As armadilhas de se achar especial

Um viés cognitivo no qual os indivíduos superestimam suas próprias qualidades e habilidades em relação às outras pessoas

Faz um tempo saiu um texto no PapodeHomem um texto chamado: "O medo de ter uma vida comum".

Nele, nosso editor Luciano Andolini descreve uma rotina convencional, o comportamento repetido por milhares de brasileiros todos os dias. A ideia gerou certo incomodo em algumas pessoas, que se anteciparam em dizer que não é bacana ter uma vida comum.

Ser um espectador da própria normalidade machuca, não queremos ser comparado a tantas outras pessoas que, como aprendemos a definir, levam uma vida "medíocre".  Queremos ser diferentes, e mais do que isso, sentimos que somos. Carregamos um desproporcional otimismo quando pensamos sobre nossa própria vida, mas tal generosidade positiva raramente é aplicada aos outros.

Pense por exemplo no trânsito e nos motoristas. Quando perguntamos para alguém se as pessoas de sua cidade dirigem bem, é quase certo que ouvirá a resposta "aqui todo mundo dirige mal", mas, como foi levantado por um estudo neozelandês,  até 80% das pessoas acreditam dirigir melhor do que a média, e essas avaliações não variam muito entre países.

Este fenômeno é o que a psicologia social chama de Superioridade Ilusória, um viés cognitivo no qual os indivíduos superestimam suas próprias qualidades e habilidades em relação às outras pessoas.

Este efeito também pode ser observado em outras áreas como, por exemplo, inteligência, desempenho profissional e acadêmico e até mesmo em relacionamentos.

Isso não significa que acreditamos que somos os melhores em tudo. No mesmo estudo sobre os motoristas, apesar de 80% considerar-se acima da média, os mesmos entrevistados se classificaram abaixo do nível "excelente motorista".  

Somos todo comuns

Todos nós, dos mais pobres aos mais ricos, podemos ser normalizados em categorias onde somos simplesmente mais um.

Quantas pessoas não possuem o mesmo emprego que você? Quantas pessoas não viajaram para os mesmos lugares que você tanto se orgulha de ter viajado? Aquele camarote exclusivo tem uma centena de outras pessoas tão especiais quanto você. E, mesmo que você seja um em um milhão, no mundo ainda existem 7000 outras pessoas na mesma posição. É o típico caso do adolescente rebelde, que na tentativa de ser diferente, se junta a um grupo onde todos são iguais.

Toda essa vontade de ser especial acaba criando mecanismos perigosos, onde passamos a menosprezar tudo o que existe a nossa volta, porque só assim podemos nos sentir superiores. Pior ainda, criamos uma ideia distorcida do mundo, um lugar onde todos precisam ser especiais, sempre vivendo pelo que pode vir a ser, nunca aproveitando o que realmente somos.

Este é um fenômeno que muito incomoda na internet social, a falsa percepção de que a vida das pessoas é incrível, enquanto a nossa é um fiel retrato do tédio.

Ter a sua própria beatlemania? Esquece.

Para nos adequar a uma realidade onde todos precisam ser VIPs, construímos narrativas que nem mesmo gostamos de interpretar. Vamos a restaurantes porque geram boas fotos, compramos coisas que não precisamos e fazemos viagens para lugares que não queremos. Se pensarmos um pouco, todos já fizemos algo que não gostamos, só porque dariam uma boa história para os outros.

Vencer o jogo finito

Toda essa ideia de que precisamos nos destacar o tempo todo esbarra num conceito que gosto muito, e que me fez rever várias áreas da minha vida.

Podemos dividir jogos em pelo menos duas categorias, os finitos e os infinitos.

Quando tentamos nos tornar especiais, automaticamente transportamos a vida para a categoria dos jogos finitos, estamos tentando chegar na frente. No entanto, independente de qual parâmetro estivermos utilizando para dizer que estamos acima dos outros, podemos olhar para o lado e encontrar outra pessoa ainda melhor do que nós.

Por isso que a vida é melhor definida como uma grande partida infinita, já que é impossível decidir quem está ganhando o jogo ou quando ele chegará ao fim. O objetivo é simplesmente continuar jogando o jogo.

Comum não é ruim

Muita gente não gosta da ideia de que não somos especiais, seja porque isso machuca o ego, indo contra a percepção pessoal de que está enquadrado numa categoria superior, ou porque está tentando fazer algo que o coloque nessa nova categoria, a tal busca para ser diferente.

O contraponto mais frequente é que pensar assim é limitador, e pode travar nosso desenvolvimento. Mas não é disso que se trata quando aceitamos que nossa vida é apenas mais uma vida comum, assim como a vida de todas as 108 bilhões de outras pessoas que já passaram pelo nosso planeta.

Nada disso quer dizer que não somos valiosos para as pessoas que nos amam e para aqueles que pudemos ajudar de alguma forma. Entender que não somos especiais e que estamos tranquilos com nossa vida comum é apenas um lembrete para acalmar nossa ansiedade, para olhar para nós mesmos com um pouco de humildade e sem culpa por ser quem realmente somos.


publicado em 27 de Junho de 2016, 19:18
12596172 10153389055960906 1551523976 n

Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura