homéricas. Agora não há mais espaço para andar de mãos dadas.

A máquina de fazer bons amantes

Amores platônicos nunca devem ser consumados. Eles são idealizações. São uma mera fantasia que dorme apenas na nossa cabeça. E dorme sempre sozinha, sem ter em quem roçar o pé na madrugada fria.

Talvez o amor platônico seja um amor egoísta, que não busca ser compartilhado. Talvez ele não seja esse amor tão impossível como bradam aos quatro ventos, mas sim um amor que pode – mas não deve – ser realizado.

Esses amores platônicos são importantes para a vida de um homem. São como um laboratório mental onde o macho testa sua paciência e seu desapego. Sobretudo, é por meio do amor platônico que nos tornamos amantes melhores. Deixamos de transar com uma menina para transar melhor com as próximas dez – e, ainda assim, aquela com quem não fizemos sexo será extremamente importante para nossa vida.


publicado em 30 de Julho de 2011, 05:02
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Rodolfo Viana

É jornalista. Torce para o Marília Atlético Clube. Gosta quando tira a carta “Conquiste 24 territórios à sua escolha, com pelo menos dois exércitos em cada”. Curte tocar Kenny G fazendo sons com a boca. Já fez brotar um pé de feijão de um pote com algodão. Tem 1,75 de miopia. Bebe para passar o tempo. [Twitter | Facebook]


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