Cassinos no Brasil: algum dia?

Jogos. Ah, os jogos.

É difícil encontrar alguém que não saiba ou não goste de praticar algum tipo de jogo. Parece que em todo o mundo, independentemente das variáveis espaciais e temporais, o ser humano sempre teve essa capacidade de inventar jogos. Talvez nem sempre com as mesmas finalidades, mas de uma forma ou de outra atendendo a necessidades lúdicas que se nos apresentam.

Las Vegas e suas "miniaturas". O lugar perfeito pra você se sentir uma criança

O que não se sabe ao certo é o exato momento em que começaram a envolver apostas. É possível encontrar referências aos jogos de azar – do árabe az-zahar, significando (jogo de) dados – datadas de milênios, como 3500 A.C., envolvendo jogos com dados, ou o que podemos entender hoje em dia como dados.

Modernamente – se bem que isso não deve ter sido muito diferente ao longo da história –, define-se como jogo de azar aquele em que a sorte, o sucesso do jogador, depende exclusiva ou predominantemente do acaso, sendo a habilidade daquele irrelevante, para não dizer inexistente.

Agora, se os jogos de azar existem há milênios, o que dizer das casas de jogos, os cassinos?

Um negócio da China

Não temos como saber onde e quando exatamente surgiram as casas de jogos ou os lugares onde as pessoas iam especificamente para socializar e jogar. No entanto, a referência oficial mais antiga de que se tem notícia data de cerca de 2300 A.C., na China.

A palavra cassino vem do italiano casino que, por sua vez, deriva de “casa”. Surge com este significado específico pela primeira vez, apesar de não limitado a ele, ainda na Itália do século XVI. Na prática esses cassinos primitivos eram mais inferninhos (prostíbulos) do que qualquer outra coisa. O primeiro cassino propriamente dito foi o Il Ridotto, situado em Veneza, em 1638.

O Il Ridotto foi fechado em 1774 basicamente sob o argumento de restabelecer a ordem, a moral e os costumes, além do perceptível empobrecimento da nobreza local. A partir daí mais cassinos foram surgindo aos poucos em outros lugares do mundo.

Nos EUA, talvez o país mais emblemático quando falamos em cassinos, os primeiros estabelecimentos dessa natureza foram os saloons. No entanto, no começo do século XX a jogatina foi proibida no país. Somente em 1931, o estado de Nevada legalizou a prática; as cidades de Las Vegas e Reno são os maiores exemplos disso. Posteriormente foram surgindo noutros lugares, sendo predominantemente no sul do país.

Saloon típico da Celifornia em 1889. Antro da jogatina americana do século XIX

O crescimento econômico das áreas que exploram o jogo de azar foi e é espantoso. Se considerarmos que esses locais atraem um tipo de turismo bastante específico: o turista vai conscientemente para gastar e perder dinheiro, diferentemente do turismo comum.

Apenas imaginemos que Las Vegas, o oásis do entretenimento adulto nos EUA, que em 2009 contando só os cassinos teve uma receita de 5,5 bilhões de dólares, está cravada no meio do deserto.

O jogo de azar no Brasil

Os cassinos surgiram no Brasil ainda na época do império, sendo que suas atividades foram proibidas em 1917, com a consolidação da república. A situação permaneceu assim até 1934, quando o presidente Getúlio Vargas mais uma vez legalizou os cassinos. A Lei de Contravenções Penais, decretada pelo mesmo presidente em 1941, transformou o jogo de azar e sua exploração irregulares em contravenção.

Por fim, em 1946, por meio do Decreto-Lei nº 9.215, o presidente General Eurico Gaspar Dutra revogou todas as disposições em contrário que impediam a aplicação da Lei de Contravenções, passando os jogos de azar a serem proibidos em todo o território nacional independentemente de regulamentação.

Diz-se que a medida resultou de um pesado lobby realizado pela primeira-dama, Carmela Dutra, católica fervorosa conhecida também como Dona Santinha. O preâmbulo do decreto deixa claro o fundamento moral da proibição:

Considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal;
Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a êsse fim;
Considerando que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e jogos de azar;
Considerando que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes;

Isso teve um impacto econômico sensível nas localidades que se valiam desse tipo de atividade comercial, como Poços de Caldas-MG, Petrópolis-RJ e a própria capital, Rio de Janeiro. O turismo estava então fortemente ligado aos cassinos, de forma que a proibição provocou ao mesmo tempo um aumento súbito no desemprego – estima-se cerca de 40 mil pessoas – e a diminuição do turismo, além de um desaquecimento na economia como um todo (comércio, hotelaria etc.)

Hotel Brasil, o maior cassino de São Lourenço em 1923. Essa é a nossa história na jogatina mundial

A proibição vigora até hoje, sendo a União a única legitimada e explorar o jogo de azar, que o faz por meio das loterias.

Bingos e máquinas caça-níqueis

Desde 1946 a única exceção propriamente dita à proibição das casas de jogos, foi feita aos bingos; imagino que todo mundo que lê o PdH tenha chegado a conhecê-los.

O que nem todo mundo se lembra é das circunstâncias no mínimo esquisitas que levaram à sua vedação. Vamos então dar uma breve recapitulada na história do país.

Em 1993 foi aprovada a Lei nº 8.672 – regulamentada pelo Decreto 981/93 –, que ficou conhecida popularmente como Lei Zico. Algum tempo depois, em 1998, já sob o regime FHC, foi aprovada nova lei para os esportes, revogando a Lei Zico; esta ficou conhecida como Lei Pelé.

Ambas as leis estabeleciam os princípios gerais da prática desportiva no Brasil e, entre outras disposições, possibilitavam a criação de casas de bingo com a intenção de reverter parte dos lucros ao desenvolvimento do esporte nacional.

Devido a diversos problemas relacionados à incapacidade de o governo federal realizar o credenciamento e a fiscalização dos bingos, foi editada Medida Provisória, que foi convertida em lei – Lei Maguito – e revogava o capítulo da Lei Pelé sobre os bingos, ressalvando a legalidade daqueles que já tinham autorização, enquanto esta durasse.

Findo o segundo mandato de FHC, em 2003 e em 2004 o presidente Lula manifestou expressamente a intenção de regulamentar os bingos, pois contava reverter aquela receita para o desenvolvimento do esporte nacional. Chegou inclusive a criar um grupo de trabalho com a finalidade de estudar a melhor maneira de fazer isso.

Contudo, apenas alguns dias depois da última declaração, foi editada a Medida Provisória nº 168/2004 que proibia os bingos, as máquinas caça-níqueis e dava outras disposições.

A medida foi tomada às pressas depois de deflagrado o que a mídia chamou de Escândalo dos Bingos, para quem não se lembra: o bicheiro Carlinhos Cachoeira divulgou gravação em que Waldomiro Diniz, na época assessor do Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, supostamente o extorquia a fim de arrecadar fundos para financiar candidatos do PT.

Jogar? no Brasil? Pode não

A MP, que foi redigida, assinada e publicada – em edição extra do D.O.U. – tudo no mesmo dia, foi arquivada pelo plenário do Senado, que julgou não estarem presentes os pressupostos constitucionais da relevância e urgência.

O estado da arte

O jogo de azar continua sendo ilegal no Brasil, sendo que há duas ressalvas:


  • Como a internet não é propriamente um lugar, o meio jurídico tem considerado que vale a lei do país onde o site ou serviço está hospedado. É por isso que jogar pela internet não é proibido; virtualmente é como se você estivesse apostando lá no lugar físico, estando, portanto, sujeito àquela jurisdição.

  • Os navios que têm cassino podem adentrar o mar territorial brasileiro e aportar, mas neste período o cassino está proibido de funcionar. Contudo, ao entrarem em águas internacionais, os passageiros podem jogar normalmente.

Reina o impasse. Há projetos tramitando no congresso que visam legalizar os jogos de azar no país, assim como há projetos querendo proibir a aposta pela internet. O prognóstico é pela legalização.

As vozes contrárias em geral invocam argumentos de ordem moral e eventualmente psicológica (vício); as favoráveis argumentam em sentido ético (liberdade) e econômico. Seja como for, do ponto de vista econômico parece ser um investimento interessante não só pelo aquecimento da economia, mas pela geração de empregos. Além disso, tende a ser uma profícua fonte de arrecadação em tributos, não que eu ache isso bom, mas é uma questão que o governo deve levar em conta.

Eu sou amplamente favorável, y ustedes?


publicado em 14 de Outubro de 2011, 05:08
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Danilo Freire

Advogado que não lida bem com prazos. Estudante de Filosofia que tem déficit de atenção. Cadeirante, era ruim em matemática, calculou mal um mergulho e desde então é tetraplégico. No Twitter, responde por @danilotetra.


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