Como dar vida nova às roupas que você já tem

Ao invés de comprar roupas novas compulsivamente, transforme o que você já enjoou de vestir

Já falamos aqui sobre como comprar é uma atitude política e também da importância do consumo consciente. Contudo, sei que não é fácil mudar certos hábitos de um dia para o outro. Resistimos em assumir um novo padrão de escolhas, ainda mais quando elas parecem mais complexas.

Nesse novo padrão sugerido, o processo de decidir por qual camiseta comprar ganha mais um critério. Além de qualidade, estética e preço, deve-se considerar a ética. Para isso, é necessário investigar toda a cadeia produtiva das empresas em questão - tarefa impossível ou penosa demais para realizar sem ajuda. Com isso, nosso conformismo em relação ao status quo se mantinha e era muito difícil sair da inércia.

Felizmente, a transmissão desse tipo de informação vem ganhando força e tem muita gente trabalhando para nos auxiliar nesse processo. Aos poucos vamos ganhando mais recursos para sermos melhores consumidores e as marcas que se comprometem de verdade com a ética sócio-ambiental vão se multiplicando e sendo cada vez mais reconhecidas e valorizadas.

Em termos práticos, já abordamos algumas formas de usar os recursos que temos para fazermos nossa parte. Como quando dei dicas de compras em bazares e brechós. Também falei sobre o que fazer nas situações mais difíceis de se comprar de segunda mão, indicando marcas a serem evitadas, que podem estar praticando trabalho escravo ou simplesmente não estão comprometidas com o fim dessa triste realidade.

Desta vez, vim pra falar de outras opções para renovar seu guarda roupa, com pouco ou nenhum impacto ao meio ambiente.

Uma delas é trocar uma peça que você não usa por outra que alguém também não queira mais. É o que o aplicativo do Roupa Livre propõe, usando uma interface similar à do Tinder. Interessante, né? Mas o aplicativo ainda está em fase de desenvolvimento e, enquanto isso, teremos que apelar pro bom e velho boca a boca: organize bazares de troca com amigos, leve suas peças usadas pra reunião da família na esperança de um intercâmbio favorecido por semelhanças genéticas e abuse dos grupos de troca do Facebook.

A outra opção é transformar uma peça usada, que já cumpriu o seu papel e não tem mais o valor de antes, em algo que lhe seja mais útil. Este é a base do conceito de upcycling, que pode ser aplicado em uma escala grandiosa, como fez a herdeira da marca Hermès, ou em uma escala faça você mesmo, que é o que vamos explorar aqui. Minha sócia, Carolina Lacerda, e eu testamos algumas opções - umas com mais sucesso que outras - e listamos as mais interessantes abaixo.

Modifique seu jeans

Também dá pra dar uma textura nova pros jeans que você tem, e as dicas valem para calças, bermudas e jaquetas.

Detonar: Para dar um efeito destruído, você só precisa de uma folha de lixa de obra e uma tesoura. A ideia é desgastar a peça deixando-a com aspecto mais casual. Para as jaquetas recomendamos lixar nas regiões próximas aos bolsos e nas costas. E, para as calças e bermudas, no cós – parte superior, por onde passa o cinto –, área próxima aos bolsos dianteiros, coxas e bolsos traseiros.

Fazer uma peça usada aparentar ser ainda mais usada parece loucura, mas não é

Para uma mudança mais radical, corte com a tesoura em pontos estratégicos, como joelhos. Lixe a região do corte com a peça virada pelo avesso se quiser deixá-lo mais autêntico.

Respingar: Para um visual pintor-que-acabou-de-sair-do-ateliê, você vai precisar de um pincel e tinta, que pode ser especial para tecido ou a de parede mesmo. Se o seu jeans é claro, use tons claros (branco, bege, azul claro, verde claro, rosa claro) e, se ele tiver uma lavagem escura, procure tons escuros (preto, azul marinho). Estenda o jeans em uma superfície plana (lembre-se de forrar a região com plástico ou jornal se não quiser que sua casa vire uma tela do Pollock), molhe o pincel com a tinta e, com movimentos de cima para baixo, chicoteie o ar sobre a área do jeans que você quer pintar. Depois é só deixar secar.

Calças viram shorts e bermudas

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Calças antigas podem se transformar em peças novas de diversos estilos

Uma transformação bem popular e fácil de fazer é cortar uma calça jeans antiga para fazer uma bermuda ou short. Antes de qualquer coisa, é importante saber que depois que a calça é cortada, ela vai desfiar bastante com o uso. Então, decida se você quer uma peça mais despojada ou mais comportada. As opções que recomendamos são:

Fazer a bainha: essa é uma maneira de resolver as franjas de uma vez, dando um acabamento de primeira. Mas se você não é ninja na costura, sugiro fazer isso com o auxílio de uma costureira. O valor pago por esse serviço é bem baixo e você terá uma bermuda com grande durabilidade. Essa dica serve também para calças de moletom, que ficam super estilosas. Pense em um comprimento que te agrade e te favoreça e mete bronca!

Dobrar a barra: isso evita que a bermuda desfie com o uso sem  precisar mandar costurar a bainha. Antes de cortar a calça, não esqueça de considerar uma margem suficiente para dobrar duas vezes, na espessura que desejar. As duas dobras normalmente seguram bem, mas, se o tecido for muito maleável e/ou a dobra for fina demais, pode ser que você precise dar um ponto nas laterais (esse vídeo aqui mostra como se prende um botão e você pode usar as mesmas técnicas para prender a barra, dando dois pontos em cada perna, por cima das costuras internas e externas). Tenho uma bermuda assim que gosto bastante. Acho que dá um aspecto moderno e arrumadinho.

Barra desfiada: Neste caso, é só medir onde será feito o corte e passar a tesoura sem medo. Você só terá que aparar as franjas de vez em quando. Essa opção, além de ser a mais fácil de realizar, é a opção mais descolada. Mas você sabe que quanto mais ousado, mais arriscado, né? Tem que saber usar.

Tingimento

É só diluir em água e cozinhar suas roupas com eles

Quase ninguém considera essa opção, apesar da facilidade e eficácia. O tingimento caseiro é ótimo não só para dar cara nova às roupas antigas, como para deixar peças desbotadas com um aspecto mais vistoso.

Você pode procurar tintas naturais ou tintas especiais para tecido. Recomendo usar as tintas Tupy ou Guarany (sim, curiosamente esses são os nomes das marcas concorrentes), que já testamos e são facilmente encontradas. Além da tinta, você vai precisar de um fixador (a Guarany tem um chamado Fixacor) para que a cor não desbote rapidamente.

É realmente muito simples. Dia desses tingimos de preto uma calça da mesma cor, mas que já estava desbotada, e uma camiseta de algodão verde musgo que eu já não usava muito por causa da cor e por estar manchada também. O processo foi o seguinte: diluímos um frasco de tinta preta em 1 litro de água fervente numa panela de alumínio. Depois disso, as duas peças foram para a panela com água quente até cobrir os tecidos e cozinhamos em fogo baixo por 40 minutos. Feito isso, foi só colocar as roupas em água corrente e deixar de molho no fixador. E pronto! Aumentamos a vida útil de uma boa calça preta e transformamos uma camiseta manchada em uma camiseta que vou usar com muito mais frequência.

Se você quiser alterar a cor drasticamente, é recomendável alvejar a peça antes para desbotá-la ou simplesmente ir a uma tinturaria.

Também dá pra usar corantes naturais. A Carol passou um tempo obcecada com a ideia de fazer tie-dye numa capa de almofada com tinta de beterraba. O processo parece simples, mas na prática não deu certo. Aqui vai um passo-a-passo.

Seguimos tentando!

Atenção! No mundo das tintas existem opções para tecidos naturais (como algodão e linho) e tintas para sintéticos (como o poliéster), portanto, antes da mão na massa, dá uma olhada na etiqueta da sua peça.

Vestidos viram tops e saias

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Antes e depois: Carol veste peça criada no curso de upcycling do IED/Rio

Dependendo do modelo do vestido, ele pode facilmente se transformar em uma blusa, uma saia ou em um vestido mais legal. Vestidos estampados são facilmente enjoáveis e desmembrá-los pode ser uma boa solução para continuar usando a peça.

Existem várias formas de se fazer isso e, para uma mudança permanente, você pode precisar de seus dotes de costura ou recorrer a uma profissional. (Se você tem uma máquina de costura acessível e quer aprender algumas técnicas, recomendamos o canal A Costureirinha, no YouTube)

Aqui vão algumas dicas:

  • Um vestido pode virar uma blusa (foto acima)

  • Um vestido pode virar cropped e saia (foto abaixo)

  • Um vestido longo pode virar um vestido curto

  • Um vestido longo pode virar um macaquinho

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Antes e depois: Lívia Marttins veste peças criadas no curso de upcycling do IED-Rio

Casacos viram coletes

Não tem mistério, é só passar a tesoura

A transformação de casacos em coletes é bem óbvia: corte as mangas e pronto. Deixe desfiado se quiser um estilo mais descolado ou mande fazer bainha para ficar mais arrumadinho.

A opção do colete jeans pode ser bem nichada: se você não faz o estilo motoqueiro selvagem, é interessante perceber que essa ideia simples também pode ser aplicada de forma menos óbvia - mas com um pouco mais de trabalho.

Você pode fazer um colete mais formal, daqueles que se usa em ambientes de trabalho, ou até em outras situações (se você curte uma vibe mais hipster). Para isso você vai precisar de um casaco de tricô com gola em V e fazer o mesmo procedimento: cortar as mangas. Nesse caso, você pode precisar mandar ajustar a peça para ficar mais seca no corpo, dando um caimento mais elegante.

Outra opção, mais feminina, é adaptar um tricô grosso tipo cardigã e fazer uma peça com uma pegada boho.

Tie-dye

Há outras alternativas além das estampas “curtindo uma viagem de LSD”

A técnica do tie-dye consiste basicamente em amarrar pedaços do tecido – blusa, vestido, o que for – e mergulhá-lo em tinta para tecido. A variação das formas se dá justamente no tipo de amarração feita. Após a imersão na tinta, a peça fica com as marcas do barbante mais claras ou até sem tinta alguma.

Mas a maioria das formas de tingimento mais clássicas está muito datada e deixa tudo com uma cara hippie demais. Nada contra, o mundo precisa de paz e amor, mas há outras formas de usar essa mesma técnica gerando um efeito mais contemporâneo.

Você pode dar um ar navy à uma camiseta sem graça, por exemplo. Para fazer isso, enrole-a e amarre na horizontal fitas (qualquer fita serve, basta ir em um armarinho e comprar 1 metro delas) ou barbante dando uma distância igual de um para outro. Para um listrado mais fininho, dê um espaço menor e para um listrado mais grosso, dê um espaço maior. Feito isso, mergulhe a peça em tinta para tecido (que pode ser natural ou sintética) e deixe o tempo necessário. Após esta etapa, lave-a à mão para tirar o excesso de tinta e retire as fitas. Voilá!

Aqui vai um passo a passo bem didático e ilustrado. O efeito fica mais ou menos assim:

Tie-dye moderninho

Camisetas viram regatas

Às vezes a gente deixa de usar uma camiseta porque a gola esgarçou um pouco ou o comprimento da manga incomoda, mas ainda curtimos a cor da camiseta, a malha ou a estampa. É por isso que quando eu faço uma limpa no armário, algumas camisetas sempre acabam virando regatas (principalmente quando o verão se aproxima do Rio de Janeiro).

Johnny Depp tem fama, tem dinheiro, tem sex appeal. Johnny Depp corta camisetas

Até conseguir o tipo de regata que eu gosto, confesso que cometi alguns erros. Algumas regatas ficaram esquisitas, com a gola ou a cava dos braços grandes demais. Para evitar isso, sugiro cortar rente à gola e à costura dos braços (sempre na parte interna, descartando a parte com a costura). A partir desse ponto, você pode experimentar a peça e aumentar o corte caso ache necessário. Repita isso até chegar a um resultado satisfatório, marcando sempre com uma caneta para deixar o corte bem simétrico. Lembre-se que as bordas da gola e dos braços vão enrolar um pouco com o uso, cerca de 1 centímetro cada.

Mãos à obra

Algumas dicas são muito simples, outras nem tanto. Mas mesmo para as mais trabalhosas, após alguma prática você já consegue dominar as técnicas. E, para quem quer testar essas transformações sem correr o risco de “sacrificar” uma peça do armário, pode valer a pena adquirir peças em bazares ou brechós.

Nós daqui ficamos muito satisfeitos com as experiências. Até quando deu errado, valorizamos a oportunidade de aperfeiçoar as novas técnicas a cada tentativa. Esperamos que essas ideias inspirem novas criações por aí também.

E aí? Botou alguma transformação em prática? Conhece alguma dica que ficou de fora? Conta pra gente nos comentários.


publicado em 17 de Fevereiro de 2016, 14:12
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Rodrigo Cavassoni

Entusiasta de práticas sustentáveis e dono de um brechó online, a Arara.


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