Como lidar com a polarização de um jeito diferente? | Complicando as Narrativas, parte 2

Amanda Ripley fala sobre como as polêmicas poderiam ser abordadas baseadas na maneira como os humanos realmente se comportam quando estão desconfiados e polarizados

Nota da editora: este artigo de autoria de Amanda Ripley foi originalmente publicado na página Solutions Journalism e trata de um tema que interessa a todos nós: como lidar com conflitos de uma forma menos polarizada. O ponto de vista exposto aqui embaixo é muito interessante e relevante, então, decidimos traduzir e trazer pra vocês. Por tratar-se de um texto bastante longo, decidimos dividir em duas partes. Essa é a segunda parte. A primeira, você pode ler aqui.

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Complicando as Narrativas

E se o jornalismo cobrisse temas polêmicos de um jeito diferente - baseado na forma em como humanos agem quando estão desconfiados e polarizados?

Na minha visita ao laboratório das conversas difíceis, em janeiro, eu fui emparelhada com uma estudante de graduação que esta convencida pela noção de "palavras gatilhos" e apoia a ideia de "espaços seguros". Eu não estou nem um pouco convencida, então éramos o par perfeito. 

Antes de nos conhecer, nos pediram para ler um artigo cheio de nuances sobre regulamentação de armas. Como previsto, a conversa que seguiu foi polida e cuidadosa. A estudante de graduação estava defensiva, mas ponderava. Ninguém se exaltou ou atirou o grampeador no outro.

Nós saímos de lá com uma conclusão com a qual ambas poderíamos concordar. Eu não vou chamar isto de revolucionário, mas nós encontramos pontos em comum o suficiente para ficarmos na dança. Minha opinião sobre palavras gatilhos não mudou, mas eu não posso mais chamar os apoiadores desta ideia de autômatos mimados e ignorantes. (Bem, eu posso, mas eu ponderaria sobre isso antes, o que é novidade)

A lição para jornalistas (ou qualquer um) que trabalhe entre conflitos intratáveis é: compliquem as narrativas. Primeiro, complexidade gera uma história mais plena e acurada. Segundo, aumenta as probabilidade de que seu trabalho faça a diferença - principalmente se for sobre temas polarizantes. Quando as pessoas encontram complexidade, elas se tornam mais curiosas e menos fechadas a novas informações. Em outras palavras, elas ouvem. 

Há muitas maneiras de complicar as narrativas, como descreveremos detalhadamente nas seis estratégias abaixo. Mas a ideia principal é acrescentar nuance, contradição e ambiguidade onde quem que você possa encontrar.

Isso não é chamar defensores de ambos os lados e citar ambos; isso é simplificar e geralmente tem o efeito contrário no ponto central do conflito. "Simplesmente dar o outro lado irá, apenas, afastar mais as pessoas", diz Coleman. Também não significa criar uma moral equivalente entre neonazistas e seus opositores. Isso é simplicidade vestida num terno barato. 

Complicar a narrativa é encontrar e incluir detalhes que não encaixam na narrativa — de propósito.


A ideia é reviver a complexidade em tempos de falsa simplicidade. "O problema com estereótipos não é que eles sejam mentirosos, mas que eles sejam incompletos", disse a escritora Chimamanda Ngozi Adichie na sua impressionante “A Single Story.” 

“É  impossível se entrosar apropriadamente com um lugar ou com um pessoa sem se entrosas com todas as histórias que desse lugar ou dessa pessoas."

Usualmente, repórters fazem o oposto. Nós cortamos as aspas que não cabem na nossa narrativa. Ou o nossos editores fazem isso para nós. Nós procuramos coerência, o que é compreensível — e natural. O problema é que, em época de muitos conflitos, coerência é sinônimo de mal jornalismo, fronteiriço ou negligente.

No meio do conflito, nosso público está profundamente desconfortável, e querem se sentir melhor. "A tendência natural da humanidade é reduzir a tensão", escreve Coleman, "procurando a coerência pela simplificação".

Narrativas amarradas sucumbem a necessidade de simplificação, embalando a realidade gentilmente até que um lado pareça bom e que o outros pareça cruel. Nós nos acalmamos com a noção de que todos os republicanos são caipiras racistas — ou que todos os democratas sejam "floquinhos de neve" [sensíveis e frágeis] que odeiam a América.

Complexidade dá suporte a esta ânsia, restaurando as rachaduras e inconsistências que tinham sido apagadas da pintura. É menos reconfortante, claro. Mas também é mais interessante — e verdadeira.

Agora mesmo, metade dos democratas e republicanos veêm os membros do lado oposto não só como mal informados, mas, precisamente amedrontados, de acordo com o Pew Research Center.

Republicanos [direita] pensam que Democratas [esquerda] são muito mais liberais do que eles são na realidade — e vice versa. Se parte do nosso trabalho é precisamente retratar diferentes pontos de vista de maneira que as pessoas possam entender, estamos falhando. (E por "nós", eu me refiro a todos os jornalistas — mas especialmente aos repórteres de noticiários televisivos. Apesar do pós eleição ter recaído sobre o Facebook, aproximadamente 6 em 10 americanos adultos disseram que sua fonte de informação mais importante não foram as redes digitais, mas os programas de televisão à moda antiga.)

Na realidade, racistas declarados acreditam em fronteiras de partidos bem delimitadas. Em 2016 a pesquisa da Reuters/Ipsos, aproximadamente um terço dos eleitores da Hillary Clinton [republicana] descrevem as pessoas pretas como mais "violetas" e "criminosas" que as pessoas brancas, e um quarto disse que negros são mais preguiçosos. Nenhuma pessoa ou partido está livre de preconceitos.

E não são apenas os Democratas que se preocupam com ofender as pessoas; na realidade, 28% dos republicanos com grau de escolaridade até o segundo grau completo dizem que as pessoas precisam ter mais cuidado com a linguagem para evitar ofensas (o dobro os republicanos formados em universidade também afirmam isso).

"Não tem limite para o quão complicada as coisas podem ficar", como escreve  E.B. White wrote, “no processo, uma coisa está sempre levando a outra”.

Também há um componente econômico que nos leva a pensar na complexidade. Atualmente, FOX News e MSNBC supõe que seus espectadores querem escândalos, o que é, por assim dizer, simplicidade. E muitos querem. Mas e quanto às pessoas que não estão assistindo?

Muitos americanos tem desligado das notícias, desanimados pela falta de esperança cortante e deprimente. O que aconteceria se um dia eles se deparassem com um tipo de história diferente — uma que os intrigasse, ao invés de aterrorizá-los.

Enquanto isso, conforme os sites de notícias online continuam lutando para equilibrar o orçamento com manchetes que são iscas de cliques e receitas vindas de anúncios, mais veículos tem recorrido aos inscritos para ajudar no financiamento da reportagem.

Isso significa que eles tem se sair do modelos de negócio de "uma noite nada mais" para uma "relação comprometida" com seus leitores — que tem de estar baseads em algo mais profundo que gatos ou tweets do Trump. Indignação sempre será o modo mais fácil de atrair leitores, mas, por si só, não é suficiente para fazer as pessoas pagarem pelo privilégio de voltar todos os dias.

1. Aumentando as contradições

Para ver como seria a complexidade num programa num programa de TV, eu pedi que dois mediadores de conflitos experientes assistissem aos programa 60 Minutes, com a Oprah Winfrey conversando com os eleitores do Michigam.

Sara Cobb dirige o centro de narrativas e resolução de conflitos na George Mason University, e John Winslade, da universidade San Bernardino, foi autor de oito livros sobre resolução de conflitos.

No primeiro segundo do vídeo, os mediadores já estavam questionando as táticas de Winfrey. Sua questão aberta - "Como o presidente Trump tem feito seu trabalho até agora" - recebeu notas baixas.

"É uma pergunta relativamente fechada", disse Cobb. Uma abertura melhor seria "O que está nos dividindo?". Dessa forma, "a conversa passa a ser sobre divisão, e o Trump não se torna o buraco negro onde toda a complexidade se esvai".

Ai veio a primeira resposta de Winfrey — do Tom:

“Todos os dias eu o amo [Trump] mais e mais. Todos os dias. Eu ainda não gosto dos ataques dele, os ataques no twitter, ou aos outros políticos. Eu não acho que é apropriado. Mas, ao mesmo tempo, suas ações falam mais alto que suas palavras. E eu amo o que ele tem feito por este país. Estou amando."

Ouvindo isso, Winfrey se virou, sem comentar, para a mulher ao lado do Tom para pedir a opinião dela (diametralmente oposta). Os dois mediadores se indignaram com Winfrey por ela não ter respondido ao Tom. Era a oportunidade perfeita, disse Cobb.

"Eu teria dito 'Nossa Tom, eu não esperava que tivéssemos esse nível de complexidade na conversa, e eu queria te cumprimentar por isso, porque é muito fácil dizer Sim ou Não, mas você disse as duas coisas ao mesmo tempo"

No primeiro minuto, Winfrey poderia ter estabelecido o tom da complexidade. O que teria sido mais preciso e também mais interessante. A maioria de nós tem mais de lado, e o Tom também. Winfrey poderia ter ressaltado essa complexidade, disse Winslade, ao perguntar algo como:

"Então, por um lado você o ama cada dia mais e, por outro lado, você não gosta de algumas coisas que ele tem feito. Me conte o que você não gosta nos ataques dele." 

Há muitas coisas que um jornalista não pode fazer, mas podemos desestabilizar uma narrativa. Nós podemos lembrar as pessoas que a vida não é tão coerente como gostaríamos. Do contrário, não haverá nada além da espiral da simplicidade: 

Legenda

"Conforme o conflito progride, as narrativas ficam mais estreitas", diz Cobb. Ela enxerga isso em vários tipo de disputa, tanto em mesas de jantar, quanto em assembleias no parlamento.

"Na primeira briga de um casal, há muita confusão. Mas conforme o tempo passa, a história se consolida e eles podem te contar em três minutos o quão idiota é o parceiro. É o mesmo com conflitos internacionais."

Mas se nós desestabilizarmos as narrativas, como Coleman descobriu em seu laboratório, as pessoas tendem a expandir; elas continuam argumentando, mas se desarmam.

2. Alargando as lentes

No começo de 2015, uma disputa clássica surgiu na cidade de Gloucester, uma comunidade costeira ao norte de Massachusetts. O conselho da cidade anunciou que uma escultura de mais de oito metros de altura seria instalada na frente de um parque público perto do porto da cidade. A escultura seria financiada por fundos privados e públicos.

Os cidadãos começaram a brigar quase que imediatamente. Alguns se sentiram que a alite da cidade estavam ditando o uso do espaço público. No Facebook, os insultos proliferavam.

O jornal de Gloucester publicou uma matéria citando o presidente do conselho da cidade, que chamou a escultura proposta de "linda", seguida pela fala cética do morados que questionava a adequação da peça. "Simplesmente, eu acredito, que não é certo para este porto. Eu preferia ver nossos ícones reconhecidos antes".

As coisas estavam se encaminhando para ser um velho e previsível conflito: arte, ame ou odeie. Até que algo inesperado aconteceu. Os representantes da cidade foram buscar aconselhamento em um grupo chamado "Conversações de Gloucester", o qual a psicóloga Eckles e seu colega John Sarrouf haviam formado recentemente, junto a outros moradores, na esperança de criar interações mais construtivas com a cidade

"Nossa comunidade, que é muito amada, também é muito dividida", disse Eckles. Uma disputa prévia sobre o que fazer com a decadente fábrica Birds Eye havia se arrastado por vários anos, dividindo a cidade em facções.

Dessa vez, ao invés de serem sugados pela questão da escultura, o grupo, com ajuda da instituição Essential Partners, (onde Eckles e Sarrouf trabalham) alargaram as lentes da disputa. Intencionalmente, eles usaram a oportunidade para começar uma conversa maior — sobre o que Gloucester queria da sua arte pública e como essas decisões deveriam ser feitas.

Primeiro eles convidaram líderes culturais e artistas locais para se reunir e perguntaram a eles questões como: O que é arte pública? O que entra neste conceito? Como devemos decidir?

Depois o grupo convocou um encontro público na assembléia da cidade para fazer as mesmas perguntas abertas. Cerca de 100 pessoas apareceram. Depois disso, os organizadores saíram pela vizinhança e conversaram com mais pessoas.

Moradores cobriram um imenso mapa de Gloucester com adesivos apontando velhos edifícios que deveriam ser renovados, estátuas que foram esquecidas e lugares que deveriam receber novas artes. 

Não foi difícil expandir a imaginação das pessoas. "As pessoas foram muito responsivas", disse Eckles. No fim, eles queriam ser parte da conversa que era maior que eles mesmos. "No geral", disse Sarrouf, "é um alívio para as pessoas saírem do impasse".

Então a disputa virou um inquérito - de um modo que deixou a história mais interessante, não menos. A escultura nunca foi instalada. Mas, ainda naquele ano, o jornal de Glaucester divulgou uma matéria sobre a jornada da cidade em busca de uma nova política de artes.

Décadas de pesquisa mostraram como quando os jornalista abrem suas lentes como fez a organização de Gloucester, o público reage de maneira diferente. Olhando para os anos 1990, o professor de ciência política da Universidade de Stanford, Shanto Iyengar, expôs pessoas à dois tipos de notícias:

a. Matérias de lentes largas: às quais chamaram de "temáticas" e as quais focaram de maneira amplas em tendências ou problemas sistemáticos— como as causas da probreza.

b. Matérias de lentes estreitas: às quais etiquetavam "episódios" e as quais focavam em um indivíduo ou evento, como, por exemplo, mães que recebem pensão e homens em situação de rua.

Novamente, pessoas que assistiam às matérias de lentes estreitas sobre mães que recebem pensão tendiam a culpar os indivíduos pela pobreza no fim das contas — mesmo que a história da mãe que recebe pensão tivesse um olhar compassivo. Por outo lado, pessoas que viram as histórias com lentes mais amplas, tendiam a culpar o governo e a sociedade pelos problemas da pobreza.

Em outras palavras: quanto mais largas as lentes eram, mais amplos eram os culpados.

Na realidade, a maioria das histórias incluem tanto momentos de lentes estreitas quando largas; a história da mãe que vive de pensão mostra um pouco sobre programas que o governo tem desenvolvido para treiná-las a novos postos de trabalho. Mas como Iyengar mostrou no seu livro "Is Anyone Responsible?", noticiários televisivos são segmentos dominados por narrativas estreitas. 

Como resultado, noticiários da TV, ainda que sem intenção, tiram as responsabilidade dos políticos, escreve Iyengar wrote, por causa do enquadramento das matérias. As lentes estreitas levam o público a acreditar que os indivíduos são os responsáveis pelos mal da sociedade — a despeito dos líderes corporativos ou oficiais do governo. Não se conectam os pontos.

As melhores narrativas sempre se aprofundam em indivíduos ou incidentes; eu não conheço estratégia melhor para dar vida a um problema complicado de um jeito que as pessoas vão se lembrar. Mas se nós jornalistas não dermos o "zoom out", ampliando a lente, — conectando a mãe que recebe pensão ou, digamos, a escultura polêmica, ao problema maior — então a media só estará alimentando a polarização humana.

Se estamos todos focados em qualquer ameaça pequena que esteja na nossa cara, é fácil perder de vista a grande catástrofe que nos envolve.

3. Faça perguntas que motive as pessoas

Sandra McCulloch era uma repórter experiente do Victoria Times Colonist, no Canada, quando sua irmã parou de falar com ela — sem dizer porquê. Não ter contato nem respostas abalava McCulloch. Um dia McCulloch se inscreveu num curso curto e introdutório sobre mediação de conflito, só pra ver o que poderia aprender.

Foi a coisa mais poderosa que eu fiz na minha vida", ela disse. Um ano depois, no seu aniversário de 55 anos, McCulloch abandonou seus 25 anos de carreira no jornal para começar uma nova vida.

Ela sempre amou pessoas e, enquanto o jornalismo lhe mostrava o lado mais obscuro das pessoas, a mediação pareceu uma bora forma de guiá-las à luz. "Te dá tantas outras ferramentas — para descobrir quem as pessoas são e porque elas fazem o que fazem.

Acabou que a ferramenta mais útil eram as perguntas. E ela sempre fez perguntas, mas agora ela perguntava coisas diferentes de maneiras diferentes. Ela tentou usar as questões como uma espada — para atravessar o script usual

Se eu soubesse do que eu sei agora, eu acho que eu teria feito muitas perguntas mais sobre conflitos", diz ela. Isso me surpreendeu. Eu sempre pensei que os jornalistas focassem demais nos conflitos; não era justamente esse o problema?

Mas McCulloch disse que nós giramos muito ao redor do conlfito, nunca chegando no coração da questão. Nossas perguntas ficam na superfície, entrando no conflito como uma estaca, mas nunca alcançando o solo mais rico da profundidade.

Mediadores gastam muito da sua energia nessa ideia de cavar sob o conflito. Eles tem dezenas de truques para fazer as pessoas pararem de falar suas frases prontas, as quais eles chamam "posições" — e começam então a falar sobre as histórias por debaixo dessa história, também conhecidas como "interesses" ou "valores".

Se opor ao Obama Care é uma posição; a crença na auto-suficiência é, para muitas pessoas, o valor sobre essa posição. Independente se você concorda ou não, essas motivações mais profundas importam mais para o debate que os fatos do conflito (e também acabam sendo mais interessantes).

As pessoas são guiadas pelas suas entranhas e pelos seus corações, não pela sua razão, como Haidt, o psicólogo social da Universidade de Nova York explica no livro The Righteous Mind, citando pesquisas de décadas atrás. Na verdade o egoísmo superficial nunca foi um bom fator de predição do comportamento político.

Ao invés disso, Haidt identificou seis fundações morais que formam a base do pensamento político: cuidado, justiça, liberdade, lealdade, autoridade e santidade. 

Esses são os bilhetes dourados da condição humana. Liberais (e membros liberais da mídia) tendem a serem muito conscientes de três dessas fundações: cuidado, justiça e liberdade. Conservadores são especialmente ligados a lealdade autoridade e santidade. Mas também se importam com todas as seis. E políticos conservadores certamente tocam nas seis teclas, argumenta o psicólogo

Conservadores (e a mídia conservadora) têm uma vantagem sistemática como resultado. Eles conseguem cativar mais pessoas mais frequentemente porque eles apertam mais teclas das fundações. (Percebam como líderes democráticos ainda não falam muito frequentemente sobre a deslealdade do Trump e com a América, com seus membros de gabinete e com suas esposas, nesses termos, apesar de serem bombardeados com evidências de tal deslealdade. Eles reclamam mais frequentemente sobre injustiça, indecência e falta de gentileza por que essas são as notas Essas são as teclas que eles mais gostam de apertar.)

Se jornalistas quiserem aumentar suas audiências, eles precisam falar sobre todas as seis fundações morais. Se qualquer um de nós quiser entender o que está por debaixo de uma convicção política, nós precisamos seguir as histórias até suas raízes morais, assim como mediadores. "As pessoas tendem a descrever sua história da mesma maneira", diz McCulloch.

"Na mediação, você tenta inverter a situação e diz 'como você chegou nisso? Por que essa história é importante para você? Como você se sente quando você me conta?" Essas perguntas podem parecer senso comum, mas é surpreendente mente raro o quanto as pessoas mais perguntam. "Você percebe que as pessoas te olham e depois dizem, 'eu nunca pensei nisso desse jeito.'"

Esse tipo de pergunta revela motivações mais profundas, além do conflito imediato. Às vezes o conflito inteiro desaparece quando essas perguntas aparecem — porque as pessoas de repente percebem que elas concordam com o que mais importa. Geralmente essas questões revelam que a disputa é sobre algo diferente do que aquilo que todos estavam pensando.

"Mediadores experientes adoram contar histórias deste tipo", disse Mary Conger, mediadora que co-fundou o American Dialogue Project, que seleciona e junta cidadãos americanos para conversar sobre divisões políticas. "Todos nós pensávamos que estávamos naquela sala por um motivo completamente diferente. Isso abre um mundo de possibilidades."

Ano passado, eu me inscrevi para o projeto de Conger como jornalista e participante. Eu fui combinada com Bill, um ex-diretor escolar vindo de Wisconsin que é mais conservador do que eu. Nos falamos por telefone por 40 minutos, era uma chamada facilitada, seguindo o protocolo que Conger criou. A primeira pergunta era "Como você chegou a ter as visões políticas que tem?"

Eu exitei em responder o que me fez perceber que eu nunca tinha pensado em como eu comecei acreditar no que eu acredito. Em algum nível eu supus que eu cheguei a minha opinião política cientificamente — olhando para as informações e escolhendo "a verdade". O que não faz nenhum sentido.

Na verdade, eu fui criada em Nova Jersey por uma mãe feminista que votava no partido democrata e brigava contra injustiça, ao lado de um pai mais conservador que cresceu em um sítio e que consistentemente votava em republicanos ao longo da minha infância . Final conforme eu fui ficando mais velha, outras experiências formaram minha visão, mas eu nunca havia parado para perceber as articulações dá minha própria evolução.

Se a conversa tivesse começado com ele me perguntando o que eu pensava sobre o Trump (como no episódio de 60 minutes), eu não teria problema nenhum em fazer um monólogo extenso sobre o tema, cheio de superlativos e metáforas. Ao invés disso, eu tive que contar para o Bill minha própria história, o que necessariamente era mais complexo, e o Bill teve que me contar a sua história.

Eventualmente, eu aprendi que nós dois nos importávamos com acesso à saúde para todo mundo, mas o Bill também se importava muito sobre o déficit orçamental, algo que eu meu pai se preocupava na mesa de jantar, nos anos 80 (mas eu quase nunca ali sobre isso nas páginas do The New York Times). Depois da chamada, nenhum de nós mudou nossas posições, mas a nossa conversa nos ajudou a alargar nossas lentes.

Claro que é mais fácil conseguir que pessoas normais se aprofundem contando suas histórias passadas.  Aplicar o mesmo script a um executivo ou político muito bem treinado pode tornar essa tarefa impossível, independente de qual questão você pergunte.

Como repórter, McCulloch nunca gostou de entrevistar políticos. "Sempre parecia que eu estava sendo enganada", disse ela. Mas agora ela acredita que há maneiras de se aprofundar nas histórias mesmo com políticos. "Agora eu acho que eu haveria pressionado mais — 'Eu queria saber porque você se sente dessa maneira.'"

Aqui vão algumas questões específicas que McCulloch e outros mediadores que eu entrevistei sugeriram que repórteres (ou qualquer outra pessoa) perguntassem para se aprofundar,  indo além dos pontos comuns de conversas:

  • O que é visto de maneira muito simplista sobre esse assunto?
  • Como esse conflito afetou sua vida?
  • O que você pensa que o outro lado quer?
  • Qual é a pergunta que ninguém está perguntando?
  • O que você e os seus aliados precisam aprender sobre o outro lado para que seja possível compreendê-los melhor?

4. Ouvir mais e melhor

A confiança dos americanos nas mídias de massa (jornais, TV e rádio) sobre "se informar de maneira plena acurada e justa" está no seu nível mais baixo (de acordo com a pesquisa Gallup) desde 1972. O problema é sério entre democratas, e desesperador entre republicanos — dos quais só 14% diz acreditar na mídia de massa.

Nós podemos debater os motivos para isso, mas nós acabaríamos apenas falando entre nós mesmos. Nossas histórias não importam se elas não são levadas em consideração. "A confiança precede os fatos", como a Eve Pearlman, co-fundadora da Spaceship Media, gosta de dizer:

Todos com quem eu conversei apontaram que uma boa maneira de construir confiança é ouvindo melhor e de uma maneira que as pessoas possam perceber isso. Repórteres raramente são treinados a ouvir. Nós recebemos muitos feedback sobre nossas matérias de nossos editores e leitores, mas muito pouco sobre nossos métodos.

Eu cheguei a perceber que isso é uma loucura. Em muitas outras profissões que envolvem conversas delicadas, as pessoas são treinadas na arte de fazer perguntas e ouvir. Eles tratam a entrevista como se fosse uma arte, você nunca pode parar de aprender.

E por que não é assim também com os jornalistas? Ninguém jamais ouviu as minhas entrevistas, realizadas para um artigo impresso, e me deram feedback. Nunca. Eu aprendi por tentativa e erro, o que é como estudar uma língua de maneira autodidata. Você pode melhorar, mas vai demorar muito.

Lynn Morrow, por sua vez, esteve treinando estudantes universitários por 9 anos para a InsideTrack, uma empresa que ajuda universitários a concluir o curso e conseguirem seus diplomas. Um dos erros mais comuns que Morrow relata é que ela costumava perder algumas dicas muito sutis. Por exemplo, ela perguntava aos alunos como as coisas estavam indo e aceitava a primeira resposta que eles davam — que geralmente é "Ótimo". Mais tarde, quando ela recebia as notas dos estudantes, ela percebia que as coisas não estavam ótimas. 

Ela aprendeu a não ouvir apenas o que os estudantes dizem mas também o seu silêncio, os intervalos e as coisas que eles não dizem. Depois ela sabe como cavar mais profundamente: ela pergunta questões importantes muitas vezes, às vezes separadas por semanas, e quase sempre recebe respostas diferentes pronto geralmente cada resposta é verdade, e cada uma representa uma parte diferente dessa história.

Na maioria das vezes, ela tenta manter a cabeça o mais aberta possível, em qualquer conversa. "É muito fácil você assumir uma posição de que você já sabe exatamente o que está acontecendo, o que acaba inviabilizando qualquer outra possibilidade."

Há outros truques para fazer isso, mesmo quando o tempo é curto. Em conversa sobre divisões profundas, Resetting the Table treina as pessoas para notar sinais específicos ou "indicadores", que são geralmente sintomas de significados mais profundos e escondidos.

Indicadores são coisas como palavras como "sempre" ou "nunca", qualquer sinal de emoção, uso de metáfora, afirmação sobre identidade, palavras que se repetem, ou qualquer coisa confusa e ambígua. Quando você percebe um destes sinais, você explicitamente consegue perguntar mais sobre eles.

5. Exponha as pessoas às outras tribos

O jeito mais poderoso de fazer as pessoas pararem de demonizar as outras, como décadas de pesquisa sobre preconceito racial têm nos mostrado, é apresentar umas às outras. O termo técnico é "teoria de contato", mas isto simplesmente significa que, uma vez que as pessoas se conhecem e se identificam umas com as outras, elas passam a ter mais dificuldades em ver às outras como caricaturas ou estereótipos.

Conexões humanas genuínas complicam permanentemente as nossas narrativas. Comunidades com mais relações interligadas tendem a ser menos violentas e mais tolerantes, como Diana Mutz, uma uma professora de Ciência Política na Universidade da Pensilvânia, tem descoberto.

Jornalistas podem apresentar às pessoas de pelo menos duas maneiras: indiretamente, através de uma estória bem contada; ou literalmente, ao colocar comunidades juntas em eventos reais ou virtuais. No entanto, fazer isso é mais difícil do que parece. E é possível que, fora das condições e lugares adequados, essa tentativa torne as coisas ainda pior.

A contação de uma história indireta pode, mesmo sem intenção (como falamos antes), mostra o tema sob lentes estreitas ao focar na responsabilidade individual, ao invés de problematizar os sistemas. É importante alargar as lentes e conectar uma representação particular da "outra" tribo a uma narrativa maior e histórica — ou a matéria vai acabar apenas confirmando os preconceitos da audiência.

Enquanto isso, reuniões presenciais entre leitores tem sido cada vez mais possíveis, conforme os veículos de mídia recorrem aos seus inscritos para financiar seus trabalhos de longo prazo. Mas, novamente, a execução faz toda diferença. É importante, por exemplo, que todos os convidados para um encontro de comunidade se sintam em pé de igualdade. A situação precisa ser não-ameaçadora e justa (você não iria querer sediar uma conversa sobre raça na vizinhança mais "branca" da cidade, por exemplo).

Deveriam haver mais encontros presenciais focados em conversas, e compartilhamento de histórias também. E comida. As pessoas se unem quando elas têm de partilhar o pão, assim como sempre o fizeram. Estes detalhes importam muito — assim como também importa a essência da conversa.

No Laboratório de Conversas Difíceis, Coleman e seus colegas descobriram que as conversas fluem melhor quando as pessoas têm cerca de três interações positivas para cada uma negativa. E o tom da conversa usualmente é estabelecido nos primeiros minutos.

O melhor tipo de conversa sobre diferenças geralmente começa com questões pessoais como "Quais das suas experiências moldaram a sua visão política?". Quando você conta sua própria história, as pessoas tenderão a falar com mais nuance, porque a vida real não é como uma frase de para-choque de caminhão.

Quando o Spaceship Media usa a mídia para poder engajar uma comunidade dividida, eles geralmente começam perguntando quatro questões (geralmente feitas pelo Facebook):

O que você acha que a outra comunidade pensa de você?

O que você pensa sobre a outra comunidade?

O que você quer que a outra comunidade saiba sobre você?

O que você quer saber sobre outra comunidade?

Percebi que nenhuma dessas perguntas são sobre o presidente Trump e, diferente do que acontece no 60 minutes, cada uma dessas perguntas precisa de um tempo de reflexão, o que leva a um estado de maior curiosidade e menor pressão.

6. Combatendo (com cuidado) o viés de confirmação

Um dos mais bem estudados vieses do portfólio humano é o viés de confirmação — que é o nosso péssimo hábito de acreditar nas notícias que confirmam as nossas narrativas pré-existentes e descartar todas as outras.

Pior ainda, as pessoas expostas as informações que desafiam seus pontos de vistas podem acabar mais convencidos de que elas próprias estão certas. O viés de conformação é a Kriptonita do jornalismo tradicional: ele sequestra o nosso trabalho mais brilhante meticuloso, o que acaba tornando-o impotente.

Isso acontece porque as pessoas não decidem acreditar em algo baseado na sua validade estatística. SimplCesmente não é assim que o nosso cérebro se desenvolveu para trabalhar. Nós julgamos informações baseados nas suas fontes e na sua harmonia com as nossas crenças.

Como Daniel Kahneman escreve em Thinking Fast and Slow: "Como você sabe que a sua asserção é verdade? Se isso vem inerentemente conectado por lógica ou associações a outras crenças e preferências suas, ou se isso vem de uma fonte na qual você confi, isso provavelmente vai te dar uma sensação de alívio cognitivo."

Um jeito de combater gentilmente o viés de confirmação é criar um pequeno alívio cognitivo de início: por exemplo, use fontes lugares diferentes, de várias tribos. Se você está fazendo uma matéria sobre evidências científicas para a segurança das vacinas, e você sabe que seus leitores mais liberais são altamente desconfiados desse argumento, seria melhor você usar fontes que o surpreenda — idealmente uma que venha da sua própria tribo.

Outra tática é usar gráficos ao invés de texto. Em uma série de experimentos, Nyhan e colegas descobriram que fundamentar informações visualmente favorece que as pessoas confiem na informação que está sendo passada.

Alívio cognitivo também traz um sentimento de esperança. Informações desconfortáveis que podem gerar medo (assim como um relatório sobre uma devastadora epidemia de resfriado) é mais palatável para as pessoas se vier com sugestões de soluções práticas (como listar postos de saúde que oferecem vacinação gratuita contra resfriado junto com os seus horários de operação).

Por fim um conselho simples de Nyhan: é importante não repetir uma crença falsa ao tentar corrigi-la.

Se as pessoas disserem que o Barack Obama não é islâmico, muitos irão lembrar que "ele é islâmico". A partícula de negação simplesmente desvanece da mente porque não se encaixa com a imagem pré-concebida.

A melhor maneira de contrapor uma tendenciosidade perturbadora é simplesmente afirmar que Barack Obama é cristão, e evitar repetir afirmações falsas junto da verdadeira.

Quebrando a narrativa

Humanos compartilham a tendência de simplificar e demonizar, é verdade.  Mas nós também compartilhamos o desejo de ser entendidos. Felizmente, talvez nós estejamos começando a ver, esporadicamente, exemplos de jornalistas da mais alta qualidade tentando atravessar o tribalismo.

O jornalista Jake Tapper, propôs uma assembleia municipal sobre armas e violências no começo deste ano, como forma de resposta ao atentado de Parkland, numa escola da Flórida. Em todos esses encontros, personalidades da mídia parecem ter boas intenções. Eles querem fazer algo diferente, mas falta habilidades.

É como assistir nossos avós usarem o Twitter. Eles podem aprender, mas isso não acontece naturalmente. Nesta Assembleia Municipal é interessante perceber que ficou ao encargo do político, o Senador Marco Rubio, explicar para as pessoas o que estava em jogo.

"Nós somos uma nação de pessoas que não se falam mais entre si. Nós somos uma nação de pessoas que pararam de ser amigos com pessoas por causa de quem eles votaram na última eleição. Nós somos uma nação de pessoas que nos isolamos politicamente e fizemos isso até chegar ao ponto em que discussões como essas são muito difíceis."

Jornalistas precisam aprender amplificar contradições e aumentar suas lentes ao mediar os debates. Nós precisamos fazer perguntas que desvendem as motivações pessoais. Todos nós, jornalistas e não-jornalistas, poderíamos aprender a ouvir melhor. Como pesquisadores nos mostrado em centenas de experimentos ao longo da segunda metade do século passado.

O jeito de combater este comportamento e preconceito tribal é olhando e expondo as pessoas de uma tribo às outras, assim como a novas informações sobre essa. Quando o conflito é o clichê, a complexidade é a notícia mais inovadora.


publicado em 13 de Setembro de 2019, 18:08
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Redação PdH

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