Como xavecar sua chefe

Há alguns dias os garotos iniciantes no feminismo aqui do PapodeHomem postaram no Facebook um link para um texto da Madeleine Davies, traduzido e publicado pela Iara Paiva, do Blogueiras Feministas. Numa enxurrada de comentários negativos do texto e da posição superior que ele supostamente dá à mulher, decidi exemplificar a questão com uma sugestão.

Antes, um adendo para os comentários: são muitos. Tem do tradicional "azeda", "bicho do mato", "nunca recebeu uma cantada na vida", "tem necessidade de afirmação" até gente inconformada e jurando que os homens não são esses bichos horrendos que dizem que a autora pregou.

Não é de hoje que a ideia antiga de mostrar que mulher também é gente assusta muito. E parece patético – afinal, todo mundo sabe, não sabe? Deste imbróglio surge a visão torta de que o feminismo é o machismo às avessas. Não é. Feminismo pressupõe uma igualdade entre os gêneros.

Meu namorado é feminista e acredita que tanto eu quanto ele podemos trabalhar, sair com amigos, ter desejos, seguir com sonhos e que eu não tenho de abdicar de qualquer coisa porque, simplesmente, vim com uma dupla de X ao invés de um combinado de XY. Somos gente, os dois.

Homens e mulheres: gente

"O mal é a falta de empatia. O mal são os olhos cegos e os ouvidos moucos. O mal é a desatenção e o autocentramento. O mal é aquilo que sinceramente não te ocorre, que realmente não enxergou, que jura que não ouviu, que não sabe como foi esquecer." –Alex Castro, em "O mal é a falta de atenção"

Madeleine Davies explica para os homens noções básicas de convivência na selva de pedras neste texto em questão. Parece tão óbvio, mas não é. Neste sistema que parece feito para gado (já viram como estão os metrôs ultimamente?), nestas cidades em que ninguém se parece, se conversa, se assemelha, em que qualquer um pode ser um assassino em potencial, um pouco de bom senso é necessário. Mais além: enxergar que existe um outro ser ali bem debaixo dos cabelos admiráveis que você quer tocar sempre é de bom tom.

Quando um cara diz achar um absurdo uma mulher fazer cara feia porque recebeu um elogio em alto e bom som no meio da rua, ele simplesmente não está se colocando no lugar da moça em questão. Ser assediada em momentos inoportunos por gente desconhecida é bem mais agressivo do que sedutor.

"Eu me considero um feminista. Não é assim que vocês chamam alguém que luta pelos direitos das mulheres?"

Quem está à mercê para comentários enquanto anda na rua não está em igualdade com quem julga uma desconhecida pelo par de pernas ou – veja só que sensível – de olhos. Quem dá notas no meio da calçada pela sua performance ali, indo de casa ao supermercado, se coloca automaticamente em superioridade em relação a você.

Estamos há tanto tempo neste modelo insensato em que parece sedutor puxar uma mulher pela cintura e gentileza abordá-la quando ela aparenta não querer ninguém por perto que não é difícil perder-se neste enrosco.

Para aqueles que reclamaram das regras que a autora colocou, para quem não entendeu o conjunto de sugestões e achou confuso. E, principalmente para você, caro leitor, que tenho certeza de que tem boas intenções e só quer se aproximar da moçoila ali na sua frente na sorveteria sem causar desconforto, repúdio, medo ou asco. Tenho a solução.

Afinal, como xavecar sua chefe?

Suponhamos que você tenha uma chefe excelente. Admirável. E que, para além dos atributos essenciais ao trabalho, ela também seja uma mulher linda, a quem você adoraria elogiar. Imagine que a vontade seja irresistível de se aproximar dela, de chamá-la para dançar, de conhecê-la melhor.

No ambiente de trabalho, é bem provável que você não se atreva a puxá-la pela cintura quando ela está ali com você na máquina de xerox. Talvez você fizesse isso com a estagiária recém-chegada mas com ela não, claro que não.

Talvez ao chegar pela manhã você poderia soltar uma gracinha dizendo como ela embeleza o ambiente, mas você não faz isso: ela é sua superiora, pode muito bem odiar e se manifestar sobre o comentário descabido. A estagiária está em menor condição de reclamar, talvez fosse mais fácil, mas você continua encantado mesmo é pela sua chefe.

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Pode ser que um dia você a encontre no metrô. Num bar. Num parque. Num ambiente que não o de trabalho e que sinta que pode ser que você consiga se aproximar dela. Duvido muito que você puxaria os fones de ouvido dela para sensualizar. Duvido também que pegaria nos seus cabelos de sopetão, pensando que esta forma de manifestação do interesse a deixaria doidinha.

Num mundo de seres, você primeiro perceberia se ela quer uma aproximação sua. Se ela indica que quer sua companhia, com o olhar ou com comentários, se ela parece curtir sua conversa. Para se aproximar dela, é provável que você tenha de utilizar de outros artifícios. Você vai procurar saber que música ela curte, que tipo de leitura prefere e vai ficar atento aos detalhes. Olha a camiseta, o iPod. "É seu este cachorro?", "Você pratica mesmo esgrima?", "Já esteve em Londres?", "Hoje está lotado aqui, né?". Muito bem, não preciso dar o roteiro todo. Vocês sabem o que fazer.

E como xavecar todas as outras mulheres do mundo?

A regra é simples.

Toda vez que for se aproximar de uma mulher, pense que ela pode não gostar da abordagem. Lembre que ela tem todo direito do mundo de não querer uma gracinha sua. Ela não quer saber o que você acha das pernas dela no meio do vagão vazio do metrô. Preze pela atenção, pela empatia, não seja autocentrado. Se quer realmente uma aproximação, tente fazer mostrando primeiro que você sabe que ela é gente. Que em algum mundo, ela é filha de alguém, é mãe, é funcionária, é namorada e existe. Exatamente como você.

Toda vez que você quiser se aproximar de uma mulher, xaveque-a como se fosse sua chefe.


publicado em 04 de Abril de 2013, 22:11
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Isabella Ianelli

Pedagoga interessada em arte e educação. Escreve no blog Isabellices e responde por @isabellaianelli no Twitter.


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