Dirigir sem rumo é muito melhor

A 5 metros diante do para-brisa surge o caminhão, lento e com a suspensão bastante baixa, provavelmente transportando carga pesada. Não tenho pressa. Audioslave era uma banda sem igual: agora que nunca mais tocarão juntos, aprecio muito mais suas músicas quando ouço no carro.

"Show me how to live" é uma das melhores músicas que escreveram, especialmente pelo videoclipe ter sido inspirado em Corrida para o Destino (Vanishing Point, 1971), um clássico do cinema. Nesse filme, Kolwalski atravessa os Estados Unidos de uma ponta a outra. Sozinho com seu carro, seu volante preciso, o câmbio veloz e motor potente, Kolwaslki estabelece uma conexão única com as estradas pela qual dirige sem parar.

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Sinto-me inspirado pelo som pois há poucas coisas melhores do que um bom carro em uma boa estrada ouvindo boas músicas.

Surge um aclive e o já lento caminhão agora está quase parando. Não demora muito para desaparecer daquela enorme reta morro acima a restritiva faixa contínua. Ultrapassagem permitida, toco levemente com o pé no freio e deixo a carreta se afastar um pouco. Agora com visão ampla do retão e certificado de que não vem ninguém do outro lado, piso na embreagem e empurro levemente a manopla de câmbio próxima ao meu joelho em direção ao painel. Ela corre para a terceira marcha, estava esperando por aquilo como o cão que teve sua coleira retirada. Solto a embreagem e a rotação belisca 3000 rpm.

Começa a faixa vermelha do conta-giros, aquela em que o motor sorri agradecido por aliviarmos suas rédeas. As costas empurram o banco, a frente sobe um pouco e surge o ronco áspero de uma fera libertada. O caminhão fica para atrás e logo contenho os ânimos desse motor arisco que pedia um pouco mais. Aciono a seta e engato a quinta marcha finalizando a ultrapassagem rápida, suave e segura. Dirigir na estrada é bom demais.

Podemos rever lugares interessantes ou conhecer os que nunca antes visitamos. Cada estrada possui suas peculiaridades e características que jamais lhe tornará a outra. Existem estradas com retas convidativas, outras com curvas empolgantes, existem aquelas em que desligamos o ar-condicionado e abrimos o vidro para curtir a paisagem. Eu gosto de sentir o vento da estrada, observar cachoeiras, pastagens, casas, restaurantes e artesanatos.

Existem rodovias que nos assustam, que nos dão prazer, que nos causam emoções variadas. Cada curva, acostamento, rótula ou pequena saída pode esconder algo extraordinário. Quando focamos exclusivamente em nosso destino, corremos o risco de não descobrir segredos nem viver experiências que tornam todos nós, estradeiros de carteirinha, apaixonados por asfalto.

A viagem excessivamente planejada envolve definição de roteiro, do que e quem levar, do que não levar e de quem passar longe. Envolve empacotamento, pressa, stress e falta de segurança. Tudo isso para logo em seguida, ter de voltar, desempacotar tudo de novo e perceber que a maior parte do tempo foi utilizado em planejamento e em solucionar os problemas que surgem quando os planos dão errado. Quantos brasileiros não comemoram feriados irritando-se com congestionamentos ou com o clima não ideal do litoral? Sempre preferi o improviso ao planejamento. Sair sem rumo é muito melhor.

Os leitores do PdH bolaram os mais criativos roteiros para viajarem de Peugeot 207 Quicksilver até 207 quilômetros a partir de suas cidades. Da mesma forma, o 207 Quicksilver transportará nossa equipe e o felizardo vendedor dessa promoção (Thiago Caetano) para o litoral paulista. Depois tudo será relatado aqui. Além do Twitter @PapodeHomem, siga @207atalhoemocao para acompanhar nossa aventura.

Uma boa perspectiva não se encontra apenas em topos de prédios (interior do Peugeot 207 Quiksilver).

Embora o destino final de uma viagem seja a cereja do bolo, não podemos deixar de reconhecer, porém, que o bolo todo é muito bom. A oportunidade de pegar a estrada nos proporciona diversas pequenas experiências que, quando devidamente aproveitadas, garantem uma nova dimensão ao estilo de vida estradeiro.

Victor Lee, nosso embaixador Europeu, também pensa assim. Repetindo suas palavras, "o que se leva da vida é a vida que se leva". Abaixo compartilho com vocês o relato sobre as experiências de Victor ao volante na Europa oriental. É a experiência sincera de um cara que pouco se importava para onde ia, mas aproveitou todo o caminho percorrido até chegar lá.

"Quando conheci dois brasileiros em Ibiza que tinham alugado um carro e pretendiam dirigir até Minsk, capital da Bielo-Rússia, achei que era uma loucura. Bom, nesse caso, então eu também sou maluco: após hesitar alguns momentos, também tomei coragem e dirigi da Espanha até a Noruega, e depois desci até a costa da Croácia.
O que foi que eu aprendi após percorrer vinte e três países europeus de carro? Primeiro, que os meus medos me paralisavam de uma maneira muito maior do que a curiosidade me impulsionava. Tive perrengues na estrada? Claro! Fui multado na Lituânia (com desconto oferecido pelo governo quando disse que eu "sentia muito" no formulário da multa), tive o radiador derretido na Dinamarca, roubaram meu GPS na Bratislava, entre outras presepadas. Mas o medo desses contratempos era muito maior do que o obstáculo que eles realmente apresentaram.
Segundo, que ao viajar sempre é bom ter um mínimo de organização e planejamento. Saber que número ligar no caso de dar uma merda feia, como se comunicar com os locais que não falam inglês e a regra de ouro quando se viaja: ser gente boa, ter um sorriso genuíno, ajudar e permitir ser ajudado. É incrível como as pessoas são gentis e generosas quando você pede auxílio. Eu já conheci sujeito que tinha vergonha de pedir para um estranho bater uma foto na rua ou pedir as horas. E depois reclamava que os locais eram frios. Cada uma...
A terceira ideia que me aparece ao escrever essa breve colaboração é justamente o oposto da organização: ser livre. Não ter um roteiro definido inflexível. É ser desapegado, sempre com o espírito de que você tem uma longa e próspera vida adiante, sabendo que não será a última vez que você visitará aquele local. Se eu não consigo subir na Torre Eiffel pois a fila é demorada, eu prefiro tomar um vinho e fazer novas amizades. Vale mais a pena: a torre vai continuar lá para a próxima vez."
Ela pergunta "Se tiver algo que eu possa fazer para você...", aí você pergunta "Tipo o quê?" e ela responde: "Qualquer coisa que você quiser". É nessas horas que a dica do Victor ("permitir ser ajudado") faz sentido.

Eu sigo os conselhos de Victor. Dirigir é tão bom quanto chegar lá. Na estrada e na vida.

E você? Pergunta "já chegou" ou curte a estrada, sua companhia e o bom som?


publicado em 06 de Março de 2010, 12:23
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Rodrigo Almeida

Engenheiro, apaixonado pela vida e por qualquer coisa com um motor potente, nostálgico entusiasta de muitas daquelas boas coisas que já não mais se fazem como antigamente.


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