Antes de tudo, o inglês | WTF #21

Se você tem qualquer pretensão intelectual, e até se não tem, já passou da hora de aprender inglês

Pode parecer incrível, mas ainda encontro gente com explícitos anseios intelectuais e que, ainda assim, não se dedica a aprender outra língua. Falo “outra língua” de forma bem geral: na vasta maioria dos casos, o inglês será suficiente. Nessa língua, encontramos traduções de tudo que é importante na maioria dos assuntos – embora algumas coisas bem específicas possam ser mais bem exploradas em alemão ou francês, ou na língua particular em que aquele tema se desenvolveu.

Mas de forma geral, podemos dizer que o inglês é tão mais acessível e tão mais útil em todas as circunstâncias da vida, que hoje ele não é supérfluo para mais ninguém.

Que dizer então de alguém que anseia por assuntos do intelecto ou por buscas acadêmicas.

Você precisa de algo que eu tenho
Você precisa de algo que eu tenho

Creio em algumas pessoas não haver uma noção clara do provincianismo da língua portuguesa. O português é praticamente intocado por vastas áreas de conhecimento, e é extremamente difícil encontrar um assunto que não seja algo muito pitoresco dos países lusófonos, como a literatura própria desses países, ou questões de folclore, que seja mais bem tratado em português do que em inglês. Mesmo nesses últimos, é possível que, hoje em dia, ao estudar a fundo alguém como Machado de Assis, por exemplo, seja necessário ler também alguns artigos em inglês.

Muitas vezes os obstáculos naturais de algumas pessoas em aprender uma língua são piorados por noções nacionalistas e mesmo pelo antiamericanismo. Como se o inglês, desde sua origem, não tivesse uma história muito mais multicultural e variada do que o português. O português, a última flor do Lácio, é, precisamos confessar, uma língua reacionária.

Não é necessário arregalar os olhos perante essa minha última afirmação, e acreditar que seja mera síndrome de vira-lata: o francês, tão chique, é infinitamente mais reacionário. Claro que, no contato com os povos explorados e conquistados, o português ganhou cor e vocabulário. Mas isso também aconteceu com o inglês no mesmo período. No entanto, antes disso, as invasões normandas misturaram o inglês antigo, que já era uma mistureba de latim com línguas celtas e germânicas, com o francês. É por isso que a pronúncia no inglês é tão irregular – e para nós é horrível de aprender, o espanhol e o português sendo tão regulares (o que se escreve é o que se diz, aprendidas certas regras, e poucas dúvidas restam).

Essa irregularidade vem do “bastardismo”, isto é, da impureza inata do inglês, que é uma língua que se mistura e se renova o tempo todo, isto é, não é uma língua de tradição, uma língua reacionária.

O português é bastante livre em termos da ordem das palavras, e isso ajuda em coisas como a poesia. No entanto, tente juntar duas palavras em português, até mesmo apenas adicionar um prefixo latino: alguém dirá, “ah, mas não está no dicionário”. Somos extremamente avessos ao neologismo. E também ao estrangeirismo.

O inglês não é assim: facilmente verbalizamos um nome, nominalizamos um verbo, juntamos palavras e formamos outra, e agregamos estrangeirismos. Parece haver prazer em exatamente exercer as liberdades que o português, em geral, nos nega.

"Não, carai"
"Não, carai"

É claro que não existe “língua superior”, num sentido absoluto. No relativo, o inglês é melhor para certas coisas e o português para outras. E nesse momento no tempo e no espaço, o inglês é mais útil para basicamente todas as questões intelectuais.

É óbvio que o inglês carrega seu imperialismo, e é bom notar que o maior e mais recente império foi o britânico. E também é óbvio que aprender qualquer língua inclui absorver muito da cultura e do modo de pensar em que essa língua se formou. Então existem fatores imperialistas em operação, ninguém nega. Mas não faz sentido nenhum, a partir disso, usar a desculpa de aprender o inglês é submissão: pelo contrário, enquanto indivíduos e enquanto cultura, quanto mais penetramos a língua dominante, mais poder temos.

E usei a palavra “desculpa” no parágrafo anterior. Percebo uma grande variação entre as pessoas no que diz respeito ao aprendizado do inglês e de outras línguas não nativas: algumas o aprendem sem dificuldade alguma, outras desenvolvem obstáculos aparentemente intransponíveis. Os obstáculos no aprendizado de uma língua, inclusive as desculpas que as pessoas inventam para não se dedicar ao assunto, se resumem a um único ponto: encontrar prazer no esforço.

Ora, e é tão fácil encontrar prazer no conhecimento e entretenimento que só está disponível em inglês! Mas até chegar lá, como em qualquer língua, há muitas coisas chatas para repetir até que se tornem hábito: a maioria das pessoas aprende fazendo exercícios e estudando gramática. Passar essa ladeira inicial deveria ser a primeira coisa a que uma pessoa que sabe ler na língua nativa e as quatro operações deveria se dedicar: todo o resto vai ficar infinitamente mais fácil em inglês, especialmente hoje, com a Internet.

E de resto, use sua vergonha de forma positiva. Eu mesmo aprendi inglês quando jovem por pura vergonha perante meus amigos que faziam cursos particulares. Pode ter sido cruel da parte de alguns deles rirem de minha pronúncia errada de certas palavras, mas no fim das contas, preciso agradecer a eles por não ter me contentado com ser um “cidadão de segunda classe” no mundo. E se estou afirmando as coisas dessa forma, é porque se você não sabe inglês, você deve usar essa vergonha para aprender de uma vez.

Quando ouço alguém dizer “me consiga um artigo sobre ...” e aqui insira qualquer um dos temas que me interessam, como por exemplo a distinção entre as escolas filosóficas do budismo indiano clássico, svatantrika e prasangika, e concluindo “ah, mas precisa ser em português, tá?”, juro que penso: "mas o que essa pessoa pensa que está fazendo, querendo estudar esse assunto intrincado sem ao menos dominar o feijão com arroz do mundo atual, que é o inglês? Será que ela acha que, sei lá, programar computadores é mais fácil do que aprender inglês?".

E tudo, basicamente tudo, vai ser mais difícil só com o português. Então, porque essa pessoa está perdendo tempo com galhos que ela nunca vai alcançar direito sem subir pelo tronco?

"Ah, primeiro eu tento arranhar um espanhol... é mais fácil... vai saber..."
"Ah, primeiro eu tento arranhar um espanhol... é mais fácil... vai saber..."

Na verdade é bem isso, quem não se dedica ao inglês, não deveria nem mesmo se dedicar a assuntos acadêmicos ou intelectuais de forma geral. Não há nada de errado ser uma pessoa que não se envolve com essas coisas, existe um mundo muito interessante fora dos assuntos intelectuais, e você pode sempre encontrar uma turma que não o vê como cidadão de segunda classe.

Agora, faça o favor, se a pretensão é intelectual, aí amigo, não tem outra alternativa.


publicado em 11 de Junho de 2013, 21:00
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Eduardo Pinheiro

Diletante extraordinário, ganha a vida como tradutor e professor de inglês. É, quando possível, músico, programador e praticante budista. Amante do debate, se interessa especialmente por linguística, filosofia da mente, teoria do humor, economia da atenção, linguagem indireta, ficção científica e cripto-anarquia. Parte de sua produção pode ser encontrada em tzal.org.


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