De quando a gente se apaixona no transporte público | Do Amor #20

O velho clichê de cair de amores por um desconhecido no metrô ou ônibus nunca sai de moda

Não gostava de falar ao telefone dentro do ônibus, então uma mensagem de Whatsapp foi suficiente pra avisar a amiga de seu pequeno sucesso. "Ele tá aqui. O meu mestiço tá aqui, amiga".

Ainda no ponto ela deu os últimos tapas no cabelo, um afro alto e macio, com cachos que se deitavam uns sobre os outros feito copa de árvore, aconchegante. Naquela parada são três os ônibus que passam no caminho dela, mas nas últimas semanas teimou em subir apenas no laranja, aquele que levava o mestiço da mensagem. Era um japonês de pele bem dourada com aqueles cabelos longos e pretos na frente e com a nuca raspada, um ar todo descolado usando sempre roupas pretas e tênis branco. Sempre sério, sempre seríssimo. Ela subia as escadas e se derretia antes mesmo de passar a catraca. 

O entrave em seu deleite visual estava em três pequenos quesitos. "A minha trilogia da derrota", ela pensava quando chegava no trabalho. O primeiro era que ela entrava no ônibus depois dele, isso era uma regra geográfica intransponível que acarretava em sua passividade, ela tinha que se contentar com a sorte de poder ficar em algum ponto de boa visualização. Mas não boa demais, o que nos leva ao segundo contratempo que era o de ela ser bem envergonhada e se achava respeitosa, um combo completo para não conseguir sustentar o contato visual e menos ainda tomar alguma atitude no lugar que julgava o mais descabido para a paquera. 

O terceiro e último infortúnio estava no fato de ele sair antes dela. Com isso, Tinha vezes que ela via o pouco ou quase nada. O ônibus cheio, tinha vez com gente entre eles ou quando ela se sentava com ele uma cadeira atrás. Das vezes que estavam lado a lado, apenas com o corredor separando ambos, ficava com os olhos vidrados no chão e no balançar do tênis dele, da canela bronzeada e riscada de tatuagem. A cada viagem ela ia colecionando recortes do mestiço bonito.

E assim seguiam os dias. Tinha vezes que dava de cara com ele e outros que não dava a sorte de estarem na mesma condução. Mas sempre que o mestiço estava lá com sua cara séria, indiretamente fazia o ônibus esquentar de um jeito que sol nenhum assim faria. Mas havia nela a plena certeza de que não iria se queimar ali. Daí desafogava a vontade nas mensagens.

"Ele tá aqui. O meu mestiço tá aqui, amiga."

"Ele é tão gato, amiga."

"Ele é descolado, amiga."

"Ele passa e é cheiroso pra cacete, amiga!"

"E eu não posso olhar direto pra ele, amiga."

"Eu olho, mas não como a gente queria olhar, né amiga."

"Só que ele é gato e descolado, e mestiço, amiga!"

"Ele é meu quebra-cabeça favorito."

"Tô montando ele de pedacinhos na minha cabeça."

Amor de passatempo.

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publicado em 13 de Novembro de 2015, 00:10
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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