Como é a rede de cabos submarinos que sustenta as comunicações do mundo

Brasil está construindo oito novos cabos no fundo dos oceanos. No planeta eles já são mais de 300 e remontam ao século 19

Esse texto faz parte da série de republicações do jornal digital Nexo publicada semanalmente às segundas-feiras. O artigo original de José Orenstein pode ser visto na página do jornal, onde você também pode fazer sua assinatura para ter acesso a 100% do conteúdo publicado.

***

A tecnologia que nos permite mandar uma mensagem de celular para um parente no Japão, fazer uma reunião via Skype com alguém na Hungria ou falar ao telefone com uma pessoa em Madagascar não se deve majoritariamente a satélites ou à abstração da “nuvem”. Se hoje fotos, emojis e memes viajam quase que instantaneamente pelo planeta, isso se deve a algo bem mais palpável: cabos submarinos — com diâmetro que toma a palma da mão.

À esquerda, cabo submarino usado em águas profundas; À direita, cabo submarino com proteção reforçada, para águas mais rasas.

Os cabos submarinos são responsáveis por 99% das comunicações transoceânicas (entre locais separados por um oceano) feitas no mundo. Deitados sobre o fundo do mar, eles carregam fibras ópticas por onde correm os dados com nossas vozes, imagens e mensagens.

Brasil conectado

Em abril, foi anunciada a construção de mais um cabo submarino no Brasil, desta vez conectado diretamente com a Europa. Com 9.400 quilômetros de extensão, o EllaLink tem inauguração prevista para 2019. A estrutura vai ser financiada em conjunto pela Telebras e pela empresa espanhola Isla Link — num custo total de US$ 206 milhões, ou mais de R$ 670 milhões. Ela parte de Santos (SP), para em Fortaleza (CE), cruza o Atlântico e chega em Sines, no sul de Portugal. Estão previstos ainda “pit-stops” no caminho: extensões para a ilha de Cabo Verde, as ilhas Canárias e a ilha da Madeira.

Rota do EllaLink, cabo submarino que liga Brasil à Europa, com inauguração prevista para 2019.

Há, hoje, no Brasil, sete cabos submarinos em funcionamento responsáveis por praticamente todo o tráfego de dados do país com o mundo. O EllaLink vai ser o segundo a conectar o Brasil com a Europa. O Atlantis-2, inaugurado em 2000, já faz esse trajeto, mas tem baixa capacidade de transmissão. Os outros cinco cabos em funcionamento ligam o Brasil aos Estados Unidos. Um dos motivos para a construção do EllaLink é, justamente, a diminuição da dependência em relação aos americanos.

Além do EllaLink, há mais sete outros cabos submarinos em construção no Brasil. Há, por exemplo, o cabo Monet, financiado entre outros pelo Google, que vai ligar Santos, Fortaleza e Boca Ratón, na Flórida, e deve ser inaugurado no segundo semestre de 2017. Ou o cabo Tannat, conexão entre Santos e Maldonado, no Uruguai, também previsto para 2017. Ou ainda o cabo Sacs, que vai unir Fortaleza e Luanda, capital de Angola, até 2018.

Como funcionam os cabos

A expansão da rede de cabos submarinos brasileiros acompanha a expansão da rede global. Há, no mundo hoje, mais de 360 cabos submarinos em funcionamento, que perfazem mais de 800 mil quilômetros — se juntássemos todos os cabos num só, eles dariam 20 voltas em torno da Terra. Um site, feito pela TeleGeography, empresa de consultoria em telecomunicações, mostra em um mapa interativo toda essa trama de dutos subaquáticos.

Os cabos saem do continente enterrados a até 1.000 metros de profundidade. Então correm pelo fundo do mar, sem outra proteção além do próprio revestimento metálico do duto. Os cabos chegam a passar por profundidades de até 8.000 metros.

Em regiões mais fundas, os cabos são mais finos. Isso porque os riscos de danificá-los — por ataques de tubarões ou barcos de pesca — são menores. A instalação é feita por um navio, ao qual é acoplado um instrumento que vai “arando” o fundo do mar, criando sulcos na terra, onde, na sequência, o cabo vai sendo depositado. Só o trabalho de enrolar o cabo para colocá-lo no navio pode demorar três semanas.

Os cabos submarinos se mostram mais vantajosos que os satélites por dois motivos:

  • não estão tão sujeitos a intempéries (chuvas fortes ou tufões podem afetar o sinal de comunicação via satélite);
  • percorrem distâncias mais curtas (enquanto um sinal que sai de Tóquio, vai para o satélite na órbita terrestre e depois volta à Terra em Los Angeles vence 72 mil quilômetros, um cabo submarino entre as duas cidades tem apenas 9.000 quilômetros de comprimento).

Além disso, as fibras óticas que atualmente recheiam os cabos submarinos têm capacidade de tráfego de dados até 1.000 vezes maior que os satélites. Cabos submarinos com fibras óticas transmitem alguns terabits de informação por segundo.

É como se, em um segundo, uma fibra ótica apenas pudesse enviar o conteúdo equivalente ao que cabe em 102 DVDs, ao passo que satélites são incapazes de mandar sequer o conteúdo de apenas um DVD em um segundo.

O começo das conexões submarinas

A história dos cabos submarinos é a história do capitalismo moderno. Desde as Grandes Navegações, europeus lançavam-se ao mar para fazer a roda do comércio girar e encurtar distâncias. Mas é em 1858, com o desenvolvimento industrial a pleno vapor, que começa a funcionar o primeiro cabo de comunicação transatlântico. Ele servia à tecnologia em voga à época: o telégrafo.

O cabo foi construído pela companhia Cyrus West Field. Levou quatro anos para ficar pronto e ligava a Irlanda à Ilha Terra Nova, já perto do Canadá. A primeira mensagem oficial que ele transmitiu foram 99 palavras da rainha Vitória, da Grã-Bretanha, para James Buchanan, presidente dos Estados Unidos. A mensagem foi emitida às 10h50 do dia 16 de agosto e chegou às 4h30 do dia 17. Ela cruzou o oceano pelo primeiro cabo submarino da história e chegou a Washington, capital dos Estados Unidos, depois de passar por cabos aéreos no nordeste americano. Foram longas 17 horas e 40 minutos de viagem — ainda assim, muito mais rápida que um navio.

O cabo foi desativado depois de um mês de funcionamento, sobrecarregado pela energia usada para transmitir mensagens. Em 1866 e 1868 foi construído então um novo cabo transatlântico, também pelos britânicos. A partir dos anos 1870, eles começaram a expandir a rede de cabos para o Oriente, chegando à Ìndia, então colônia britânica. Os cabos submarinos usados pelos telégrafos se espalharam pelo mundo.

Nos anos 1940, com o impulso da Segunda Guerra Mundial, os cabos submarinos foram convertidos para serem usados para telefonia. O domínio já não era dos britânicos, mas das empresas americanas. Nos anos 1980, por fim, surge a tecnologia da fibra ótica, que passa a ser usada nos cabos submarinos — muitas vezes seguindo as mesmas rotas traçadas no final do século 19.

Ao longo de todo esse período, os cabos submarinos, construídos por empresas privadas com apoio estratégico dos governos, foram alvo de espionagem e sabotagem. Recentemente, Edward Snowden denunciou que a agência de vigilância dos EUA monitora os cabos submarinos do mundo todo, e, em 2015, americanos mostraram-se preocupados com barcos russos chegando perto demais dos cabos.


publicado em 05 de Junho de 2017, 15:44
Avatars 000194027406 uez5k7 t500x500

Nexo Jornal

Nexo é um jornal digital para quem busca explicações precisas e interpretações equilibradas sobre os principais fatos do Brasil e do mundo. Nosso compromisso é oferecer aos leitores informações contextualizadas, com uma abordagem original. Para o Nexo, apresentar temas relevantes de forma clara, plural e independente é essencial para qualificar o debate público.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura