como saber se um país é violento | crônicas de cuba, 3

você não precisa de números oficiais, a violência deixa marcas físicas

estou em cuba para lançar um livro. para saber mais, leia o primeiro texto da série. abaixo, a continuação das minhas aventuras cubanas.

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violência em cuba

quando falei que praticamente não havia violência em cuba, algumas pessoas rebateram que não temos como saber porque o governo não libera os números.

é verdade.

mas existem outras maneiras (aliás, mais confiáveis que "números do governo"; afinal, quem confia em números do governo?!) para saber se um lugar é violento ou não.

descrever essas razões, por si só, já será uma excelente maneira de comparar a violência nas quatro cidades que mais conheço do mundo: rio de janeiro, são paulo, havana, nova orleans.

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a violência deixa marcas físicas

eu me fiz gente no rio de janeiro dos anos 80 e 90, os piores anos de violência de uma cidade que sempre foi violenta. quando a cidade começava a melhorar, eu consegui a façanha de ir morar em nova orleans uma semana antes do katrina, que já era a cidade mais violenta dos estados unidos e piorou bastante com a catástrofe que caiu sobre ela.

na única vez em que vivi em uma cidade não violenta, berkeley, na califórnia, uma riquíssima comunidade de vinte mil intelectuais às margens da baía de são francisco, eu demorei muitos meses para descobrir o que era aquilo que eu estava sentindo falta quando saía na rua.

tinha alguma coisa... alguma coisa que estava faltando... uma coisa que era importante... que estava por todo lado... que não estava lá....

e era apenas o "medo de morrer".

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um dos primeiros choques da pessoa turista no rio de janeiro é ver as patrulhas da polícia militar de armas já em riste. e não quaisquer armas: armas pesadas, automáticas, de guerra.

já em são paulo, o metrô tem cabines de pagamento com os dizeres: "cabine blindada" (só faltava o "favor não atirar") e, nas grades dos prédios, gaiolinhas redondas em formato de pizza servem para evitar que entregadores invadam o espaço sagrado de segurança da classe média apavorada.

nenhuma enfermeira belga, por mais distraída, precisa que o "governo libere os números" para saber que rio e são paulo são cidades violentas.

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a violência deixa marcas biográficas

em nova orleans, cidade 70% negra e cruelmente desigual, eu ouvia grande parte das minhas pessoas conhecidas falando sempre de angola:

que tinham acabado de visitar o pai em angola, que angola estava péssima semana passada, que seu ex-marido tinha ido pra angola, que o cunhado acabara de voltar depois de anos em angola, etc.

e eu pensava:

"que incrível, né? porque será que tem tanto intercâmbio cultural entre nova orleans e angola? será herança da escravidão?"

bem, era, só que não da maneira que eu pensava.

angola é o nome da penitenciária de nova orleans. nos estados unidos, estima-se que um a cada três homens negros será preso pelo menos uma vez na vida.

para a comunidade negra da cidade, angola é parte da vida. não é algo que você precise ser íntima ou amiga de alguém pra saber. não precisa perguntar: ao longo de uma conversa normal, as pessoas vão naturalmente comentar sobre suas pessoas amigas e familiares que foram ou estão presas.

não é necessário que o governo de nova orleans "libere as estatísticas da violência" para eu perceber que estava morando não só em uma cidade racista, como também violenta.

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em 2013 e 2014, rodei o brasil inteiro fazendo o encontro "as prisões". em quase todas as cidades, com raras e honrosas exceções, as pessoas viviam amedrontadas, sitiadas.

ao longo de conversas cotidianas com pessoas brasileiras normais, nas cinco regiões do país, a violência pipocava naturalmente por todos os lados: nos amigos mortos, nas amigas estupradas, nos traumas sofridos.

a violência não era algo extraordinário: era parte do dia-a-dia, das pequenas decisões cotidianas.

se eu perguntasse às pessoas leitoras brasileiras desse texto quantas conheciam pessoalmente alguém que morreu morte violenta, qual seria o índice de "sim"? 80%?

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já houve época no rio de janeiro que todo compromisso noturno terminava com uma sessão de estratégia militar:

"então, vamos voltar por onde? linha amarela? impossível, teve tiroteio hoje. rocinha? nada, o dono da boca morreu, polícia ocupou, tá uma zona. o que vocês acham da niemeyer? alguém sabe se o vidigal tá tranquilo?"

"pera, meu primo mora ali perto, deixa eu ligar pra ele..."

para nós, cariocas escaldadas, tudo isso era tão normal que só a presença de alguma amiga australiana escandalizada nos fazia perceber o quanto a violência cerceava nossa vida.

nossa amiga australiana não precisava "ter acesso ao dossiê da violência" para saber que estava em uma cidade muito, muito violenta.

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visito cuba há dez anos. sempre ficando com e entre pessoas cubanas. conversando, ouvindo, trabalhando. nunca escoltado pelo governo. nunca isolado em praias turísticas.

naturalmente que há violência em cuba. afinal, as pessoas cubanas são humanas.

mas essa violência não transparece nem no espaço físico, nem nas conversas cotidianas.

quando as pessoas falam de violência, é sempre em tom de lenda urbana, algo distante e extraordinário que aconteceu com a vizinha da sua prima, e nunca como algo cotidiano e comum, que acontece com elas mesmas ou suas parentes.

em cuba, nunca vi nenhuma marca de violência, nunca ouvi nenhuma história de violência.

depois de dez anos visitando esse país, não preciso de estatísticas do governo para SABER que essa não é uma sociedade violenta.

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disclaimer político cubano

algumas pessoas estão me acusando de pintar cuba como se fosse um paraíso.

falo de algum evento cultural e alguém responde:

"é, mas dos prisioneiros políticos você não fala, né?"

como se fosse hipocrisia ou má-fé uma pessoa visitar a itália e falar bem da comida e da arte sem, ao mesmo tempo, falar mal do berlusconi!

por que será que uma pessoa pode ir a frança e falar das coisas belas que viu e não ser acusado de "pintar a frança como um paraíso" mas eu ouço essa acusação cada vez que falo das muitas coisas boas que cuba oferece?

então, quero deixar claro aqui um disclaimer.

cuba é uma ditadura. há censura. (o acesso ao blog da yoani sanchez é bloqueado.) existem presos políticos. acontecem violações de direitos humanos e civis. falta liberdade de imprensa, de voto, de ir e vir.

quem falar que não, está mentindo.

então, por favor, não me acusem de ignorar ou negar essas coisas.

pelo contrário, tudo o que escrevo toma esses fatos citados acima como dados.

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matanzas, a atenas de cuba

estou na cidade de matanzas, onde passo três semanas.

aqui é a terra do poeta-escravo juan francisco manzano; da ediciones matanzas, que publicou sua autobiografia editada e anotada por mim; e da próxima edição da feira do livro, onde vou realizar um novo lançamento e falar em museus, universidades e escolas.

a província de matanzas, imediatamente à leste de havana, é uma fatia vertical da ilha, indo do litoral norte, banhado pelo estreito da flórida e onde ficam algumas das praias mais famosas do país, como varadero, até o litoral sul, caribenho, onde fica a ciénega de zapata, um enorme pântano, hoje parque natural, lar dos únicos crocodilos de água salgada das américas, que chegam a três metros de comprimento e, se der mole, comem gente.

(por isso, o time de beisebol local se chama "os crocodilos de matanzas". mais sobre isso abaixo.)

a província também é conhecida pelo açúcar. na época da colônia, quando cuba vivia exclusivamente de exportar açúcar, matanzas respondia por 60% da produção nacional. até hoje, ainda é a maior produtora: o jornal local discute os números das safras de açúcar como quem discute a quebra de recordes esportivos.

havana e matanzas eram duas das cidades mais ricas e prósperas do continente: em toda a américa latina, a primeira ferrovia foi a que ligava matanzas aos engenhos de açúcar nos seus arredores, e a primeira linha regular de navios a vapor foi a que ligava matanzas a havana.

e, como a riqueza é a mãe do ócio e das artes, eram também duas das cidades mais culturais do continente: a imprensa chegou a matanzas, uma pequena cidade cubana, somente três anos depois de chegar no brasil, onde só chegou porque veio fugida junto com a rainha. matanzas era tão famosa por seus poetas, por seus saraus literários, por sua cultura, que até hoje é chamada de "atenas de cuba".

no brasil, quase sempre, cidades de 150 mil habitantes são desertos culturais. já matanzas não cansa de me surpreender, com sua programação cultural de fazer inveja a cidades brasileiras dez vezes maiores.

abaixo, algumas dos eventos que participei só na primeira semana.

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miércoles con poesía

no dia em que cheguei a matanzas, quarta, 23 de fevereiro, já participei de sarau literário exclusivamente para poetas, realizado na casa das letras digdora alonso, sede da ediciones matanzas, minha editora.

a casa estava cheia.

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sala de concertos josé white

acabou de ser inaugurada a sala de concertos josé white, batizada em homenagem a um grande violinista afrocubano, em um belíssimo casarão colonial no parque de la libertad, praça central da cidade.

a programação do primeiro mês teve concertos quase diários: na sexta, 26, compareci a uma deliciosa apresentação da atenas brass ensemble, cuarteto de sopro metal.

antes do concerto começar (que foi, naturalmente, gratuito), fiquei ali, no pátio central do casarão, curtindo a arquitetura, vendo as pessoas chegarem, fumando meu charuto cubano (R$0,10 a unidade) e tomando vinho cubano Soroa (R$2 a taça).

a casa foi enchendo aos poucos, de pessoas e famílias sem dúvida muito mais pobres que eu ou os meus leitores, mas para quem prestigiar concertos gratuitos era um direito e um estilo de vida.

durante a feira do livro de matanzas, a sala de concertos josé white também terá concertos e apresentações todos os dias.

depois do concerto, sentei em um banco do parque de la libertad, entre dezenas de pessoas com seus laptops, tablets e celulares, e escrevi esse texto. ao ar livre. às dez e meia da noite.

ninguém parecia estar com medo de ter seus pertences (caríssimos e preciosos) roubados.

e pensei: nunca ouvi nenhuma pessoa cubana dizendo que deixou de fazer alguma coisa ou ir a algum lugar por causa da violência, por causa de medo.

quantas pessoas brasileiras podem dizer o mesmo?

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sábado del libro

sábado de manhã, plaza de la rueda. (ou seja, praça da roda.)

a praça tem esse nome por causa da enorme roda que um artista plástico local tirou de um engenho de açúcar desativado e encostou nessa árvore. com o passar os anos, as raízes começaram a abraçá-la e, agora, roda e árvore estão indissoluvelmente unidas. (reparem também o sino, um pouco mais acima no caule da árvore.)

nessa praça fica também a oficina do historiador da cidade. (em cuba, cada cidade tem o seu historiador oficial, guardião da memória local.)

sábado de manhã, minha editora, ediciones matanzas, lançou oficialmente mais um número da revista matanzas, uma sofisticadíssima revista de artes plásticas, literatura e poesia, conhecida em todo país. abaixo, o diretor da editora, o poeta alfredo zaldívar, abrindo o evento.

o evento teve leitura de poemas, debate sobre pintura e poesia e a relação entre ambas, e uma performance teatral.

ao lado, em um pequeno stand, a editora vendia alguns de seus livros. cada comprador, ganhava um dos meus marcadores.

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ermida de monserrate

a revista matanzas não é um periódico de assuntos locais, mas uma revista de cultura em âmbito nacional. então, para o lançamento do novo número, havia escritores, pintores, poetas de todo país. (se vocês me incluírem, até do exterior! hahaha!)

depois do evento, a editora levou todas as pessoas convidadas para almoçar e relaxar na ermida de monserrate, igreja construída pelos catalães de matanzas e ponto mais alto da cidade.

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feira internacional do livro em matanzas

quarta de manhã, 2 de março, uma semana depois da minha chegada, teve coletiva de imprensa na sede da minha editora, para apresentar a programação oficial da feira internacional do livro de matanzas, que vai de 8 a 13 de março.

em uma cidade de 150 mil habitantes (40 vezes menor que o rio de janeiro), havia 30 jornalistas, entre rádio, TV e imprensa escrita.

em cuba, a primeira feira internacional do livro acontece em havana e é sempre a maior. depois, a feira viaja pelo país, levando cultura até aos rincões mais distantes. se a programação da feira em havana tinha sufocantes 94 páginas, a de matanzas tem "apenas" 16, incluindo palestras, seminários, leituras de poemas, sessões de autógrafos, show de música, teatro e dança, e muito mais.

para vocês terem uma ideia da variedade de eventos e locais envolvidos, compartilho com vocês só as minhas participações.

estarão sempre comigo um dos editores do meu livro, lincoln capote peon ou dianelys gomez torres, que também vão assinar o livro, e o meu amigo e grande historiador matancero urbano martinez carmenate, que escreveu o posfácio e é o maior responsável pelo livro ter sido publicado.

quarta, 9 de março,11 da manhã: sessão de autógrafos no meu livro no stand "escritores assinando", que ficará na rua principal da cidade, fechada ao trânsito durante a feira.

quarta, 9 de março, 2 da tarde: apresentação oficial do meu livro, na casa de letras digdora alonso, sede da ediciones matanzas.

quinta, 10 de março, 2 da tarde: apresentação do livro às pessoas alunas do instituto preuniversitario vocacional carlos marx, uma escola de elite para jovens "acima da média" aqui de matanzas.

sexta, 12 de março, 9 e meia da manhã: conferência inaugural da jornada por el 130 aniversario de la abolición de la esclavitud en cuba, no museo provincial palacio de junco.

sexta, 12 de março, 11 e meia da manhã: mais uma apresentação do livro, agora aos participantes da jornada.

além disso, acabei de saber que me colocaram em mais três eventos, ainda nem sei quando: vou falar sobre o livro para uma cooperativa de agricultores; no castelo de san severino (primeira construção da cidade e hoje museu sobre a memória da escravidão) e no antigo engenho triunvirato (onde aconteceu a maior revolta escrava de cuba e hoje, também, museu dedicado à memória da escravidão).

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santo de casa

durante a coletiva de imprensa, a editora também me apresentou à imprensa como o único convidado estrangeiro da feira do livro em matanzas. fui entrevistado e talz.

e eu pensando que meu sonho sempre foi ser escritor, viver de escrever, influenciar a vida das pessoas com meus textos... mas nunca participar de coletivas de imprensa!

(será que tem algum escritor brasileiro que dá coletivas de imprensa? acho que nem paulo coelho.)

tudo aquilo me parecia incrivelmente surreal, como estar em um universo paralelo onde escritores eram como jogadores de futebol.

ainda bem que santo de casa não faz milagre e que ninguém é profeta em sua própria terra.

está sendo instrutivo ser a "celebridade literária internacional residente" de matanzas por algumas semanas, mas será ainda melhor voltar para copacabana e me perder na multidão do meu bairro querido, onde as pessoas nem piscam quando a madonna passa fazendo cooper no calçadão.

há três tipos de pessoas escritoras: as que escrevem com base em suas imaginações alucinadas (tolkien, king, martin); as que escrevem com base em suas experiências de vida (conrad, melville); e as que escrevem com base em sua empatia e capacidade de ouvir, agindo como vampirinhos das histórias de vida das pessoas a sua volta. esse último, humildemente, sou eu.

ou seja, uma escritora assim precisa poder ficar quietinha, invisível, no fundo da sala, só observando, só ouvindo.

se for o centro das atenções, estraga tudo.

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meu livro cubano, à venda

para mim, poder re-apresentar ao povo cubano um dos seus maiores e mais fundacionais escritores, injustamente esquecido, é um privilégio que me tira o fôlego sempre que começo a pensar nele. é realmente um dos maiores presentes que já recebi, nesse mês em que acabo de completar quarenta e dois anos.

infelizmente, estar aqui para viver todas essas emoções comeu um terço das minhas economias.

a ediciones matanzas e o instituto cubano do livro fazem o possível para ajudar: me pegaram no aeroporto, me deram oito diárias em hotel, essas coisas. mas, em relação às grandes despesas, passagem de avião e hospedagem diária pelos 45 dias, eles podem fazer muito pouco.

a editora, que em geral faz tiragens pequenas, de 500 a 800 exemplares, apostou alto na autobiografia do poeta-escravo e mandou imprimir 2.500 — a maior tiragem de qualquer livro deles e meu também.

o livro está lindo, lindo: lindo, formato grande, belíssima capa, caprichado projeto gráfico.

a hedra, minha editora brasileira, é justamente famosa pela beleza dos seus livros, então, não é pouca coisa a edição cubana ter conseguido ficar ainda mais bonita do que a nossa.

as vantagens da edição cubana em relação à brasileira:

em primeiro lugar, tem reprodução fac-símile das 53 páginas do manuscrito autógrafo (ou seja, escrito na própria caligrafia) do poeta-escravo, algo que nunca vi em nenhum livro brasileiro.

(eu, que já manuseei essas páginas, fico pensando que, um dia, quase dois séculos atrás, essas folhas, essas MESMAS folhas que eu li, toquei, cheirei, já foram folhas em branco em uma bodega cubana do século xix, talvez em havana, talvez aqui em matanzas, e manzano, o próprio, um dia saiu na rua, comprou essas folhas em branco da mão de um comerciante, provavelmente espanhol, voltou para casa, dispôs as folhas sobre uma mesa de madeira, acendeu um cotoco de vela, aparou a pena, mergulhou num tinteiro casca-de-ovo, respirou fundo.... e começou a escrever, com dificuldade, com sabedoria, com sofrimento, a única narrativa autobiográfica de uma pessoa escravizada latinoamericana! fiquei todo arrepiado, com os olhos cheios d'água, só de escrever essas linhas.)

em segundo lugar, o livro conta com uma iconografia riquíssima, mais de vinte e cinco fotos que a fotógrafa claudia regina tirou junto comigo, dos traços da existência do poeta-escravo pela ilha. (a edição brasileira só tem cinco fotos.)

e, por fim, uma vantagem editorial: na edição cubana, minhas notas estão no pé da página, facilitando sua consulta. (na edição brasileira, apesar dos meus protestos, as notas foram para o fim do livro, onde ninguém lê.)

infelizmente, muito pouca gente brasileira poderá ver a edição cubana. assim como vocês nunca viram nenhum livro cubano sendo vendido no brasil, também não verão esse.

dos 2.500, recebi cinquenta: pretendo ficar com dez e vender quarenta.

a ideia é vendê-los por um preço que eu sei que é alto, R$200 cada, especificamente para pessoas mecenas, fãs e apoiadoras que queiram me ajudar e prestigiar meu trabalho.

como vocês sabem, eu me recuso a "vender exclusividade" às pessoas mecenas, mas, de fato, pelas idiossincracias geopolíticas mundiais, poucas coisas podem ser mais exclusivas do que esse livro. vão ser só quarenta e pronto. nem eu vou ter como comprar mais. não vai dar para encomendar na amazon. puff. acabou.

eu também me recuso a reproduzir o discurso mesquinho do "ó, tenho uma coisa legal aqui, mas só mostro se você pagar".

então, para quem quiser conferir as fotos, as notas, e as páginas do manuscrito em alta resolução, é só clicar nos links, ou, para ver o projeto gráfico da autobiografia, é só baixar o pdf, com os meus cumprimentos.

o livro físico em si, por duzentos reais, é para quem deseja o prazer fetichista de possuir o objeto-livro e, ao mesmo tempo, o prazer generoso de prestigiar o meu trabalho e me ajudar a repor os gastos de viagem.

de qualquer maneira, vocês todas, que me leem e me acompanham, já me ajudam mais do que demais. não se sintam obrigadas a comprar um livro caro. baixem o pdf e pronto.

como um pequena exclusividade às pessoas mecenas, eu ofereci o livro para elas primeiro, e quase todas as cópias já foram vendidas.

por favor, lembrem-se que não vou poder segurar, reservar, encomendar mais exemplares. quando acabarem os quarenta, acabou!

muito, muito, muito obrigado.

para comprar, clique aqui.

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trem

fui de havana para matanzas no trem hershey, uma linha mais que centenária, operando carros catalães (com todos os avisos escritos nessa língua) e muito lenta (4h para percorrer 100km).

todas as pessoas amigas matanceras me recomendaram não fazer essa loucura, mas a viagem foi muito agradável, muito mais agradável do que teria sido uma hora e meia de ônibus por uma autopista.

na foto, a estação casa blanca, do outro lado da baía de havana, de onde sai o trenzinho verde.

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batalha naval

assim como as barcas que ligam rio de janeiro a niterói pela baía de guanabara, havana também tem uma linha de lanchas que cruzam a baía de havana. essa foto foi tirada na estação de lanchas de casa blanca, ao lado do terminal ferroviário.

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alguns produtos cubanos

vinho de mamão artesanal, feito na cooperativa agrícola do meu amigo leo. (estou simplesmente viciado.)

vinho soroa, o vinho de mesa básico das pessoas cubanas. é bem tomável, no mesmo nível dos nossos vinhos secos mais populares, como almadén e miolo. custa apenas 20 pesos a garrafa, ou seja, R$3,30.

leche pradera, tão bom quanto qualquer leite brasileiro, mas muito mais caro: R$10 o litro.

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federação de mulheres de cuba

a federação de mulheres de cuba é o braço armado e feminista da revolução cubana.

como não amar uma moça tão sorridente, de AK-45 na mão?

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o último pão

hoje eu literalmente dividi o último pão com a velhinha que estava atrás de mim na fila. foi bem mais gostoso do que comer o pão.

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o irmão mais velho do fidel

morreu o irmão mais velho do fidel castro, aos 91 anos de idade. ele tinha escolhido não fazer faculdade e trabalhou na agricultura a vida inteira.

para mim, a coisa mais estranha da morte do irmão mais velho do fidel... foi saber que fidel tinha um irmão mais velho.

fidel, com esse seu jeitão de líder egocêntrico apaixonado pelos holofotes, não leva a maior pinta de filho primogênito?

fico aqui imaginando como deve ter sido a barra de ser o irmão mais velho de um homem como o fidel. não deve ter sido fácil antes da revolução, quem dirá depois!

seguramente, como afirmam todos os obituários, deve ter sido um santo homem.

que descanse em paz.

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cocodrilos de matanzas

o time de beisebol de matanzas, os cocodrilos, está pegando fogo. depois de uma série de vitórias, acabou de se tornar o primeiro time cubano a se qualificar para os play-offs do campeonato nacional.

na segunda, 29 de fevereiro, fui ver os crocodilos jogando em casa, no estádio victoria de girón, contra o time da isla de la juventud.

foi um massacre. 12 a 4. os isleños só conseguiram marcar pontos em um único inning. os cocodrilos dominaram totalmente o jogo.

a partida durou quatro horas, da uma às cinco da tarde. segundo me disseram, os jogos estão sendo realizados de dia... porque o estádio está sem luz.

preço para entrar: 1 peso (R$0,15).

foi um grande prazer ficar ali, sentado na geral, apreciando o jogo, curtindo a animação das pessoas, fumando charutos.

e me ocorreu que foi a primeira coisa turística que fiz nessa viagem. (ou seja, a primeira coisa que eu fiz que eu normalmente não faria na minha terra.)

de resto, minha rotina aqui é exatamente igual à minha rotina em casa: acordar, fazer café, escrever, andar pelas ruas, escrever mais um pouco, encontrar pessoas amigas e, à noite, ir a algum evento cultural.

falta só minha cachorra capitu.

e o rio, claro, minha cidade amada que acabou de fazer 451 anos.

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arquibancadas.

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estátua do cocodrilo pelotero nas arquibancas.

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isla da la juventude rebate para atrás.

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isla de la juventud rebatendo.

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matanzas rebatendo.

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matanzas ocupando as bases.

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placar final.

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para me misturar às pessoas locais, colei um cocodrilo pelotero sobre a bandeira do brasil, na minha bolsa.

as pessoas amigas matanceras adoraram, mas avisaram: tira isso da bolsa antes de ir para havana, eles não estão nada felizes de ver los industriales (time havaneiro) sendo destroçado pelos cocodrilos.

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girón

o nome do estádio local de matanzas, o palacio de los cocodrilos, é victoria de girón.

um dos semanários locais de matanzas também se chama girón, como tantas outras coisas em cuba.

a vitória cubana na batalha de praia girón (ou, como chamamos, baía dos porcos) foi um dos feitos militares mais decisivos do século XX, ao não apenas consolidar a independência de cuba e a sobrevivência da revolução mas, mais importante ainda, ao finalmente colocar um limite na interferência norte-americana nos assuntos internos dos países latinoamericanos.

se os gringos não tivessem sido parados aí, sabe-se lá quem mais invadiriam. quem sabe teríamos tido até desembarques norte-americanos em apoio à "gloriosa revolução de 1964".

então, obrigado, cuba, pela vitória de girón. vocês lutaram por nós também.

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abaixo, o narrador do meu romance "quem não está" conta um pouco sobre essa batalha.

por favor, lembrem-se que são as opiniões ficcionais de uma personagem ficcional em uma obra ficcional. então, não citem nada do que ele fala como sendo "alex castro" que disse. um autor não concorda necessariamente com aquilo que pensam suas personagens.

concordo em linhas gerais, mas com ressalvas:

"Em abril de 1961, mil e quinhentos cubanos, aparelhados e organizados pelo governo do presidente John F. Kennedy, invadiram a república livre e soberana de Cuba. O ataque, denominado "Operação Mangusto", contou com 14 aviões de transporte, 16 bombardeiros, 5 tanques e 15 navios.

Depois de um covarde bombardeio, desembarcaram nas praias Larga e Girón, na Bahía de Cochinos, ao mesmo tempo em que centenas de paraquedistas saltavam sobre a região.

Como se confirmando que a Revolução não triunfara somente pela pusilanimidade do regime Batista mas sim por mérito militar, a sociedade cubana como um todo se uniu para combater os invasores — cubanos, sim, mas testas-de-ferro da maior potência de todos os tempos.

Em menos de 72 horas, a invasão já estava completamente desbaratada — caso durasse mais tempo, havia informações seguras de que os invasores seriam reconhecidos pelos EUA como legítimo governo provisório, criando assim a justificativa para um envolvimento aberto das forças armadas estudunidenses.

Dos invasores, 115 morreram e os 1.189 capturados foram trocados por US$53 milhões em remédios e alimentos — mostrando que a Revolução era não apenas misericordiosa como que estava mais interessada em cuidar de seu povo do que em justiçar traidores.

Não deixa de ser interessante que o Brasil, sempre colonizado e submisso, optou por chamar esses eventos pelo nome que lhes deram os norte-americanos, Invasão da Baía dos Porcos (Bay of Pigs), uma expressão animalesca e francamente depreciativa, e não pelo nome que os cubanos preferem utilizar, Batalla de Playa Girón¸ a batalha decisiva onde Cuba, pela primeira vez no século XX, finalmente consolidou e garantiu sua independência e liberdade."

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para todas as santas pessoas que conseguiram chegar até aqui, muito obrigado por me ler e por me acompanhar. vocês me possibilitam.

ontem, acabou a feira do livro de matanzas e foi incrível. estou exausto, feliz, consumido, extático. semana que vem, na última crônica de cuba, conto tudo.

beijos matanceros.

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publicado em 21 de Março de 2016, 15:52
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Alex Castro

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