É quase um consenso que vivemos um período histórico meio maluco.
Saímos de uma bolha na qual as coisas pareciam estar mais ou menos bem e avançando, pra cair num período de tensões políticas e comportamentais que não parecem diminuir. De uma hora pra outra, discutir o que a geração Y pensa sobre o assunto Z, ou como você pode largar seu emprego e viver escrevendo para um blog de qualquer lugar do mundo ficou escancarado como a utopia que é. Tivemos esfregado na nossa cara que essas são condições difíceis de serem atingidas, que são... privilégios.Entre esses muitos privilégios que gritam na cara de quem não os tem, está a voz, para as mulheres.
É fácil ver os David Bowies e Bob Dylans ganhando notoriedade e sendo chamados de "voz de uma geração", mas são poucas as mulheres que têm esse destaque.
Embora não completamente ausentes, sabemos que, durante o século XX, a presença das mulheres como artistas consideradas de relevância era bem pequena, o suficiente para poder-se dizer que era uma exceção que confirmava a regra de exclusão.
Parece que Carne Doce tem uma carapuça servindo muito bem.
A banda aparece oferecendo um tipo de voz que vai além do posto da cantora. Salma Jô não só canta muito bem, como é capaz de expressão, não só pelas performances como pelas letras o que as mulheres sentem.
É todo um outro nível, a banda não é só competente. Eles têm uma utilidade, um papel a cumprir.
E, pelo visto, estão executando essa tarefa muito bem.
Claro, sabemos que uma só banda não vai salvar o mundo, mas ouçam as letras como as de Falo, Princesa, Eu te odeio ou O Pai. É como ouvir as vozes das suas irmãs, tias, primas, amigas, colegas de trabalho, dizendo o que elas muitas vezes calaram. Tudo muito direto, forte.
Pra mim, que sou homem, chega a doer uma dor de culpa, de vergonha. Ainda assim, fico hipnotizado e atraído.
Mas, imagino eu, para as mulheres, deve ser maravilhoso se verem pintadas tão bem em forma de canção.
Nota: Eu Ouvi pra Você é uma coluna quinzenal, publicada às quartas-feiras.
publicado em 22 de Fevereiro de 2017, 16:32