Conseguir o que queremos não é bem o que queremos

Às vezes conseguir e não conseguir tem o mesmo efeito prático na nossa satisfação

Há algumas semana, isto é, no ano passado, publicamos um texto aqui na coluna de traduções que considero um dos principais achados recentes que tivemos pela internet. Com a mensagem simples e curta, um dos nossos autores gringos preferidos nos apresentou uma nova perspectiva sobre os erros que cometemos.

Foi justamente por ter apresentado o Jason Fried assim que surgiram alguns comentários pedindo para que fizéssemos uma lista sobre os lugares que gostamos de ler. Pois bem, a esse respeito, tenho uma boa e uma má notícia: a má é que, como vocês já devem suspeitar, esse texto não se trata disso, mas a boa é que hoje vocês vão conhecer mais um dos postulantes.

O David Cain escreve tanta coisa boa no seu site Raptitude que um dia, de tanto encher o saco, ele nos deu uma autorização eterna de traduções e republicações. E a verdade é que provavelmente teríamos material para traduzir e republicar textos dele toda semana. Algo que não fazemos por uma questão de bom senso. Mas dessa vez não teve jeito.

Mais uma vez, como o texto de semanas atrás, considero este outro belo achado na internet. Depois de tanto ouvir que é melhor se arrepender do que fez do que do que não fez, a gente acaba esquecendo que conseguir o que a gente quer nem sempre é tão bom quanto a gente imagina. E o David publicou este artigo originalmente em inglês, traduzido para o português por Julia Barreto, para nos lembrar exatamente disso:

Conseguir o que queremos não é bem o que queremos

Saiu uma matéria fascinante no The New Yorker sobre um homem que, nos anos 1960, comprou um motel só para espiar seus hóspedes. Ele sempre foi atraído pelas intimidades de outras pessoas, o quão diferente elas se comportam quando acham que estão sozinhas. Ele admite que também queria vê-las fazendo sexo.

O artigo é fascinante por muitas razões (confira ele aqui). Mas talvez a descoberta mais interessante do dono do motel seja que os seres humanos são consideravelmente miseráveis em suas férias.

Alain de Botton escreveu sobre esse fenômeno: nossas férias nunca parecem a semana de felicidade e relaxamento que esperamos que seja. Nesse curto documentário "A Arte de Viajar", ele descreve de maneira hilária — e bastante familiar — como seu tão esperado cruzeiro pelo Mediterrâneo se tornou um desfile de decepções moderadas, mesmo que não houvesse nada realmente errado com ele.

Conseguir o que queremos, ou o que achamos que queremos — naqueles breves momentos que realmente conseguimos — sempre parece ser mais complicado e angustiante do que imaginávamos.

Mas talvez conseguir o que queremos não seja exatamente o que queremos em nossas vidas.

Qualquer hora que alguém sugere, eu sempre quero sair para jantar. Pensar nisso me deixa empolgado. Há consequências, no entanto, de sair para jantar toda vez que tenho esse impulso — potencialmente sérias, de longo prazo, tanto financeiras quanto subcutâneas. Mas jantar fora é uma proposta sempre tão excitante que parece valer a pena fazer essa troca regularmente.

Quando eu penso nisso, o sentimento de deleite que espero nunca está realmente presente durante toda a refeição. Nessa ocasião específica ele é interrompido por complicações no momento que meus amigos e eu chegamos ao restaurante.

O anfitrião nos leva até uma mesa e diz que o garçom irá nos atender logo, algo que, à medida que os minutos passam, começa a parecer falso. Preciso levantar e chamar alguém? Não, devo esperar. Nosso futuro garçom provavelmente está ocupado, temendo aquele momento inevitável em que um cliente impaciente reclama educadamente enquanto ele está trabalhando o mais rápido que pode.

Eu não tenho problema em esperar cinco ou dez minutos por menus, ou até mais. Não estou desesperado para comer, estou desesperado para estar livre deste limbo existencial de não saber se fomos completamente ignorados. As necessidades humanas são estranhas — posso jejuar por doze horas com pouco desconforto, mas às vezes é incrivelmente difícil de suportar uma pequena incerteza por um minuto ou dois, mesmo em relação a coisas vergonhosamente mesquinhas como se o seu garçom contratado sabe que você existe.

O garçom vem no começo pra dar aquele gostinho de esperança.

Momentos depois sou libertado do meu purgatório privado e os menus são entregues. Eu e meus amigos pedimos, e depois conversamos sobre Game of Thrones e incêndios distantes, e prometemos que vamos acampar pelo menos uma vez nesse verão.

Dois mil e quinhentos anos atrás, um homem de 35 anos muito mais esperto estava sentado embaixo de uma árvore Bodhi na Índia, descobrindo porque minha experiência no restaurante não pode ser nem remotamente tão pura ou satisfatória quanto a ideia dela. Ele queria entender porque a vida é tão difícil, mesmo quando você está fazendo algo luxuoso e indulgente, tal como viver num palácio, ou pagar pessoas para cozinhar para você e reabastecer sua água antes de você pedir.

Esse homem estava trabalhando numa nova teoria bastante ousada: que conseguir o que queremos nos leva aos mesmos problemas de não conseguir o que queremos. Essas duas carreiras anteriores — primeiro como um príncipe que conseguia tudo o que queria e depois como um monge ascético que se negou a tudo que queria — mostraram que nosso nível de felicidade é diretamente ligado ao nosso suprimento infinito, estilo caixinha de lenços, de vontades e desejos, mas tem pouco a ver com se estes são realizados ou não.

Na verdade, ele acredita que é como que queremos o que importa. Nosso bem-estar depende se agarramos nossos desejos, fazendo qualquer coisa para aliviar nossas vontades, ou se conseguimos, em vez disso, ver nossos desejos como eles realmente são: pequenas bolhas de impulso que se formam constantemente em nossa consciência, fazem cócegas por um instante e depois flutuam para longe.

Simplesmente nos tornarmos melhores em conseguir as coisas que queremos é de pouca ajuda. Nós sofremos independente se conseguimos a coisa ou não. Se não conseguimos, sofremos pela derrota. Se conseguimos, ainda sofremos porque sabemos que vamos perdê-la.

Alguma parte de nós tem essa suspeita intuitivamente. Evidentemente, eu sabia disso mesmo quando eu era uma criança de onze anos, voltando para casa na van da família depois de passar numa loja de departamento para gastar as economias acumuladas durante o verão num jogo da Nintendo. Mesmo naquele momento, em que a coisa que eu mais queria na vida estava numa sacola de compras no meu colo, eu fui tomado pelo medo de todos nós sermos mortos num acidente de carro no caminho de casa, o que me impediria de jogar. Por favor, pai, só chegue na garagem.

Eu sabia quando eu tinha catorze anos, apaixonado por uma nova música incrível, tendo acabado de comprar o álbum. Cada nota gloriosa vinha com um tênue traço de terror, porque eu sabia que só estava drenando a mágica cada vez que colocava ela para tocar.

Meu chili com pão bannock estava bom para caramba. É por isso que venho aqui. Deveríamos fazer isso mais vezes, eu digo para meu amigo, ou talvez só penso. Rapidamente, no entanto, vejo o fim se aproximando. O chili está desaparecendo, e agora tenho bannock demais. Gostaria de ter comido mais devagar. Na próxima vez comerei do jeito certo. “Deveríamos fazer isso mais vezes”, digo novamente, dessa vez em voz alta.

Mas então vejo a minha saída. “As sobremesas aqui são ótimas,” eu digo, certo de que isso é verdade. E antes mesmo das sobremesas chegarem, sei que quando elas acabarem pedirei um café, e até lá, a necessidade de mais chili será história antiga. Estou satisfeito com o meu plano.

O cafézinho vem no final pra lembrar quanto a insatisfação é amarga.

O homem debaixo do árvore Bodhi teria rido desse plano — direcionar repetidamente minha carência não resolvida para coisas diferentes bem além do horizonte — mesmo ele sendo uma estratégia de vida  bastante comum.

Eu li alguns de seus livros, ou pelo menos livros sobre os seus livros. Eu até sento no chão como ele diz, trabalhando com o desejo um pouquinho todos os dias, o que ocasionalmente me ajuda a lembrar que é possível querer algo sem ficar sofrendo se você vai conseguir ou não.

Não há nada necessariamente errado em decidir ir atrás do que você quer. Eu sempre vou gostar de jantar fora, mesmo que nunca seja esse intervalo de satisfação pura que imaginei quando a decisão foi tomada.

Mas lembrar que o que realmente queremos não é a coisa em si pode nos ajudar. O que queremos é a experiência de conforto e prazer irrestrito que é prometida, falsamente, pelo pensamento de adquirir algo — um prato de restaurante, um cruzeiro, um aumento, um relacionamento amoroso —, mesmo que tudo venha com suas próprias dores e complicações e arrependimentos.

Podemos achar a tranquilidade muito mais facilmente entendendo nossas vontades ao invés de correr para satisfazê-las. Vivemos numa sociedade que está constantemente, cinicamente, prometendo a tranquilidade e o alívio obtidos ao conseguir uma determinada coisa, nos mostrando imagens dela sempre que possível, nos mostrando o quão acessível ela é. Eu esqueço constantemente que é a calma, a mente imperturbada, que eu realmente queria. E o restaurante não serve isso.

Mas eu gostaria de um café, se não for muito trabalho.


publicado em 22 de Janeiro de 2017, 00:05
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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