Como botar ordem na sua vida financeira – mesmo em tempos difíceis

​​​​​​​Primeiros passos para a construção de finanças mais saudáveis

Sexualidade, terapia, vícios e dinheiro – vai ser difícil achar quem fale sobre isso em voz alta. Tema de conversa fiada no jantar com os amigos ou de papos rápidos e sussurrados na copa da empresa, falar sobre dinheiro ainda é tabu.

Não temos o hábito de conversar com os mais chegados sobre como organizamos – ou não! – a nossa vida financeira. Sempre cheios de dedos, temos medo de ofender o outro com nosso padrão de vida, soar temerários ou muquiranas demais, receber julgamentos pelas dívidas não pagas e nos envergonhamos das contas que às vezes não fecham no fim do mês.

Homens, em especial, podem se deparar até com entraves emocionais. Afinal, abrir-se para o outro e lidar com temas às vezes delicados como dinheiro pode colocar em xeque o papel de homem-provedor tão reforçado pelas influências culturais por aí. Pode ser mais difícil, para eles, assumir que vêm tendo dificuldades para financiar seus desejos ou até mesmo pagar as contas.

Tudo isso é perfeitamente compreensível. De fato, talvez não seja uma boa abrir sua vida financeira para qualquer um. Mas também é verdade que poder falar com um ou dois amigos de confiança, além de contar com informação de qualidade, pode nos ajudar a olhar de forma mais lúcida para nosso dinheiro – um dos principais recursos com o qual construímos nossas vidas.

Click e arraste para moverAlém de aprofundar as relações benéficas com outros homens e de identificar parceiros de vida com quem dividir mais que conversa superficial de bar, há outras grandes vantagens em se falar sobre o tema. Afinal, saber quanto dinheiro temos disponível e como queremos empregá-lo para que ele trabalhe a favor do nosso bem-estar pode ser um exercício um tanto doloroso, principalmente no começo, mas é valioso e, a longo prazo, traz tranquilidade e uma mente mais serena para lidar com as outras questões que a vida impõe.

Acontece que vivemos em tempos difíceis: as crises são frequentes e a nossa atenção é limitada. Não temos espaço em disco para prestar atenção de forma intensa e constante em todas as pontas da vida ao mesmo tempo e sempre. E tudo bem.

Além disso, a realidade brasileira é extremamente complexa e muitas vezes cruel – não adianta falar em economizar para quem, com um salário mínimo, compra com dificuldade o mercado do mês. Mas para aqueles de nós que têm as suas necessidades básicas atendidas e ainda sobra um tantinho mais, funciona: parar, olhar e aí simplificar e automatizar.

Não sou especialista – este é um artigo de pessoa pra pessoa. O que compartilho aqui é muito do que funciona pra mim e que aprendi com meus pais, amigos, lendo quem admiro (e entende do assunto) e conversando, sem medo de perguntar. Ao longo da leitura, você vai ver que coloquei uma série de links com aprofundamentos de quem realmente entende muito de finanças pessoais e de psicologia econômica.

Vamos lá começar a botar ordem na bagaça?!

Quanto custa viver a sua vida? Um primeiro olhar

No Brasil, o hábito é alocarmos nossa renda em “lotes” mensais. A gente tem uma grana x todo mês pra viver. Dado isto, sigamos. Vou dividir o que funciona por aqui.

Reserve aí algum tempo logo no começo do mês para sentar-se e planejar o que vem pela frente. Numa folha de papel, vamos tentar responder:

Quanto dinheiro cai na minha conta? 

Aqui entra o seu salário, feitos todos os descontos, ou então a média do que recebe em pagamentos por serviços prestados, caso você trabalhe por projeto, por venda, etc. Sendo autônomo, realidade um tanto diferente dos celetistas, gaste um pouco mais de energia e dê uma olhada aqui. Feito isso, parabéns! Você acabou de descobrir que é isso que você tem. Agora resta ver quanto você gasta…

Quanto dinheiro sai da minha conta, necessariamente? 

Estes gastos não necessariamente serão fixos, mas some aqui o quanto você costuma pagar para:

1. Morar (aluguel ou prestação, condomínio, conta de luz, gás, água, internet, TV, serviços de limpeza e o que mais estiver circunscrito à “contas da casa que sempre chegam”);

2. Transportar-se (seja de carro – prestações, gasolina, manutenção média–, passagens de transporte público ou Uber, táxi, etc.);

3. Alimentar-se (mercado, restaurante, comida comprada pronta, aplicativos de entrega, etc);

4. Contas assumidas por você e que chegarão todo mês, esteja você feliz ou triste (inclua aqui mensalidades escolares, academia, doações, assinaturas, conta do celular, parcelas de compras e o que mais bater na sua porta a cada trinta dias).

Quanto dinheiro sai da minha conta e eu nem vejo, cara! 

Isso aqui vai dar um tantinho de trabalho, mas não vai precisar ser feito muitas vezes depois dessa primeira e vai te economizar energia no futuro. Volte no tempo um pouco e revisite faturas antigas, se necessário. Vá somando o quanto você gasta por estar vivo e na rua em dias comuns. Os lanches, as cervejas, os analgésicos, as flores, a passada pra comprar requeijão em cima da hora, o cinema e passeio do sábado e domingo… Com algum esforço, vamos tentar chegar aqui numa média de gastos por semana. Se você não tivesse cartão, quanto mais ou menos precisaria sacar na segunda-feira para cobrir estes gastos? (Amuri fans here).

Não se preocupe muito em separar gastos no crédito ou no débito aqui. A intenção é realmente ficar cara a cara com quanto sua vida custa.

Quanto isso deu? Coube dentro do que você ganha? Ou os números não fecham?

Se sua vida é mais cara do que você pode pagar (isto é, você gasta mais do que ganha), não seguirei o caminho óbvio de dizer que você simplesmente precisa barateá-la. A realidade do nosso país é complexa e seria irresponsabilidade tentar resolver toda a questão em um parágrafo na internet. Se você está em situação de inadimplência – isto é, contraiu dívidas e agora está com dificuldade de pagar, a situação é ainda mais específica e demanda ajuda também específica. Alguns caminhos, aqui.

Mas para uma pessoa em situação de gerar valor bem remunerado e que tem suas necessidades básicas cobertas, vale, sim, reavaliar o padrão de vida assumido. 

A nossa tendência primeira é olhar pros pequenos gastos e cortar o cafezinho, mas isso é pouco sustentável no longo prazo (difícil viver com privações opcionais por um longo tempo).

Não precisa cortar todos os seus pequenos prazeres, vai com calma.

Sendo assim, vale olhar para os gastos fixos, massivos, da nossa segunda pergunta, e questionar-se: será que eu realmente posso pagar por tudo isso? Disso aqui, quais são minhas prioridades, quais são as coisas que realmente têm grande impacto no meu bem-estar? E quais delas eu posso cortar ou diminuir para, aí então, empregar essa grana em algo que me é mais valioso? Tenho aprendido aos pouquinhos que a capacidade de priorização é chave quando lidamos com recursos limitados (tempo, dinheiro, atenção, etc.).

Mesmo que as contas fechem tranquilamente, fazer as perguntas do parágrafo anterior pode ser um exercício interessante. Você está botando dinheiro no que quer para sua vida? A recompensa do seu trabalho está fluindo para onde vão os seus valores e desejos? Vale a pena gastar com x e deixar de fazer y? Estou feliz com o que vi? Quero mudar o quadro para incluir o que traz mais felicidade para mim e para o universo ao meu redor?

Finalmente, procure parcerias! Se mudanças precisam ser promovidas, consultores financeiros idôneos e de trabalho sério vão ajudar muito, é claro, mas muitas vezes procurar o apoio de quem está ao seu redor também é valiosíssimo e resolve bem.

Recorra a pessoas próximas em quem você confia e cujas capacidades de organização e sensibilidade você admire. Exponha seus sonhos, desconfortos e necessidades. Juntos, trace juntos um plano ou então lhe diga mais sobre como você gostaria de se organizar. A gente aprende falando! Professores que o digam.

E o orçamento mês-a-mês?

Agora que você já tem mais clareza do fluxo do dinheiro por aí, sugiro o que, pra mim, funciona: repetir o processo, de forma simplificada, no começo do próximo mês.

Caiu o dinheiro? Reserve uns vinte minutos. Em uma folha de papel mesmo, desenhe ou escreva:

  • Quanto tenho?

  • Qual o total dos meus gastos fixos?

  • Quanto sobra (quanto tenho – gastos fixos)?

  • Disso, quanto vou reservar para gastos ocasionais toda semana e quanto quero separar para investir em planos, sonhos e velhice?

Para Mário, meu amigo imaginário (me perdoem, nasci tia do pavê), designer, 29 anos, São Paulo, capital, a coisa é mais ou menos assim:

Um exemplo de como dividir seus gastos para planejar o orçamento.

​Não precisa ser nada elaborado e complexo – não há necessidade de grandes planilhas com somatórias ou apps. Você pode fazer isso à mão, ou no computador; no papel, ou numa planilha simples. Como quiser. Como funcionar pra você. O meu é no papel (e feito com canetas coloridas). Funciona pra mim.

Além disso, tudo dentro deste modelo pode variar – alguém que tem filhos terá planejamento totalmente diferente. Quem ganha duas vezes mais ou duas vezes menos, idem. Quem investe mais (ou não investe nada), idem. Quem tem prioridades diferentes das de Mário, idem. Tudo bem.

Automatize os pagamentos que você puder, bem como os aportes de dinheiro investido/reservado para investimentos, se houver. A ideia é ter menos trabalho e diminuir também esforços repetitivos, além de fazer com que a sua vida financeira flua saudável independentemente do seu humor – acordou pensando em chutar o balde e gastar todo o dinheiro do mês? Ops… as contas já foram pagas e parte do dinheiro já foi investido e você nem viu.

A ideia aqui é gastar uns bons vinte minutos no começo do mês nisso, mas aí depois só ter que despender de uns cinco ou dez no começo de cada semana para conferir se tudo tá correndo certo e pegar o seu lotezinho semanal.

Ter o panorama mensal e aí deixar o resto por conta do lote semanal funciona muito bem para mim. Mas existem outras diversas estratégias que você pode usar, como essas aqui e aqui.

O essencial aqui é que tudo seja o mais simples, objetivo e automatizado possível. Planejamentos complexos, que exigem controle rígido e anotações infinitas provavelmente serão abandonados assim que nossa mente se interessar um pouquinho mais pela folha que voou no céu (ou qualquer outra coisa).

Até parece que está tudo bem assim… E a pandemia? (Ou: o que fazer se você teve sua renda significativamente impactada)

Estamos em meio a uma crise em um país relativamente instável. Infelizmente, milhares de homens e mulheres se veem agora desempregados e sem renda ou vendo cair em conta muito menos do que o que era normal.

Comece olhando para isso. Reserve algum tempo aí para fazer os passos anteriores e descubra quanto está entrando e quanto você precisa para pagar as contas. Estando sem ou quase sem renda, é bem possível que a conta não feche.

Se o seu “eu” do passado cuidou do seu “eu” do futuro e você tem alguma reserva à qual recorrer, me parece que esta é a hora. Corte o que puder cortar, barateie o que puder baratear, e aí faça as contas de quanto vai precisar para cobrir o mês. Vá até sua reserva e saque esse montante de uma vez. Pode doer, mas é para isso que você a construiu.

Se o seu “eu” do passado não pôde fazer isso e promover os cortes possíveis ainda não dá conta de fazer os números fecharem, o endividamento talvez seja um caminho. Se for o caso, faça de tudo para conduzir o processo de forma lúcida e planejada. A situação delicada, novamente, exige atenção especial. Volte no link acima sobre dívidas para orientações mais precisas.

E, novamente, procure ajuda! Especializada, de consultores/assessores financeiros competentes, mas também vale recorrer àquelas pessoas de confiança das quais falamos mais pro começo do texto. É um cenário de fato difícil e sentimentos que machucam podem surgir, mas isolar-se em negação provavelmente resultará em efeito bola-de-neve e sensação de impotência.

"As coisas tão andando bem por aqui…"

Se renda e organização financeira estão fluindo bem por aí, pode ser interessante começar a pensar em formar uma reserva de emergência.

É assim que a gente chama uma certa quantidade de dinheiro acumulada que servirá como um colchão de segurança. É um pé de meia que te protege do endividamento imediato (e, muitas vezes, de não conseguir pagá-lo) caso algo (ou tudo) dê errado. Se você foi demitido, a geladeira quebrou de repente, um problema de saúde se manifestou com urgência e você precisa de uma grana milagrosa, tchananan, este milagre terá sido proporcionado pelo seu amado “eu” do passado.

Dando uma busca pela internet, você vai achar gurus diversos que dizem que a sua reserva de emergência precisa ter o valor x, y ou z. Eu diria que depende. Se você for demitido, por exemplo, quanto tempo em média leva para recolocar-se no mercado com a mesma renda (ou qual a sua empregabilidade)? Quantas pessoas dependem de você? Com quais fontes de renda você poderia contar? Você é o único provedor da sua vida ou família? Você é autônomo ou celetista? Tem muitos gastos que seriam indispensáveis em qualquer circunstância?

O exame é particular. Para alguns, faz sentido ter três meses de renda mensal acumulada. Para outros, seis. Para outros ainda, doze. Isto é matéria de análise caso a caso. E, de novo, lá vem a chata: procure ajuda! Converse! Pergunte!

Tendo decidido qual é o montante com o qual você sente-se confortável, trace um plano de investimento mensal. Quanto consigo separar por mês para compor minha reserva? Por quanto tempo terei de fazê-lo até ter o montante que decidi?

Em seguida, decida onde colocá-la. É essencial que você escolha uma opção que te permita tirar o dinheiro rapidamente se precisar – então, nada de prendê-lo em investimentos de longo prazo! É importante também que seja um investimento bem seguro, isso é, você não corre o risco de perder uma parte do montante e, por fim, me parece bom que não perca para a inflação – ou seja, aquele suor acumulado não vá perdendo, ao longo dos meses, a capacidade de comprar o que podia comprar quando você o juntou.

Para a reserva de emergência, alternativas simples como Tesouro Selic, CDBs com liquidez diária rendendo 100% (ou mais) do CDI e contas correntes remuneradas em bancos digitais dão conta do negócio. Não precisamos de rendimentos extraordinários aqui.

Vale dar uma olhada nas opções de investimentos disponíveis e abrir conta numa corretora – esta última opção pode ser interessante porque é geralmente gratuita e corretoras costumam reunir alternativas disponíveis de várias instituições financeiras em “uma mesma prateleira do supermercado”. Além disso, também será útil caso você tenha interesse em se aprofundar nos investimentos mais tarde.

E lembre-se! Querer fazer uma viagem interessante ou comprar um novo celular não são emergências. Planeje-se para isso em separado.

Depois desse passo inicial na sua segurança financeira, pode ser interessante começar a sonhar com metas de médio e longo prazo. Pensa em daqui uns anos tirar um sabático e bater perna por aí? Tem vontade de comprar um carro novo? Quer garantir uma aposentadoria sem maiores preocupações? Defina suas prioridades, busque ajuda, planeje-se e voilà. 

Reserva de emergência feita, pode ser até divertido começar a brincar no mundo dos investimentos e suas tantas variáveis. Logo você descobrirá que, tendo prazos mais longos ou abrindo mão de poder sacar seu dinheiro a qualquer momento, retornos mais interessantes (um pouco mais barrigudinhos) serão possíveis. Aos poucos, você vai deixando cada ovo conquistado numa cesta diferente, garantindo que umas rendem menos, mas de forma estável e segura, e outras estejam mais expostas ao risco, mas possam também render um pouco mais. Vá com cuidado, colocando o pé na água aos poucos, perguntando muito e conversando com quem entende, mas vá.

Acho que entendi!

Voltar seu olhar para suas finanças não é exatamente uma tarde na praia, mas garanto que vai te proporcionar muitas dessas tardes (se for do seu desejo). É daqueles hábitos que vão ficando cada vez menos dolorosos até o ponto no qual a gente se empolga por estar conseguindo fazer nossos planos, realizar nossos sonhos.

Vale a pena, eu garanto.

Este artigo quis te dar um chutezinho na bunda pra dar os primeiros passos e eu falei muito do que aprendi por experiência. Existe muito mais nesse universo e muito mais gente finíssima falando sobre isso.

Listei alguns caminhos interessantes dentro do PdH aqui embaixo, quase todos do Eduardo Amuri, com quem aprendi por demais da conta! E a conversa segue.

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publicado em 07 de Agosto de 2020, 08:40
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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